Em tempos de crise
A força do perdão e da reconciliação
De repente tudo mudou com a crise instalada no mundo e agora o seu epicentro na Europa.
Somos convidados a permanecer o máximo de tempo em casa para evitar contactos.
Regressamos ao ambiente das nossas famílias, com a sugestão do trabalho em casa ou do teletrabalho.
Os lugares públicos fecham ou passam a ter acesso condicionado.
A ameaça do vírus está, de facto, a modificar os nossos hábitos.
Ora, a pedagogia da Quaresma, que estamos a viver, propõe-nos que façamos paragens; paragens para pensar e reorganizar a nossa vida pessoal e de relações.
De facto o mais importante para todos é, antes de mais uma consciência feliz e são depois as boas relações, a começar pelas relações em família, mas também com os amigos, as relações de trabalho e sobretudo as nossas relações com Deus.
Repensar assim a nossa vida faz-nos entrar por caminhos de reconciliação e de perdão, o que envolve começar por algum exame de consciência.
De facto, o mal quando praticado e, pior ainda, quando se instala nos nossos hábitos, faz muitos estragos. Sobretudo estraga as relações.
Daí a necessidade do perdão das dívidas. Dívidas que contraímos para com os outros ou que outros contraíram para connosco.
A reconciliação, que envolve o repor as boas relações, é grande meta das nossas vidas e merece o envolvimento de todos.
Já o perdão exige mais do que boas vontades, pois envolve por um lado o não querer o mal daquele que praticou a ofensa, mas, por outro, pede esforço para procurar que a justiça se cumpra, com a restituição da dívida, o que envolve desfazer os estragos, na medida do possível.
Em todo este processo, conta principalmente a atitude pessoal da misericórdia, que nos vem recomendada no diálogo do Apóstolo S. Pedro com o Mestre. Estando em causa o perdão, Pedro entendida generosidade excessiva perdoar até sete vezes. Porém, a resposta de Jesus é desconcertante, ao dizer-lhe até setenta vezes sete, isto é sempre.
De facto, pelo bem comum da sociedade e pelo bem de todas e cada uma das pessoas somos convidados a fazer tudo, mesmo que tal implique renúncias pessoais elevadas.
A quarentena mais ou menos rigorosa que estamos a viver também nos pode ajudar a repensar a nossa vida e a descobrir caminhos novos de bem-estar pessoal e comunitário.
Convidamos cada família a envolver-se, como tal, neste processo.
Isto sem deixarmos de levar a sério as contingências que a crise instalada no mundo global e também entre nós nos estão a impor.
Por isso, e conscientes das nossas limitações, associemo-nos à oração que os Bispos da Europa nos propõem:
Deus Pai, criador do mundo, omnipotente e misericordioso
que por nosso amor enviaste o Teu Filho ao mundo
como médico dos corpos e das almas,
olha para os Teus filhos
que, neste momento difícil
de desorientação e consternação,
em muitas regiões da Europa e do mundo,
se voltam para Ti
em busca de força, salvação e alívio.
17.3.2020
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda