IV Domingo da Quaresma - A alegria do reencontro com Deus
1. Estamos no coração da Quaresma.
E celebramos hoje um domingo especial, tradicionalmente chamado o domingo da alegria, pois anuncia a proximidade da alegria pascal de Cristo ressuscitado.
A Liturgia de hoje é dominada pelo quadro da parábola do Filho Pródigo, que também alguns chamam do Pecador Arrependido.
E é sobre essa parábola que queremos agora centrar a nossa atenção.
2. O contexto desta parábola, como refere o Evangelho de S. Lucas que acabámos de escutar, é a crítica que os fariseus e os escribas fazem ao acolhimento dispensado por Jesus aos publicanos e pecadores que se aproximavam dele para o ouvir.
Já noutro contexto parecido Jesus tinha argumentado que não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes.
Agora relata uma parábola, também considerada a parábola da misericórdia por excelência, onde aparecem 3 figuras principais, todas cheias de simbolismo, a saber: o filho mais novo, que, de facto, representa os publicanos e pecadores; o Pai, que representa o próprio Deus revelado na pessoa de Seu Filho Jesus; e o filho mais velho, que nos remete para os fariseus e escribas muito convencidos do seu valor e da força do cumprimento esmerado das leis.
Vejamos agora o que se passa com cada um destes personagens e a lição que cada um deles representa para nós hoje.
E começamos pelo Filho mais novo, que resolve abandonar a casa do Pai, levando consigo a herança e deixando para trás a memória do mesmo Pai, que de facto como que morre para ele. E passa a esbanjar todos os seus bens, na satisfação de prazeres e caprichos. Passou a viver como se o mais importante na vida seja cumprir as fantasias de um bem estar material sem limites; a viver uma vida dissoluta.
Mas o tempo da fantasia terminou, como era espectável e veio a hora da provação. Ficou na penúria e agora não tem para comer. Mais ainda sua dignidade ficou abaixo dos animais, que ele guardava, sem lhe ser permitido comer o alimento que eles comiam.
E é nesta hora de provação que a sua memória começa a reavivar-se e lembra-se dos trabalhadores de seu pai, a quem não falta comida e outras condições que ele não tem.
À memória segue-se a decisão de regressar à casa paterna e começa a arquitectar um discurso capaz de convencer o Pai a dar-lhe o necessário perdão. E vai dizendo para si – “Pai pequei contra o céu e para contigo. Já não sou digno de me chamar teu Filho. Trata-me como um dos teus trabalhadores”.
E pôs-se a caminho, de regresso a casa. Ainda ele estava longe quando o Pai saiu ao seu encontro de braços abertos para o receber em festa. Este filho ainda começou a fazer o discurso ensaiado de pedir perdão, mas não o conseguiu acabar, porque a festa de facto começou.
O Pai sempre esperou o regresso do filho. Sofreu, é certo, com a sua partida e não escondeu que esse sofrimento tinha de ser compensado com a exuberância da festa. Mandou, por isso, matar o vitelo gordo, colocar o anel no dedo do filho mais novo e vesti-lo com o melhor que havia e convidou os amigos
Por sua vez o filho mais velho que estava no campo e ao regressar foi surpreendido pela festa, sentiu-se melindrado com o tratamento dado ao irmão. Nele está representada a autossuficiência e o legalismo dos escribas e fariseus. Não quis entrar no festim. E logo o Pai se apressou a ir ao seu encontro.
Não deixam de nos impressionar as palavras deste filho mais velho. Argumentou com o seu bom comportamento, em contraste com o mau comportamento do irmão; criticou o pai por esbanjar com o seu irmão e nunca ter tido semelhante atitude para com ele.
A resposta do pai nãos se enquadra, é certo, nos parâmetros da justiça tal como os nosso tribunais a entendem, mas ajusta-se ao coração misericordioso de um pai que não olha a meios para recuperar o filho perdido. De facto este filho estava perdido e foi encontrado, estava morto e voltou à vida – palavras que ele dirigiu ao filho mais velho. A vida tem de ser celebrada, mas este não quis entender tais argumentos. Os seus argumentos eram outros; centrados no bom comportamento e nos direitos daí derivados; e no facto de nunca ter tido da parte do pai semelhante atitude de generosidade, pois nem sequer um cabrito para comer com os amigos algum dia lhe tinha oferecido.
E não queria entrar.
Foi, de facto, o Pai que veio cá fora, instar com ele para entrar na festa.
A passagem bíblica não diz se de facto o filho mais velho aceitou ou não o convite para entrar.
O certo, porém, é que a abundância do amor de misericórdia de um pai feliz pelo regresso de seu filho não podia ser travada pelo orgulho farisaico daquele filho mais velho.
3. De facto, a alegria da Páscoa é hoje antecipada pela celebração da misericórdia divina sem limites que esta passagem bíblica representa.
S. Paulo lembra-nos hoje também que quem está em Cristo é uma nova criatura, porque nele tudo foi renovado e essa é a única fonte da verdadeira alegria.
Isso não quer dizer que a renovação em Cristo de todos os baptizados esteja, de facto, já e por inteiro conseguida. O próprio Paulo reconhece que o processo de reconciliação não chegou ao seu fim. Por isso, nos lembra que é necessário continuar o ministério da reconciliação com o objectivo de, em Cristo, nos tornarmos plenamente justiça de Deus.
4. Ora, nós estamos no coração da Quaresma; e de uma quaresma vivida em ano missionário.
Neste tempo especialmente favorável para acolhermos a salvação e também para mergulharmos na nossa identidade de discípulos de Cristo, somos convidados a avivar a consciência do mandato que dele recebemos para anunciar ao mundo o Evangelho. De facto, o batismo fez de nós discípulos missionários, independentemente do lugar em que vivemos a nossa condição de cristãos.
E como tal, desejamos também aproveitar eta Quaresma para responder, da melhor maneira possível, às quatro interpelações que o Papa Francisco nos faz para prepararmos e vivermos o próximo outubro missionário.
Assim, a primeira interpelação é para nos convencermos que o ponto de partida para qualquer acto missionário é a experiência do encontro pessoal com Cristo que está vivo na sua Igreja, na Eucaristia, na Sua Palavra e também na oração tanto pessoal como comunitária.
A segunda é para darmos atenção às grandes testemunhas da missão – santos, mártires, confessores da Fé. E são muitos os que partiram e também os que entre eles selaram com o martírio a sua entrega à causa missionária. Da nossa Diocese também partiu grande número ao longo dos tempos e ainda nas últimas décadas.
Pede-nos ainda para aproveitarmos todas as oportunidades de formação que nos são oferecidas – formação bíblica, catequética, espiritual e doutrinal. E a razão é que ninguém dá o que não tem,
Por último, convida-nos a praticar a caridade missionária, que implica dar ajuda material para trabalhos de evangelização e de formação cristã nas Igrejas mais necessitadas.
Este é de facto um programa de vida e ação missionária que desejamos levar o mais possível à prática com a motivação que nos vem desta quaresma vivida em ano missionário.
31.3.2019
+Manuel R. Felício, B. da Guarda