Em tempos de pandemia (20) - Os mistérios de Quinta-Feira Santa

Em tempos de pandemia (20) - Os mistérios de Quinta-Feira Santa

 

A nossa vida é marcada por muitas realidades que não são visíveis, pelo menos a olho nu e muito menos totalmente compreensíveis.

E que há realidades dessas, que chamamos mistérios, muito marcantes da nossa existência pessoal e comunitária, mas que escapam, pelo menos na sua integralidade, ao nosso controlo até a atual crise da pandemia no-lo está demonstrar. E o pior é que, quando as pessoas, nos seus hábitos e comportamentos, não lhes sabem dar a devida atenção, temos de esperar maus resultados, mesmo parecendo que o fluir dos acontecimentos é o mais ajustado aos interesses imediatos, pelo menos de alguns.

Ora, entre as realidades mais determinantes da nossa vida pessoal e coletiva está a relação do Homem com a Natureza e também o equilíbrio e bom encaminhamento da vida em sociedade.

A propósito destas duas realidades, em entrevista dada, no dia de ontem e publicada, pelo menos, no jornal inglês “The Tablet”, o Papa Francisco diz duas coisas a que precisamos de dar a  devida atenção. Uma delas é que a pandemia está a pôr em evidência a difícil relação entre o Homem e a Natureza e cita, a propósito, o ditado popular bem nosso conhecido, nos seguintes termos – “Deus perdoa sempre, o Homem, às vezes e  a natureza, nunca”. Outra é que a pandemia também denuncia a hipocrisia de alguns líderes políticos que pretendem sacrificar tudo à economia, incluindo pessoas consideradas descartáveis.

 

Nesta Quinta-Feira Santa, a Igreja celebra três mistérios, que são a Eucaristia, o Ministério Sacerdotal e o Mandamento do Amor. A Eucaristia é a expressão mais acabada da comunhão dos discípulos reunidos com o Mestre, motivando-se para a Missão. O Ministério Sacerdotal é o poder transformado em serviço, segundo o modelo do Bom Pastor. O Mandamento do Amor é a nova lei da relação que subsitui a lei de talião e o princípio do interesse pelos da comunhão e do acolhimen­to a todos.

Nestes mistérios, que dão referências determinantes também para a vida comunitária da própria sociedade como tal, vemos a generalizada sede de comunhão e cooperação transversal a todos os seres humanos, vemos a necessidade de lideranças que saibam servir bem as sociedades, assim como o imperioso dever de substituir  conflito e todas as formas de violência pela reconciliação e as boas relações, mesmo que imediatamente tragam alguns custos para os hábitos instalados.

 

O quadro bíblico do Lava-Pés (ver Evangelho de João 13, 1-15), que caracteriza, em grande medida, o dia de hoje, pode ser inspirador para a nossa vida social e política, a começar por formas inovadoras de autoridade-serviço e também das muitas mudanças necessárias, na vida das pessoas em geral e nos sistemas reguladores das suas relações, para que o bem de todos esteja sempre à frente dos interesses particu­la­res.

 

9-4-2020

 

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda