Em tempos de pandemia (22) - Saber cuidar mais e melhor

Em tempos de pandemia (22) - Saber cuidar mais e melhor

 

Os tempos difíceis de pandemia que estamos a viver colocam-nos mais diretamente diante da necessidade de aperfeiçoarmos as formas de cuidarmos uns dos outros.

É certo que os cuidados clínicos de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, esses têm de estar na linha da frente. E, por isso, nunca é demais reconhecer e agradecer a sua dedicação e  prestar-lhes a nossa homenagem. Mas a arte de cuidarmos uns dos outros temos sempre de a saber aperfeiçoar e  estes tempos especiais são oportunidade privilegiada para ver como podemos progredir nesta atenção.

O Papa Francisco, para sublinhar a obrigatoriedade de cuidarmos uns dos outros em todas as circunstâncias e particularmente em circunstâncias excepcionais, como aquelas que estamos a viver, fala na cultura do encontro conta a cultura do descarte, ou seja do “usar e deitar fora”.

Este contraste entre a atitude do cuidar e a do abandonar expressou-a o Papa desde o início do seu Pontificado. Assim, logo numa primeira entrevista que lhe fez o jornalista Spadaro, no mesmo ano da sua eleição (2013), a proposta da cultura do encontro foi fortemente sublinhada.

E o verdadeiro encontro dá-se quando cada um manifesta inteira disponibilidade e faz esforço para  conhecer o outro na sua real situação de vida e se dispõe para ajudar, na medida das suas possibilidades (ver Osservatore Romano, ed. Portuguesa, nº 39, 29 de setembro de 2013). Foi também nesta mesma entrevista que o Papa, pela primeira vez, manifestou o sonho de ver toda a Igreja a transformar-se num verdadeiro hospital de campanha para ir ao encontro das milhentas feridas que atingem a humanidade, particularmente nas pessoas dos mais frágeis e abandonados nas periferias.

Por sua vez, em abril do ano seguinte, numa comunicação dirigida ao movimento italiano Pró-Vida, usou a expressão “cultura do deitar fora (descarte)”, que caracteriza infelizmente muitos dos hábitos instalados em procedimentos muito comuns na atualidade. É como se as pessoas não tivessem valor em si mesmas, mas apenas valessem pelo que produzem e pelos benefícios materiais que podem proporcionar-nos. E quando isso não acontece, a tentação é abandoná-las para deixarem de ser peso.

 

Estes tempos de crise hão-de ajudar-nos a promover, mais e mais, a cultura e a experiência do encontro com todos, a começar por aqueles que imediatamente mais precisam da nossa ajuda, mesmo que isso nos obrigue a correr riscos.

 

Neste tempo de Páscoa, sobre a importância de sabermos recusar a cultura do descarte e alinharmos cada vez mais e melhor na cultura do encontro, convido a visitar a passagem bíblica dos Actos dos Apóstolos 3,1-10. Pedro e João vão ao Templo e encontram aquele homem coxo que, sentado à porta, lhes pede esmola. Eles param, olham para ele e atendem-no não tanto quanto ao pedido imediato de uma esmola para matar a fome, mas respondendo à sua necessidade de fundo, que era recuperar a capacidade de andar para fazer vida nova. E deste encontro resultou não apenas a alegria de viver para ele, mas também para muita gente que estava no Tempo e para os próprios apóstolos, no cumprimento da missão que lhes fora confiada.

 

Que esta Páscoa a todos nos ajude a progredir na cultura do encontro e a recusar a cultura do descarte, isto é,  tentação de excluir quem quer que seja da nossa vontade e disponibilidade para cuidar.

 

16.4.2020

 

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda