Sexta-Feira Santa 2019
Irmãs e irmãos:
Estamos a viver mais uma Sexta-Feira Santa e a celebrar a Paixão e Morte de Jesus. Reunidos na nossa catedral, escutámos o relato da Paixão no Evangelho e mais duas tentativas para lhe dar explicação, uma vinda da carta aos Hebreus e outra do Profeta Isaías.
Centremos a nossa atenção predominantemente no relato da Paixão.
Jesus, no Jardim das Oliveiras, entrega-se livremente aos que vêm para o prender. “A quem procurais” - perguntou Jesus, por duas vezes; responderam-lhe - “a Jesus de Nazaré”. E à primeira, caíram por terra. Dão, assim, oportunidade a Jesus de se entregar sem resistência e em plena liberdade, recomendando tão só que deixem partir em paz os seus discípulos.
No Tribunal do Sinédrio – primeiro diante de Anás e depois diante de Caifás – não aparece nenhuma acusação consistente contra ele. E mesmo o soldado que lhe bateu ficou sem palavras, quando Jesus o interpelou – “Se falei mal, diz-me em quê; se falei bem, porque me bates?”.
No tribunal civil, Pilatos reconhece e declara formalmente por três vezes a inocência de Jesus – “Não encontro neste homem culpa alguma”. E convencido da sua inocência procurava formas de o libertar. Mas, perante a ameaça – “Se o libertares não és amigo de César” – a defesa dos seus interesses pessoais falou mais alto do que a inocência de Jesus e, por isso, entregou-o para ser crucificado.
Então Jesus, injustiçado por dois tribunais, sujeito aos insultos primeiro da guarda pretoriana e depois da multidão manipulada pelos chefes dos judeus, carregou com a cruz a caminho do Calvário.
Do que se passou no alto do Calvário permaneceu na memória dos discípulos sobretudo a entrega de Maria a João como sua mãe, as últimas palavras de Jesus – “Tudo está consumado” e o lado de Jesus trespassado pela lança, de onde saiu sangue e água. Estes são episódios aos quais regressa de forma recorrente a memória cristã para valorizar a figura de Nossa Senhora, a Senhora das Dores, o significado da morte salvadora de Jesus e o simbolismo da água e do sangue, onde a tradição cristã sempre viu o nascimento da Igreja e dos sacramentos.
A morte de Jesus, segundo o que escutámos na carta aos Hebreus, foi entendida, desde o início da Fé Cristã, como sendo o verdadeiro sacrifício, em que Jesus é, ao mesmo tempo, o sacerdote e a vítima. Enquanto sacerdote, Jesus por um lado está
junto do Pai, intercedendo por nós; por outro lado, partilha a nossa condição humana, com suas limitações e fraquezas. E aqui está a grande razão da nossa confiança, enquanto aprendemos com a obediência de Jesus no sofrimento a dar verdadeiro sentido também ao nosso sofrimento e à própria morte.
Por sua vez, a leitura do Profeta Isaías sobre a figura do servo procura responder a algumas perguntas que naturalmente se colocam perante o sofrimento do inocente. Diz-nos o profeta que o inocente sofre por causa das nossas culpas, das nossas iniquidades. Aceitando o sofrimento sem resistência, ele carrega com as nossas faltas e suas consequências. Qual cordeiro pascal, oferece a sua vida como sacrifício de expiação pelas nossas iniquidades e intercede pelos pecadores.
Tanto esta passagem bíblica do Profeta Isaías como a carta aos Hebreus fazem-nos pensar na Paixão e Morte de Cristo, como sendo um sacrifício, mas diferente dos sacrifícios conhecidos, em que se ofereciam a Deus coisas e animais. E Eram ofertas ou para tentar apaziguar a sua ira contra a maldade dos homens ou para tentar suborná-lo, comprando as suas graças com as coisas que lhe eram oferecidas, como se Deus precisasse do que quer que seja que nós lhe possamos oferecer.
O certo, porém é que nada disto, nenhum destes sacrifícios agradam a Deis e por isso o sacrifício da Nova Aliança, o único que lhe agrada, aboliu, de uma vez para sempre, os antigos sacrifícios.
Ao dizer-nos que a Misericórdia substitui todos os sacrifícios antigos e ao aceitar como único sacrifício a entrega de Seu Filho até à morte pela salvação do mundo, o próprio Deus diz-nos o que deseja de todos nós. E os seu desejo é que, como o fez Jesus, o façamos nós também, entregando cada um de nós a sua vida pelas grandes causas e sobretudo pela causa número um, ou seja, para que o amor anunciado por Cristo reine, de verdade, nas relações humanas.
E para que tal aconteça a cada um de nós é pedido que faça diariamente a escolha entre viver para si mesmo, o que o Papa Francisco chama de autocentralidade ou de autoreferencialidade e viver a atitude de auto-entrega pelos outros e pelo bem, comum, como o fez Jesus.
Diante da Cruz de cristo, que vamos adorar nesta celebração, queremos que a nossa escolha seja a mesma de Jesus, mesmo que isso não coincida com os nossos interesses mais imediatos.
Estamos em ano missionário, preparando o especial Outubro Missionário/2019 e somos convidados a revisitar os exemplos de homens e mulheres que entregaram a sua vida à missão e muitos até ao martírio.
Lembro, a terminar esta nossa meditação diante da Cruz de Cristo, um caso que se passou, não muito longe de nós, no nosso Distrito, embora fora da nossa Diocese.
Idalina Gomes era uma advogada d sucesso.
Resolveu fechar o seu escritório, em Aguiar da Beira, para partir em missão ligada ao movimento “Leigos para o desenvolvimento”.
E foi para Moçambique.
No dia 6 de novembro de 2006, a missão onde residia foi assaltada e ela assassinada , o que também aconteceu a um outro sacerdote da mesma missão.
Em cartas que escreveu para familiares e amigos dizia da sua grande felicidade por poder servir os mais abandonados, à maneira de Jesus.
Que este gesto também nos ajude a seguir mais de perto o Senhor Jesus que deu a sua vida por nós.
19.4.2019
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda