Quinta-Feira Santa- 2019
Comemoração da Última Ceia do Senhor
Irmãs e irmãos:
Comemoramos hoje a Última Ceia de Jesus com os seus discípulos mais próximos.
Nela Instituiu a Eucaristia e conferiu aos apóstolos poder para a repetir até ao fim dos tempos, com o mandato - “Fazei isto em memória de mim”. Entregou-lhes também o seu testamento com o mandamento do amor simbolizado no gesto do Lava-pés.
Jesus reúne-se com os seus mais diretos colaboradores para cumprir a tradição da festa anual da Ceia Pascal judaica, que fazia memória do acontecimento do Êxodo. Essa ceia festiva tinha no centro o cordeiro pascal, com cujo sangue eram aspergidas as ombreiras das portas para recordar aquele sinal da primeira páscoa que libertou da morte os primogénitos israelitas, contrariamente ao que aconteceu aos outros.
De facto, encontramos aqui símbolos claramente aplicáveis à Pessoa de Jesus. Ele é o verdadeiro Cordeiro pascal, cujo sangue derramado na cruz é para nós libertação, redenção. Está, assim, simbolizada aquela nova libertação que Jesus, com a sua entrega até à morte e morte de cruz, ofereceu a toda a humanidade.
A Ceia Pascal que Jesus celebrou com os seus discípulos mais próximos também teve o cordeiro pascal, à moda judaica, imolado na tarde daquele dia, mas esse coerdeiro foi substituído pelo Pão e pelo Vinho, conforme descreve Paulo na carta aos Coríntios. Assim, sobre o pão Jesus acrescenta às bênçãos tradicionais as palavras novas que ficaram na memória dos presentes, quando disse – “Isto é o meu corpo entregue por vós”; e sobre o vinho – “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue, que será derramado por vós. Fazei isto em memória de mim”. E vem depois a explicação – “Todas as vezes que fizerdes isto anunciareis a morte do Senhor até que ele venha”.
Temos, assim, o testemunho da primeira comunidade cristã, da Igreja primitiva, sobre o significado da morte redentora de Jesus na cruz, que, através da Eucaristia, chega até nós na sua recordação e nos seus efeitos salvadores. Esta morte foi, de facto, o único sacrifício redentor para toda a humanidade, que se actualiza em cada Eucaristia celebrada. Por isso, também chamamos à Eucaristia sacrifício, pois ela faz memória da entrega de Cristo até à morte para salvação de todos.
Junta-se-lhe o mandato de Cristo aos apóstolos, que estavam com ele, quando lhes diz – “Fazei isto em memória de mim”. Nestas palavras a Igreja sempre entendeu que estava instituído o Ministério Sacerdotal, confiado imediatamente aos doze e depois aos seus sucessores pela imposição de mãos. Por isso, nesta noite santa, também louvamos o Senhor pelo dom do Ministério Sacerdotal à Sua Igreja, conferido àqueles que ele escolheu e hoje continua a escolher para presidirem á Eucaristia e aos outros sacramentos; para presidirem às comunidades e orientarem os fiéis na caminhada da Fé.
Como já disse, esta manhã, aos sacerdotes do nosso Presbitério, na Missa Crismal, sentimos, com alguma apreensão, que hoje não temos o número de sacerdotes que já tivemos há alguns anos atrás. E que, por isso, muitas das tarefas que eles desempenhavam, embora podendo ser desempenhadas por outros fiéis, não lhas podemos continuar a pedir.
Este facto tem para nós várias consequências.
Uma delas é a necessidade de reforçarmos a nossa oração pelas vocações sacerdotais, pedindo ao Senhor da Messe que mande operários para a sua messe.
Outra é que, no acompanhamento que fazemos dos nossos adolescentes e jovens, lhes lembremos a obrigação de se colocarem a possibilidade de serem chamados pelo Senhor ao exercício deste Ministério.
Outra ainda é que precisamos de nos convencer e convencer as nossas comunidades de que temos de nos habituar à ideia de vivermos com menos padres. E este convencimento é tanto mais difícil quanto temos na nossa memória um passado relativamente recente em que praticamente cada paróquia tinha o seu pároco. E isso foi um grande bem, sem dúvida, sobretudo pela grande proximidade do sacerdote aos seus fiéis, sendo frequentemente considerado como alguém quase da família. Não podemos todavia deixar de dizer que esse facto levou também a que as comunidades se julgassem autosuficientes e vivessem muito separadas das outras comunidades vizinhas e que igualmente muitas funções que podiam e deviam ser realizadas por leigos fossem monopolizadas pelos sacerdotes.
Tenhamos em conta ainda que os nossos meios, longe de verem aumentar as suas populações, estão a vê-las diminuir de dia para dia. Por isso, ficamos incomodados só a pensar que possa haver uma assembleia dominical com apenas 4 ou 5 participantes.
Acrescentamos ainda que certos serviços de atendimento das pessoa, de informação e de tratamento de documentação têm vantagem em ser centralizados. O mesmo se diga de acções de formação quer de catequese quer de preparação e acompanhamento dos ministérios laicais. Por isso, hoje também é dia para pedirmos ao Senhor que nos inspire na obrigação de definirmos bem os novos caminhos do serviço dos nossos padres.
Uma coisa é certa e dela temos de tomar clara consciência – a diminuição do número de sacerdotes que se tem verificado nos últimos tempos obriga-nos a uma corajosa mudança das mentalidades, sobretudo procurando os novas e melhores formas de conjugar bem o Ministério Sacerdotal com os outros ministérios laicais, que, por graça de Deus, têm aumentado nos últimos tempos.
E nesta mudança de mentalidades inclui-se também o que prioritariamente devemos pedir aos sacerdotes, ou seja que, na fidelidade à genuína tradição da Igreja ajudem aos fiéis a percorrer caminhos de autêntica fidelidade espiritual a Cristo e ao Evangelho. E nos processos de acompanhamento os ajudem a escutar a Palavra de Deus e a transformarem-na em gestos e palavras seus que sejam louvor de Deus e serviço dos irmãos.
Irmãs e irmãos
“Precisam-se amigos e lavadores de pés”. Este é o título de um livro recentemente publicado que li e que nos remete para o Mistério que celebramos nesta noite de Quinta-Feira Santa.
Rezai por nós sacerdotes para sermos capazes de compreender e interpretar bem nos tempos de hoje o mandato de Cristo aos seus discípulos simbolizado no gesto do lava-pés.
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda