Em tempos de crise (7) - Cuidar a fragilidade para chegar à paz social

Em tempos de crise (7) - Cuidar a fragilidade para chegar à paz social

 

Consideremos a seguinte passagem bíblica.

Jesus passa junta a uma piscina terapêutica, que tem à sua volta um grande número de  enfermos – cegos, coxos, paralíticos -  os quais ali vão procurar a cura para as suas doenças.

Também hoje, entre nós,  está de regresso a  procura da terapia das águas, com o termalismo.

Ora, entre todos esses doentes, um deles estava sozinho, com sinais de abandono e a queixar-se de que não tinha ninguém que o ajudasse a descer às águas para tentar a cura.

Jesus fixa a sua atenção nesta fragilidade especial, aproxima-se e oferece-lhe os cuidados necessários para que se dê a desejada cura (ver Jo. 5, 1-16).

 

Diz o Papa Francisco, a propósito dos cuidados que nos exigem as fragilidades, o seguinte: “Somos chamados a  cuidar dos mais frágeis na terra; isto apesar de que, no modelo “de êxito” e “individualista” em vigor, não faz sentido investir para que os lentos, os fracos  ou os menos dotados possam também singrar na vida” (Exortação apostólica Ev. Gaudium, 209).

Ora, acontece que a situação de pandemia que estamos a viver mostra como, de facto, os fortes ficam equiparados aos fracos. E nas fragilidades quer de uns quer de outros, temos de saber concentrar os nossos cuidados e desenvolver os nossos esforços para estarmos incondicionalmente a seu lado, mesmo que isso envolva algum prejuízo pessoal.

São esses os que mais precisam e a eles se referiu ontem também o Presidente da Organização Mundial de Saúde, ao dizer que está ao nosso alcance vencer a pandemia, mas para isso temos de cuidar dos mais frágeis.

Isto quer dizer que para além das situações particulares, sempre diferenciadas, partilhamos todos uma fragilidade de fundo, que podemos definir como pobreza estruturante das nossas pessoas. Essa pobreza ou carência diz-nos que estamos em dependência permanente. Somos seres carentes que só com a  cooperação e ajuda externa de outros podemos singrar na vida. Isto é verdade, embora muitas vezes verdade esquecida;  mas na atual conjuntura, temos de a lembrar e levar muito a sério.

Ora, quando sabemos assumir essa pobreza estruturante, com humildade e determinação, transformando-a em verdadeira pobreza de espírito, ficamos muito mais capazes de enfrentar dificuldades, como a do coronavírus,  combater injustiças ou desigualdades gritantes e mesmo agressões à natureza.

De facto, a pobreza que partilhamos é um incentivo para  nos abrir­mos à complementaridade uns dos outros rumo ao ansiado futuro novo para todos.

E desse futuro novo faz parte a desejada paz social necessária para que a vida tenha sentido.

Em relação com este assunto, o Secretário Geral da ONU veio, ontem,  a público fazer apelo a todos os envolvidos em conflitos de guerra pa­ra deporem as armas e, assim, todas as energias poderem ser canali­za­das para, de imediato, comba­termos o inimigo comum e depois continuarmos rumo à me­ta da verdadeira paz.

Já há muito tempo que, no mundo, é sabido que a paz não é apenas ausência de guerra e que o seu verdadeiro nome é desenvolvimento. Por sua vez, esse verdadeiro desenvolvi­mento tem de ser muito mais do que uma questão de os cifrões, pois está em causa, antes de tudo, desencadear um processo  que envolva a todos, sendo cada um valo­ri­zado nas suas capacidades e competências, contribuindo, assim, pa­ra chegar à meta de bem-estar completo que todos igualmente desse­jam.

A terminar, pedimos a bênção de Deus para que, na consciência assu­mida da nossa pobreza de fundo e na complementaridade das nossas muitas competências e boas vontades possamos comprometer-nos a sério não só na luta conta este inimigo comum – o coronavírus – mas também e sobretudo na procura da necessária paz social,

 

24.3.2020

 

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda