Há dias fui alertado, por amigos do “mundo do órgão”, que saíra um artigo num jornal nacional reproduzindo declarações do Presidente da Câmara Municipal da Guarda, Dr Álvaro Amaro, sobre o projecto do órgão de tubos da sé da Guarda. Como membro da “Comissão diocesana para a instalação do órgão da sé”, na qualidade de organista e perito em organologia, fui ler o artigo do DN para ver o que lá se dizia sobre o assunto.
Fui ler! A cada linha que ia lendo a minha estupefação não parava de aumentar.
Em primeiro lugar surpreendeu-me que fosse o Presidente da Câmara a fazer o anúncio de uma candidatura (urgente) para a construção do órgão da sé, e não uma fonte da Diocese da Guarda, pois que a iniciativa sempre foi da Diocese da Guarda (cabido e paróquia) e não da Câmara ou da DRCC (Direcção Regional da Cultura do Centro).
Depois, dizia-se no artigo que a Diocese e a DRCC desistiram da ideia de construir um órgão novo na Sé e que tinham optado pela “reconstrução do original”. E aqui não posso deixar de referir duas inverdades: a primeira é que a comissão instaladora diocesana, presidida pelo deão do cabido da Sé, Cónego Pereira de Matos, nunca emitiu parecer no sentido de desistir do instrumento “novo” que se pretende para a Sé; a segunda inverdade é que se tenha optado pela reconstrução do órgão barroco que existiu no referido templo. Esta segunda afirmação revela uma total ignorância sobre o que é um órgão na sua essência.
Para quem não sabe, o órgão é um instrumento musical que produz o som através do ar que circula através dos tubos, mediante mecanismos e teclas. Assim, do antigo órgão da Sé não restam nenhuns tubos ou mecanismos, pelo que a sua reconstrução sonora é impossível. Então o que é que resta do antigo órgão? Apenas e tão-somente elementos dispersos da “caixa do órgão”, ou seja elementos decorativos. Assim, a solução final que, eventualmente, se venha a concretizar será sempre um instrumento novo, ainda que, eventualmente, envolvido numa caixa que integre os elementos decorativos existentes do anterior órgão.
Contudo, e para além de muitos outros aspectos que aqui ficam (por agora) silenciados, como organista e membro da “Comissão Diocesana do órgão da Sé” devo dizer o seguinte: a iniciativa do projecto de aquisição do órgão de tubos para a Sé foi sempre da Diocese da Guarda, com dois propósitos em mente: primeiro e principalmente o serviço da divina liturgia e depois o serviço cultural à cidade da Guarda. Sendo este o ponto de partida, creio que é justo e honesto que seja a Diocese, através da referida comissão e de outros peritos no assunto, a desenhar a fisionomia sonora do órgão que servirá a liturgia da catedral, bem como o propósito cultural. Assim, o órgão que, eventualmente, venha a ser construído para a catedral da Guarda terá de obedecer aos seguintes critérios: ser apto para servir as exigências da música litúrgica contemporânea, nos seus diferentes estilos, e um instrumento apto para a execução do rico e variado reportório musical para órgão, do passado e do presente, com possibilidades de futuro. Para tal, é fundamental que o futuro instrumento contenha algumas características sonoras dos órgãos ibéricos, em referência ao anterior órgão, e que contenha timbres característicos do órgão sinfónico europeu. Por isto, e outras razões, um órgão que não tenha, pelo menos, 40 registos sonoros e que não tenha 3 teclados e pedal não serve adequadamente a liturgia da Igreja nem o propósito cultural musical à cidade mais alta de Portugal. A Sé catedral da Guarda e os guardenses merecem um bom órgão onde possam, eventualmente, coexistir os elementos decorativos do passado e os elementos modernos da sonoridade instrumental. A pressão que a DRCC está a fazer sobre a Diocese, no sentido de baixar esta fasquia para a construção do novo órgão, só poderá desembocar num péssimo instrumento que não serve nenhum dos propósitos assinalados.
Para terminar, devo dizer que também não entendo a razão desta urgência toda da candidatura sem que tenha havido um prévio diálogo franco e honesto entre a DRCC (directora e técnicos) e a Comissão Diocesana sobre os aspectos técnicos do órgão de tubos.
Espero que a iniciativa da Diocese da Guarda de construir um instrumento digno e apto para o louvor de Deus na sua catedral, não se venha a transformar num “instrumento” político para louvor de alguém, com prejuízo para a Diocese e para a cidade da Guarda.
José Luís Farinha, organista.