Em tempos de crise (8)- Ler bem os sinais dos tempos
Numa passagem bíblica do Profeta Isaías, 7, 10-14, aparece-nos a figura do Rei Acaz, a passar por momentos de grande aflição. Tinha perdido uma guerra e agora via-se sozinho, diante do inimigo, sem aliados que quisessem ajudá-lo a defender-se e ao seu povo. Numa hora de angústia como esta, é-lhe proposto um sinal vindo de Deus, que lhe oferece uma nova esperança, mas ele não o quis aceitar, tal era o seu estado de sofrimento e desânimo.
Nós estamos também a passar por momentos de muito sofrimento, a nível global e mesmo alguma consternação por causa da pandemia que nos afeta e o número de mortos que não pára de crescer; e tudo isto sem conhecermos todos os contornos da situação difícil que nos vai trazer o futuro imediato.
Também para nós, como o foi para o Rei Acaz, este é o tempo em que nos são enviados sinais para interpretarmos bem a situação atual e podermos ir definindo os contornos da situação futura. São os sinais dos tempos que estão à nossa frente, exigindo de todos nós que saibamos interpretá-los e dispormo-nos para os levar a sério.
A esse propósito, atendamos à grande prioridade que o Papa Francisco propõe para a organização da vida em sociedade, nos seguintes termos :”A dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que deviam estruturar toda política económica, mas às vezes, parecem somente apêndices adicionados de fora para completar o discurso político, sem perspetivas nem programas de verdadeiro desenvolvimento integral” (Exortação Apostólica Evangelii Gaudiun, nº203).
Tem-se ouvido dizer que a nossa vida em sociedade não voltará a ser a mesma, depois desta pandemia que esperamos não demore muito tempo a ser ultrapassada.
E sobre isso, os sinais que nos estão a ser enviados pelo evoluir da situação são muito claros.
Assim, não podemos ter medo de introduzir ética nos mercados, não apenas nos mercados globais, mas também nos locais, pois há muitos produtos de qualidade, nos nossos meios, que estão proibidos de ser comercializados. E no que aos mercados globais diz respeito, estão à vista os estragos que eles criam, porque entregues a forças cegas e inteiramente desreguladas.
Importa a todos nós que cresça a solidariedade global entre os países e as suas economias, o que, devemos reconhecê-lo, já está a ter alguns indicadores positivos.
Com certeza que defender as empresas e os postos de trabalho, quanto possível criando-lhes as almofadas financeiras necessárias, é importante para as pessoas em geral, nos momentos difíceis que estamos a atravessar. Mas, ao mesmo tempo, não podemos esquecer os seus trabalhadores, muitos dos quais começam a ficar em casa por causa da pandemia, e alguns sem receberem o salário. Há que garantir-lhes condições de sobrevivência, nem que para isso se peça algum sacrifício de solidariedade aos funcionários públicos, que, em princípio, têm garantidas as suas entradas.
Uma palavra de estímulo nos merecem os empresários, sobretudo das pequenas e médias empresas, que constituem a grande percentagem no tecido da produção do nosso país. É desejável que lhes possam ser criadas as condições necessárias para continuarem a cumprir a nobre missão de servirem o bem comum com o seu esforço por multiplicar e colocar os bens deste mundo mais ao alcance de todos, com a desejada equidade.
Neste dia em que celebramos a Solenidade da Anunciação, em que somos convidados a acompanhar a consagração de Portugal ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria, a partir de Fátima, às 18H30, pela comunicação social, pedimos a proteção maternal de Maria Santíssima particularmente para aqueles que, investidos em autoridade, sobretudo política, têm a responsabilidade de definir as melhores medidas para a gestão imediata da crise, sem esquecer o depois da crise.
25.3.2020
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda