III Domingo da Quaresma
Homilia: a vocação de Moisés e a a nossa vocação
1. A liturgia deste terceiro Domingo da Quaresma propõe-nos o quadro da vocação de Moisés.
Meditamos, por isso, na vocação de Moisés e a partir dela, a interrogamo-nos também sobre a nossa vocação.
E é bom que o façamos ao longo de toda esta Quaresma.
Começamos por reconhecer que Moisés foi um privilegiado entre todos os filhos de Israel do seu tempo.
Se não, vejamos.
Escapou à lei geral do Faraó que mandava matar, lançando-os ao rio, todos os nascidos do sexo masculino das mulheres israelitas.
Foi salvo das águas (daí o nome de Moisés) e adoptado pela filha do Faraó.
Cresceu na corte sumptuosa do Faraó, onde recebeu uma educação esmerada e ganhou estatuto social que o colocou acima da condição comum dos seus compatriotas israelitas.
Mas quando se tratou de escolher entre o êxito que lhe garantia o seu estatuto de protegido do Faró e o compromisso com a defesa do seu povo que gemia escravizado às ordens do mesmo Faraó, corajosamente deixou a corte e todos os privilégio que lhe eram inerentes e entregou-se de alma e coração á defesa do seu povo.
Com esta sua decisão não encontrou apenas apoios e compreensão. Assim, depois de ter defendido um dos seus companheiros que estava a ser agredido por um egípcio e quando se preparava para fazer as pazes entre dois israelitas que brigavam um contra o outro, a sua intervenção foi recusada e teve de fugir para o deserto.
O que parecia castigo transformou-se em oportunidade, pois, foi no deserto que ele fez a experiência que mudou para sempre a sua vida.
Encontrou-se com Deus, que começou por se lhe apresentar como sendo o Deus dos Pais, Abraão, Isaac e Jacob; depois, revelou- lhe o seu nome – “Eu sou aquele que sou” –mas sobretudo deu- lhe uma missão. Não foi uma missão fácil, pois lhe pedia para regressar ao Egipto, de novo ao meio do seu Povo que continuava escravizado e fazer diligências para convencer o próprio Faraó a libertá-lo e a deixá-lo sair a caminho da terra que o mesmo Deus havia prometido aos seus pais.
Moisés ainda argumentou, desculpando-se perante Deus, com as suas limitações, sobretudo a reduzida capacidade de falar para convencer o Faraó, mas o mesmo Deus garantiu- lhe que seu irmão o ajudaria, com a arte da palavra.
Baseado na promessa e confiado na ajuda de Deus, que o enviava, partiu para o cumprimento da Missão que lhe era entregue e constituiu a sua verdadeira vocação.
Não foi fácil cumprir a missão e viver a sua vocação.
Porque o Faraó não queria dispensar os trabalhos forçados e rendosos do povo de Israel, com os quais tinha construído cidades e cultivado os campos férteis das margens do Nilo.
Porque foi difícil convencer o próprio povo que já se tinha acomodado à própria vida de escravidão e temia as incertezas da viagem para essa terra prometida, mas nunca vista e que só na Fé podia aceitar.
Todavia, conseguiu convencer primeiro o Faraó e depois Povo a partir.
E os sinais de Deus não se fizeram esperar.
O principal foi a passagem do Mar Vermelho, com as águas a dividirem-se para deixar passar todo o povo e depois a juntarem-se para barrarem a passagem aso seus inimigos e perseguidores.
Depois vieram muitos outros em resposta às muitas dificuldades que foram surgindo.
Umas vezes, porque faltava a comida e lá lhes vem o maná descido do Céu; outras vezes porque morriam à sede e lhes faz brotar a água do rochedo; outras vezes são os numerosos perigos do deserto, como as serpentes venenosas.
Em todas estas e outras situações sempre aparece Deus com os seus sinais a dizer a todo o Povo que está presente e o acompanha.
Mas a tentação de voltar para trás continuou e lá estava sempre Moisés, com a garantia que Deus lhe dava de que a missão mesmo espinhosa era para levar até ao fim.
2. De facto, na vocação de Moisés, vemos espalhada a vocação de cada um de nós.
Assim, sentimos que temos uma vida que nos é dada de graça e com muitos bens que, em nada não dependeram de nós, como não dependeu de Moisés o seu estatuto de protegido do Faraó.
No percurso da vida chegou certamente o momento de tomarmos a nossa decisão fundamental que chamamos vocação.
Ora, Moisés recusou o êxito e escolheu o serviço ao seu povo; mas o certo é que essa escolha, sendo sua, aparece, de facto, como resposta ao próprio Deus que o convida para uma importante missão, no quadro da experiência do encontro que o livro do êxodo nos relata.
Também cada um de nós só na experiência forte do encontro com Deus pode decidir bem a sua vocação.
E ao decidi-la precisamos de ter sempre presente o exemplo da pessoa de Jesus.
Ele que, sendo rico, fez-se pobre para ir ao encontro de todos e recuperá-los para a dignidade de filhos de Deus, o que constitui a sua verdadeira riqueza. Escolheu o caminho de entregar a sua vida até à morte, e morte na cruz, para que todos tenham vida e a tenham em abundância.
Este é, de facto, o estatuto de todos os discípulos de Cristo, que estão configurados com ele pelo Baptismo.
E de baptismo também nos fala hoje I carta aso Coríntios. De facto, os Pais da Antiga Aliança receberam todos o Baptismo de Moisés. Receberam de Deus, através de Moisés, os benefícios da comida e da bebida, com água saído desse tal rochedo espiritual que o mesmo Paulo identifica com o próprio Cristo. Mas com as suas múltiplas infidelidades, desagradaram a Deus e, por isso, sofreram castigo. Estes são exemplo do que hoje não devemos fazer.
3. Ora, a Quaresma é tempo especialmente favorável para fazermos revisão de vida sobre a missão que nos está confiada e sobretudo para tomarmos a decisão firme de voltar para o Senhor, que sempre nos aguarda de braços abertos. Por sua vez, o Sacramento da Confissão ou da Reconciliação é o caminho privilegiado que o mesmo Cristo nos oferece para fazermos a experiência feliz do regresso a Deus.
De facto só o arrependimento sincero nos impede, como lembra o Evangelho, de passarmos pela sorte que tiveram aqueles israelitas cujo sangue foi derramado por Pilatos ou então aqueles que morreram no desastre da torre de Siloé.
Mas a nossa maior preocupação desta Quaresma terá de ser a de fazermos o teste sobre a figueira que nós somos, isto é se somos árvore que dá bons frutos ou maus frutos ou nenhuns.
Se a árvore que nós somos não dá bons frutos ou se é estéril, de duas uma ou se trata para vir a dar bons frutos ou se arranca.
Nós queremos aproveitar este tempo santo da Quaresma para tratarmos convenientemente as nossas vidas e as vidas dos outros e assim podermos vir a dar os frutos que são supostos na vida dos verdadeiros discípulos de Cristo.
Só assim cumpriremos a nossa vocação, como Moisés cumpriu a sua.
4. Vivendo a Quaresma em ano missionário, queremos também aproveitar este tempo, que é tempo especial de salvação, para rever a responsabilidade missionária, quer a de cada um de nós enquanto discípulos de Cristo quer a das nossas comunidades que o Senhor convida incessantemente para saírem ao encontro de outras comunidades e das variadas situações que precisam da presença do Evangelho.
E convém recordar que ser missionário é estar preocupado com o anúncio do Evangelho e a transmissão da Fé, em todo o tempo e lugar.
Por isso, a Igreja enquanto tal precisa de saber colocar a sua primeira preocupação na transmissão da Fé, o que envolve o primeiro anúncio do Evangelho em muitos ambientes ou então o reavivar da memória com novo anúncio, para além do serviço devido às comunidades de onde recebemos a mesma Fé.
Viver a missão significa também para estas nossas comunidades fortalecerem cada vez mais a comunhão com as outras comunidades quer as de tradição mais antiga quer as de criação mais recente. Isto porque, por vontade do próprio Cristo, cada uma das Igrejas leva em si mesma a obrigação da solicitude pro todas as outras Igrejas.
E na medida em que as Igrejas se responsabilizam umas pelas outras – as de tradição mais antiga por aquelas novas Igrejas que ajudaram a criar; e estas por aquelas das quais receberam o primeiro anúncio – surgirá espontaneamente a cooperação missionária das Igreja entre si. Uma vezes são as mais antigas que continuam a ajudar as mais jovens; outras vezes são estas que retribuem pelo bem recebido da primeira evangelização, enviando evangelizadores para ajudarem a despertar de novo a Fé em muitos ambientes onde ela se apagou ou esmoreceu
O Senhor pede-nos para sermos criativos na procura dos caminhos para darmos cumprimento a esta obrigação da cooperação missionária. E para isso, criámos recentemente o nosso Centro Missionário Diocesano, com a finalidade de ajudar toda a Diocese a despertar cada vez mais para esta sua responsabilidade. Contamos com uma história notável no desempenho da responsabilidade missionária, pois foram muitos os que partiram da nossa Diocese para outras Dioceses como sacerdotes e integram hoje diferentes presbitérios ou então partiram ligados a diferentes institutos missionários e congregações religiosas.
Rezemos para que também o exemplo deles nos ajude a despertar as vocações sacerdotais e missionárias de que continuamos a necessitar.
24.3.2019
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda