Em tempos de crise - Crescer na responsabilidade pessoal e social

Em tempos de crise - Crescer na responsabilidade pessoal e social

 

Vivemos hoje uma sexta-feira da Quaresma.

Todas as sextas-feiras, mas particularmente as da Quaresma lem­bram a morte daquele Homem que entregou a sua vida, mor­rendo numa cruz, para bem de toda a Humanidade.

Por isso, nestes dias, voltamos a nossa atenção para a cruz de Cristo,  de onde vem o mais forte apelo à reconciliação das pessoas, das ins­tituições e dos próprios povos entre si e com Deus.

O apelo do Papa Francisco é para reforçarmos a nossa concentração no valor de reconciliação que nos vem da Cruz de Cristo, durante os di­as de hoje e amanhã, em que ele nos recomenda as “24 horas para o Senhor”.

Não vivemos estas 24 horas como em anos anteriores, devido à emer­gên­cia que nos é imposta pela pandemia, mas queremos aproveitá-las para fortalecer em nós mesmos a vontade da reconciliação, abrin­do-nos à misericórdia de Deus que não tem limites.

 

Pensando na reconciliação, não podemos fugir ao facto de vivermos num  mundo de conflitos e de que grande parte da nossa vida diária é ocupada com a gestão de conflitos variados. Ora, diz o Papa Francis­co, na exortação apostólica Evangelii Gaudium, que “o conflito não pode ser ignorado ou dissimulado... mas, continua, se ficarmos encur­rala­dos nele, perdemos a perspectiva, os horizontes reduzem-se” (E.G., nº226).

Na gestão dos conflitos, que são diários e provocados quer por nós quer por outros, precisamos de saber evitar dois extremos – fazer como se eles não existissem ou ficarmos prisioneiros deles, perdendo a esperança de progredir para um futuro novo e diferente. Mas há uma terceira ati­tu­de que é a mais adequada e recomendável, a qual consiste em enfrentar o conflito, procurar resolvê-lo, com a máxima participação dos implicados, em ordem a transformá-lo em novo processo para aproximar as pessoas e colocá-las na cooperação.

Aqui começa a construção da verdadeira paz, cujo novo nome é de­sen­volvimento assente na máxima cooperação das pessoas. E entra­mos pelos desejados caminhos da comunhão e do encontro entre as pessoas e os grupos, valorizando, o mais possível, as suas diferenças e sobretudo as suas distintas competências.

 

Parece que, com esta reflexão, estamos a afastar-nos do assunto da nossa responsabilidade pessoal e social, no combate ao inimigo co­mum em que todos estamos envol­vidos. Mas não é verdade.

De facto, a nossa responsabilidade pessoal começa por nos proteger­mos e defendermos a nós mesmos. Mas não chega. Temos de ir mais longe, sabendo conjugar esforços para, no exercício da responsabili­da­de social, encontrarmos formas organizadas de lutar contra ele.

Uns fazem-no na linha da frente, nos hospitais e outros lugares de apoio aos doentes, outros, garantindo a segurança ou analisando per­manentemente o evoluir da situação para darem as orientações que, no momento, se impõem. Outros estão mais na retaguarda, mas sobre cada um de nós impende a responsabilidade social de dar o seu con­tributo para que a guerra seja vencida. E esse contributo pode ir, se as circunstâncias o exigirem,  até ao ponto de arriscar  algo da sua saúde e até a própria vida para que o Bem comum não sofra ou possa sofrer menos. Os mais vulneráveis têm de ter a prioridade nas nos­sas preocupações e iniciativas.

Estamos a viver tempos em que são testados os nossos limites e forte­men­te reveladas as nossas dependências. Queiramos ou não, somos seres muito limitados e altamente dependentes, em tudo. Também temos a responsabilidade de gerir bem estas nossas limitações e de­pen­dências, nomeadamente aquelas que nos vêm da rede comum em que estamos envolvidos, procurando completá-las com as diferenças e competências de outros.

Nós os padres e todas as instituições da Igreja, em rede com outras congéneres, queremos estar em permanente vigilância, sempre con­tac­táveis e dispostos a  colaborar, mais na retaguarda ou mais na linha da frente, conforme as circunstâncias do momento, mas sempre disponíveis para darmos ajuda certa às pessoas no momento certo. E uma das primeiras ajudas que nos são pedidas é cumprirmos e ajudarmos a cumprir as regras inerentes ao estado de emergência nacional que estamos a viver.

Nesta hora especialmente difícil merecem os nosso especial apreço os profissionais de saúde, a quem prestamos homenagem, eles que estão na linha da frente a darem o melhor de si mesmos para o bem de todos nós.

Entre hoje e amanhã, ao cumprirmos, desta vez individualmente e, por exemplo, com a celebração da Via-Sacra, a proposta feita pelo Pa­pa Francisco das “24 horas para o Senhor”, pedimos para eles uma especial bênção de Deus.

 

20.3.2020

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda