1. Neste domingo da Quaresma damos o segundo dos 7 passos que nos hão conduzir até à Páscoa.
Juntamente com o I Domingo da Quaresma, este faz parte da introdução ao tempo santo de 40 dias, especialmente favorável, que nos convida à conversão. Contemplamos hoje o quadro da transfiguração de Jesus diante de Pedro, Tiago e João. Desse modo, Jesus por um lado antecipa a sua condição de ressuscitado e, por outro transmite a estes três discípulos e, por eles, aos outros que não estavam presentes, a mensagem de que toda a nossa vida precisa de estar em permanente renovação para se ajustar cada vez mais ao desígnio de Deus.
Sim, porque o contexto da transfiguração é a dificuldade de os discípulos compreenderem e aceitarem que o caminho do Mestre não é o do triunfo fácil, nem o das expectativas mundanas que estavam na cabeça deles. Pelo contrário, é o caminho do serviço e da entrega até à morte pela causa do Reino de Deus e da salvação das pessoas. De facto, a entrega por essa grande causa não se pode desligar da nossa condição de discípulos de Cristo.
2. O ano missionário que estamos a viver, preparatório do especial outubro missionário/2019,desejado e pedido pelo Papa Francisco, convida-nos a todos para assumirmos de forma mais determinada, na Fé e na esperança, esta grande causa.
Como nos lembra a carta pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa sobre a responsabilidade missionária da Igreja publicada em 2010, “a causa missionária deve ser para toda a Igreja a primeira de todas as causas, pois não podemos ficar indiferentes, ao pensar nos milhões de irmãos e irmãs que ignoram ainda o amor de Deus” (Como eu fiz..., 5).
E nós podemos legitimamente acrescentar que também muitos dos nossos ambientes, que já viveram a Fé e conservam ainda muitos dos seus símbolos, esperam que lhes levemos, de novo, a alegria do Evangelho.
Para cumprir esta responsabilidade, as nossas comunidades não podem limitar-se a viver como sempre viveram. Têm de identificar e aceitar o desafio do Espírito Santo para percorrerem novos caminhos mais ajustados à evangelização do nosso mundo. Na realidade, o Espírito actua em cada um de nós e nas nossas comunidades para suscitar e animar constantemente novos movimentos, novas formas eclesiais, novos métodos de viver a Fé e a anunciar. E toda a Sua acção aponta para uma nova primavera na vida da Igreja , feita de esperança e de alegria, contrariando aquele inverno feito de pessimismo que teima em tomar conta de nós de muitas maneiras. Por isso Ele surpreende-nos ao pedir – nos para aceitarmos abandonar estruturas e formas de viver a Fé, assim como tradições, que foram muito boas em outros tempos, mas agora estão desajustadas à realidade actual. Somos desafiados, por isso, a repensar e modificar as formas tradicionais de distribuir entre nós os próprios poderes e as funções ou ministérios.
3. Ora, o esforço que estamos a fazer, com vista à reorganização pastoral da nossa Diocese, obriga-nos ainda mais a dar ouvidos a estes e outros indicadores do Espírito Santo. Mas atenção, de nada serviria mudarmos as estruturas se não mudássemos as mentalidades.
De facto, a transfiguração de Jesus, quadro que nos apresenta a liturgia de hoje, foi um forte abanão na mentalidade daqueles 3 discípulos e, por eles, dos outros, que os aguardavam na planície. Jesus pretendeu conduzi-los para uma nova compreensão das suas vidas, sobretudo para o verdadeiro entendimento da missão que lhes queria confiar. Eles não compreenderam, de imediato e, por isso, o Evangelho de hoje termina dizendo que eles ficaram sem palavras, em silêncio e naqueles dias não disseram nada a ninguém
Também a nós esta Quaresma há-de ajudar-nos a percorrer o caminho da renovação sobretudo das nossas mentalidades, incluindo as das nossas comunidades em que participamos ou mesmo nos estão confiadas. Precisamos de voltar a atenção para o essencial da nossa condição de discípulos de Cristo
E esse essencial concretiza-se na paixão por Cristo e pelo Evangelho e, a partir daí, na urgência de levar o seu anúncio àqueles que ainda não o tiveram ou já se esqueceram dele. De facto, a Evangelização ou anúncio da Boa Nova a todas as pessoas, povos e culturas continua a ser o primeiro e mais importante serviço que a Igreja pode prestar à sociedade e ao nosso mundo.
4. Mas também aqui convém lembrar que ninguém pode dar o que não tem. Se não estivermos entusiasmados com o Evangelho e sua beleza não seremos capazes de o transmitir nem aos nossos vizinhos nem às gerações mais novas nem às gerações futuras. A prioridade é tomarmos verdadeira consciência de que Deus nos amou primeiro e, por isso, é nossa missão dar testemunho credível deste seu amor feito de excessos surpreendentes, que vai para além do razoável, que se revelou e pede que o continuemos a revelar sob a forma de misericórdia sem medida. E se nos deixarmos conduzir pela radicalidade do amor de Deus revelado na pessoa de Jesus, Seu Filho, aparecerão os gestos proféticos de que o mundo precisa e são reveladores de como o encontro com a pessoa de Cristo converte mesmo e transforma mentalidades, não deixando ficar nada igual. Desta forma compreendemos o desafio de Cristo à radicalidade da entrega, quando diz àquele homem que o procurava e pedia orientação – vai, vende tudo, dá aos pobres, vem e segue-me (Mc. 10, 21).
5. Sentimos, assim que a renovação pedida pelo próprio Cristo não permite ficarmos agarrados às comodidades que temos e como as temos, a fazermos o que sempre fizemos, ignorando o que se passa à nossa volta e na vida do mundo, mas somente fixados no nosso conforto pessoal.
Precisamos de nos organizar para cumprir a urgência do anúncio do Evangelho, procurando as formas mais adaptadas ao modo novo de fazer esse anúncio. Uma coisa é certa, as nossas comunidades só se renovarão se forem capazes de olhar menos para si mesmas e assumir a coragem de se abrirem umas às outras e às necessidades do mundo em que nos encontramos. Só assim, responderão ao apelo do Papa Francisco para serem comunidades em saída para as periferias da pobreza e das diferentes necessidades, sabendo nós que a maior das pobrezas é não conhecer e não poder experimentar o amor de Deus.
Sentimos que toda a Igreja e cada uma das nossas comunidades precisam de uma nova comoção, de um verdadeiro abanão para se inquietarem diante das necessidades do mundo e mesmo para garantirem a sua própria sustentabilidade. Urge, por isso, promover em todas elas uma nova mentalidade que as impeça de se instalarem nas suas próprias comodidades, de permanecerem na estagnação e na indiferença, à margem de tantos sofrimentos e tantas carências existentes no mundo. E a principal carência é o afastamento de Deus e do Evangelho.
6. Claro que a mudança de mentalidade não é fácil para nós como não o foi para os discípulos de Cristo, mesmo fazendo a experiência surpreendente da transfiguração. Eles nem acreditavam no que estavam a ver e sobretudo não compreendiam que diante de um quadro tão deslumbrante como aquele tivessem aparecido Moisés e Elias a falar sobre a morte de Jesus. Ignoraram esse indicador e preferiram pedir a Jesus para se instalarem naquele lugar, com três tendas, tal era o deslumbramento, e ignorando tudo o que se pudesse estar a passar no mundo ao qual eram enviados.
E veio a nuvem que os envolveu e lhes deu mais uma importante informação sobre a pessoa do mestre – este é o meu filho amado –e depois ficam novamente sós com Jesus que os convida a desinstalarem-se e a voltarem ao mundo das pessoas que aguarda o serviço do anúncio do Reino.
7. Esta pode ter sido uma grande desilusão para os discípulos, mas pouco a pouco foram compreendendo que o próprio Jesus é a única garantia para manterem viva a sua esperança e a sua motivação de discípulos. Foram cimentando as suas certezas de que Jesus, cuja glória foi antecipada nesta cena do Tabor, é o verdadeiro Salvador e que a nossa Pátria não está aqui, mas, como lembra Paulo, hoje, na carta aos Filipenses, a nossa Pátria está nos Céu, de onde o mesmo Jesus há-de vir, embora tendo de passar, antes, pela morte ignominiosa da Cruz, o que muito lhes custou a aceitar.
E vai-se clarificando também a Fé na Ressurreição e consequente transformação do nosso corpo mortal à semelhança do Seu corpo glorioso. Desta forma também nós, herdeiros da Fé dos Apóstolos, nos sentimos animados a permanecer firmes no Senhor, como lembra o mesmo Paulo.
A terminar lembramos que não estamos sozinhos nesta caminhada de transfiguração e renovação de mentalidades. Muitos nos precederam e hoje acompanham com o seu testemunho de vida, como acontece com a figura de S. Paulo.
E também como Abraão, vivemos a certeza de que a aliança e a companhia de Deus não nos enganam e nunca nos faltam, por mais que a Sua promessa esteja acima das nossas expectativas e a sintamos muito distante da vida que levamos.
Peçamos ao Senhor, neste II Domingo da Quaresma e diante do quadro da Transfiguração, a graça de uma verdadeira conversão e sobretudo a graça de sabermos renovar as nossas mentalidades diante de Cristo e do Evangelho.
17.3.2019
+Manuel R, Felício, Bispo da Guarda