Em tempos de crise (18) - Reconhecemos a nossa fragilidade

Em tempos de crise (18) - Reconhecemos a nossa fragilidade

 

Somos todos muito limitados, dependentes e frágeis.

O sentido e a tentação do poder, por vezes cegam-nos e não nos deixam ver e levar a sério esta nossa condição.

Graças a Deus que temos muitas capacidades as quais, se e quando bem conjugadas, fazem maravilhas, como também podem gerar o contrário.

A crise fez-nos parar, mandou-nos para casa, tirou-nos liberdade para muitas coisas que faziam parte dos nos hábitos diários e estamos à espera, à mercê de muitas condicionantes que não dependem de nós.

É certo que também em circunstâncias de crise, com efeitos de grandes sofrimentos e de mortes como a desta pandemia, o engenho humano se apurou e foi capaz de criar soluções novas. E nós esperamos que isso também aconteça, desta vez, e que possamos legar à história novas formas de combater inimigos invisíveis como este do coronavírus.

Uma coisa começa a ser consensual: qualquer que seja o desfecho da atual crise, que nos mantém condicionados e com constrangimentos considerados inaceitáveis até há bem pouco tempo, no nosso mundo nada ficará igual.

E a nós pertence conjugar as nossas fragilidades e potencialidades para definir o perfil desse mundo novo que desejamos venha a suceder-lhe.

 

Convido, agora, a colocar as nossas fragilidades tão  claramente reveladas nesta crise em paralelo com a figura bíblica do Servo de Deus apresentada pelo Profeta Isaías 42, 1-6.

Aparentemente é figura de alguém incapaz, humilde e pobre e que nem sequer reage diante das diabruras que outros lhe fazem. Escolheu o caminho da não violência e, contra tudo e contra todos, insiste em propor caminhos de justiça, que o comum dos mortais não aceita. Também passa pela tentação do desânimo e queixa-se de não ver resultados. Mas, de repente, chega-lhe a boa notícia – “Tu és a luz das nações”.

Também nós desejamos que esta situação difícil e transversal a todos os seres humanos do planeta traga a toda a Humanidade uma nova luz. Luz com a qual juntos possamos definir, o melhor possível, o perfil da sociedade nova que há-de suceder a esta situação desconfortável que a todos nos atinge.

Para isso hão-de servir estes dias de Semana Santa e de Páscoa, que nos apresentam a figura de um homem que voluntariamente se despojou de todo o poder, tomou a condição dos mais humildes e deu a sua vida pelo bem de todos.

O Papa Francisco faz o seguinte apelo para estarmos juntos na contemplação da Figura de Cristo nestes dias, procurando dele tirar lições para nossa vida pessoal e comunitária. E fá-lo nos seguintes termos:

“Vamos unir-nos espiritualmente aos doentes e às suas famílias e àqueles que os tratam com abnegação; rezemos pelos mortos, à luz da Fé Pascal. Todos estão presentes no nosso coração, na nossa memória, na nossa oração”.

 

De facto o ponto por onde é preciso começar para definir esse mundo novo é o esforço conjunto para gerar dinamismos de proximidade e desfazer barreiras entre nós e, assim, juntos partilharmos alegrias e tristezas e sabermos aproveitar e conjugar bem as capacidades de todos.

Que a Páscoa nos ajude a seguir por estes caminhos.

 

7.4.2020

 

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda