Em tempos de pandemia (23) - Aperfeiçoar a cultura do encontro

Em tempos de pandemia (23) - Aperfeiçoar a cultura do encontro

 

Hoje mesmo chega-nos a notícia esperada de que vamos conti­nu­ar em isolamento até novas ordens. Mas respeitar o isolamento não si­gni­fica cortarmos relações. Antes, pelo contrário, esta pode ser opor­­tunidade para  revermos e aprofundarmos as nossas relações, inte­­gran­do-as numa verdadeira cultura do encontro, que deve ser a nos­­sa respiração natural.

Hoje vamos buscar a opinião de um cientista americano chamado Jonathan Haidt, investigador na área da Psicologia Social e professor de Liderança Ética na Stern Business School da Universi­da­de de Nova York. Aos 56 anos de idade, fruto da sua investigação e da experiência de professor universitário, dentro do contexto da pan­de­mia que nos continua a afetar, chama a atenção para aspetos da nossa vida pessoal e social a que vale a pena dar atenção.

Assim, lembra-nos que, vivendo nós para sermos felizes,  a feli­ci­dade não vem de termos o que queremos, nem apenas de dentro de nós mesmos. Somos felizes por termos relações certas entre nós, en­tre nós e a nossa atividade (trabalho) e entre nós e algo superior a nós. Ter estes três fatores satisfeitos é estarmos felizes quanto pode­mos ser.         

O egoísmo tem de dar lugar à cooperação. A sua investigação científica diz que o cérebro humano tem tendência para se unir aos outros cérebros também humanos, sobretudo em situação de ataque exterior. E neste momento, embora o inimigo seja invisível (o vírus), o ataque é real. Reconhecemos, é certo, que há o perigo de, em vez da coope­ra­ção, se gerar a tendência contrária, neste tempo de pandemia – o nojo ou medo de contagio. Todavia, os factos estão a demonstrar que só juntos, em atuação concertada, podemos vencer o inimigo.

Reconhece que não podemos ser ingénuos face às tentações do egoísmo, que geralmente surgem em momentos de crise como esta. Sobretudo quanto ao açambarcamento de alimentos e medicamentos, além de formas de tráfico clandestino e mercado negro, temos de es­tar de sobreaviso. Todavia, continua a ser verdade que estamos todos no mesmo barco,

Por outro lado, o isolamento físico, a que estamos obrigados, não pode arrastar consigo o isolamento social. Por isso, temos de sa­ber aumentar, ainda mais, nestas circunstâncias, a nossa proximi­dade social, usando principalmente os contactos áudio e vídeo, até fazem­do-nos presentes por estes meios a amigos que já não vemos há anos ou estando vigilantes sobre possíveis necessidades de outras pessoas mais ou menos vizinhas de cada um de nós

A cultura do encontro e da cooperação precisamos todos de a re­forçar, neste tempo de isolamento, quer ele dure muito ou pouco. O ci­­entista lembra que, em grande medida, o sucesso da espécie humana no planeta terra foi e continua a ser a cooperação. Por isso, quando os humanos decidem cooperar há sempre grandes benefícios daí resultantes, o que se espera venha a sair reforçado des­ta crise, à escala global, com as dimensões do planeta. Não igno­ra­mos, todavia, a onda de nacionalismos e populismos que estão a remar contra esta tendência, mas esperamos que não tenham sucesso.

Convida-nos a aproveitar este tempo de isolamento para fa­zermos a nossa auditoria pessoal, diante das seguintes pautas:

1.Pensem como vão as vossas relações sociais e de trabalho;

2.Mantenham-se o mais possível em contracto, especialmente por vídeo e voz;

3.Aproveite cada um para pensar o que pode fazer de provei­toso em casa, mesmo em tempos normais.

4.Aproveite também para arrumar e organizar o seu lar e a sua vi­da pessoal.

Este cientista participou, há um ano, nas conferências interna­ci­­onais denominadas TED (tecnology, entertainment, design) promo­vidas pela fundação americana SAPLING e chama a atenção para um as­sunto muito preocupante, que é o bioterrorismo. E sublinha prin­cipalmente o facto de as modernas tecnologias colocarem ao alcance de cada  um a capacidade de manipular os códigos genéticos para pro­­du­zir as bactérias que quiser e que poderão vir a ser ainda mais le­tais do que o vírus desta pandemia. É uma nova responsa­bilidade para as lideranças mundiais mas também para cada um de nós cida­dãos.

Continuamos empenhados em desenvolver a genuína cultura do encontro  que, quando verdadeiro, é portador de surpresa e novi­dade, como o foi o encontro dos discípulos com o Mestre de novo vi­vo, acontecimento que celebramos na Páscoa (ver passagem bíblica do Evangelho de João 21, 1-14).

 

17.4.2020

 

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda