Em tempos de crise (19)  - O Bem comum sempre acima dos bens particulares

Em tempos de crise (19)  - O Bem comum sempre acima dos bens particulares

 

Ao mesmo tempo que a pandemia continua a alastrar pelo mundo inteiro, multiplicam-se os esforços dos cientistas e dos laboratórios para encontrar o remédio eficaz para lhe impor o desejado fim.

Entretanto, tem havido manobras para que alguns, através do dinheiro, possam ganhar o monopólio desse bem essencial para toda a Humanidade. Felizmente que a consciência ética de muitos dos intervenientes neste complexo processo não se tem deixado comprar. É necessário levar a sério, e sobretudo nestes tempos difíceis, o princípio elementar de que o Bem Comum tem de estar sempre acima dos bens particulares. Isto quer dizer que qualquer bem só cumpre  a sua função se for bem para todos.

Estamos gratos a tantas pessoas que têm demonstrado estarem dispostas a recusar interesses e mesmo a sacrificar a sua vida pelo bem de todos.

 

Vivemos uma semana especial, a Semana Santa e, dentro dela, o Tríduo Pascal, em que celebramos a vida de um  Homem que só teve um propósito na sua vida – servir a todos sem excepção, porque, como afirmou, veio para servir e não para ser servido. Para cumprir este propósito, que o levou à morte na cruz, teve de vencer muitas resistências  e as mais gravosas foram as vindas dos seus mais diretos colaboradores. Entre elas esteve a traição de um amigo que, com um beijo, o entregou aos seus adversários para ser levado á morte. Foi Judas, que, ao fim e ao cabo, nem sequer pôde usar os aviltantes 30 dinheiros, pois o remorso não lho permitiu (ver Evangelho de S. Mateus, 26, 14-25). Mas esse Homem, Jesus, contra todas as oposições, levou o seu propósito até ao fim.

 

Hoje, o mesmo princípio – o princípio de que o Bem comum está cima dos bens particulares – continua a ser decisivo para termos uma vida social equilibrada e saudável.

Isto não significa que, entre esses todos, alguns não precisem de cuidados especiais, como são os doentes e os idosos. Portanto, dentro do Bem comum temos de incluir especial atenção aos idosos. Nos nossos meios, muitos deles encontram-se em lares ou residências seniores, sujeitos a perigos específicos, porque estão obrigados a estar próximos uns dos outros, não têm tantas resistências e, para cumprirem as determinações necessárias do estado de emergência, ficam ainda mais fragilizados, por não poderem contactar com familiares e amigos. Além disso, porque dependentes, em elevado grau,  de quem os trata, se estes ficam doentes, é preciso recorrer a outros que se disponham a prestar esse serviço. Saudamos, por isso, algumas iniciativas que tentam preparar respostas, com o recrutamento e preparação próxima de pessoas a isso dispostas, para satisfazer estas necessidade e vindas de instituições variadas, como é o caso da Cruz Vermelha e agora também do Serviço Nacional da Proteção Civil.

 

Estas e outras iniciativas hão lembrar-nos a todos que os mais idosos têm de continuar a fazer parte das nossas preocupações e constituir mesmo prioridade para os serviços de saúde e para as autoridades públicas. Não há pessoas descartáveis, mesmo que já estejam fora das linhas de produção.

A este propósito, do Vaticano vêm-nos recomendações que pedem maior atenção aos idosos, nestes tempos de pandemia e lembram que a solidão também mata. Diz o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida que os mais velhos estão a pagar preço elevado por causa da pandemia. E acrescenta: “A concentração no mesmo local de tantas pessoas frágeis e a dificuldade de encontrar os dispositivos de proteção criam situações difíceis, apesar da abnegação e mesmo do sacrifício da equipa dedicada à assistência”.

 

De facto, em tempos difíceis como estes, todos temos de estar dispostos a ajudar, mesmo correndo riscos inevitáveis. Isto é colaborar na construção do Bem comum, que tem de estar sempre acima dos bens particulares.

 

8.4.2020

 

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda