Em tempos de crise (11) - A oração do Papa Francisco na Praça de S. Pedro deserta

Em tempos de crise (11) - A oração do Papa Francisco na Praça de S. Pedro deserta

 

Ontem, sexta-feira da Quaresma, o Papa Francisco apareceu sozinho, a percorrer a Praça de S. Pedro deserta e a presidir a uma oração por toda a Humanidade, que sofre por causa da pandemia.

Através da televisão e outras redes de comunicação via-se um altar de reduzidas dimensões, um ambão, uma chama e, ao lado, estava o ícono de Maria “Salus Populi Romani”, que se venera na Basílica de Santa Maria Maior e o crucifixo milagroso que se venera na Igreja de S. Marcelo al Corso e que, segundo a tradição, pôs fim à peste de 1522.

Desta vez, a deslocação do Papa pela Praça de S. Pedro não foi em “Papamobile”, como habitualmente, com as pessoas e a multidão para saudar. Foi uma deslocação a pé, sozinho, simplesmente ajudado por um outro eclesiástico.

Com este tempo de oração e meditação sobre a passagem bíblica da tempestade que quase faz afundar o barco (Marcos 4, 35-41), a mensagem do Papa tocou aspetos básicos da nossa responsabilidade, perante a vida no mundo e da sociedade, que têm infelizmente vindo a ser descurados.

 

Assim, é uma verdade indiscutível e que agora estamos a palpar, em cada minuto que passa, nesta situação de emergência, que só juntos poderemos superar a crise. Estamos, de facto, no mesmo barco e agora apercebemo-nos disso mesmo – todos frágeis e desorientados, mas todos importantes e chamados a remar juntos para chegarmos a porto de salvação.

A nossa vulnerabilidade está à vista, assim com o as falsas seguranças sobre as quais temos vindo a construir os nossos programas, os nosso projetos, os nosso hábitos e priorida­des.

E o que se impõe, de imediato, é ativar a solidariedade para fazermos despertar a esperança em todos e assim sermos capazes  de dar o nosso melhor para descobrir a verdadeira mensagem que nos transmite esta hora de crise em que tudo parece naufragar.

O Papa fez um forte apelo ao exame de consciência de todos os cidadãos, nos seguintes  termos, diante de Deus:

“Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertá­mos face às guerras e injustiças planetárias e não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançámos destemidos pensando que continuaríamos sempre com saúde, num mundo doente. Agora, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-te – Acorda, Senhor”.

 

Esta é, de facto, a hora para todos descobrirmos e levarmos a sério a nossa condição de pertença a uma família comum e de recusarmos a  avidez do lucro, como se daí dependesse todo o nosso bem-estar.

Por isso, este é o tempo de decidir o que conta e o que não conta, de separar o necessário do supérfluo; é o tempo de reajustar a rota da nossa vida pessoal e também com efeitos nas opções das comunidades, incluindo os países e suas políticas.

 

E quase a terminar a sua intervenção, o Papa lembrou e elogiou o comportamento exemplar de muitas pessoas que têm dado o melhor de si mesmas, incluindo com sacrifício da própria vida, para serviço dos outros, durante a pandemia- E entre outras enumerou:

“Pessoas comuns (habitualmente esquecidas) que não aparecem nas manchetes dos jornais nem nas grandes passarelas do último espetáculo.... Médicos, enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal de limpeza, curadores e transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosos e religiosas e muitos outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho”.

E no meio do isolamento que, imposto pela pandemia, nos faz sofrer, com a limitação dos afetos, como é o caso das expressões dos sentimentos mais nobres, por ocasião dos funerais, a proibição de encontros e a falta de tantas coisas que estamos a experimentar e provavelmente se vai agravar, o Papa termina, fazendo, de novo, o anúncio que nos salva – “Ele Ressuscitou”.

Continuemos também nós a nossa oração pessoal e, na medida do possível, em família, por todos os que mais sofrem, sobretudo os infetados e também por aqueles que já partiram, vítimas da pandemia e também por aqueles que previsivelmente serão novas vítimas.

E todos nós desejamos acolher aquela especial bênção denominada “Urbi et Orbi”, que o Papa ontem, sozinho diante da Praça d S. Pedro deserta, destinou a todas pessoas que habitam o nosso orbe terrestre.

 

28.3.2020

 

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda