Em tempos de pandemia (24) A luz e a esperança da Páscoa
Este ano vivemos uma Páscoa diferente.
E diferente não só por causa da proibição de sair para lugares de destino turístico, durante os cinco dias feriados ligados ao Tríduo Pascal, nem só porque as cautelas nos obrigam a ficar em casa, porventura longe dos amigos e sem podermos reviver momentos de alegria e encontros com os que mais estimamos ou mesmo de partilharmos momentos de dor, como aqueles ligados à partida de algum dos nossos entes queridos.
Esta Páscoa é diferente, porque o mundo, à escala global, também está diferente e a perceber que, a partir de agora, nada ficará exatamente igual.
As grandes concentrações de pessoas certamente que não estarão para breve e, ao recomeçarem, terão de respeitar sempre determinadas cautelas.
A economia mundial vai ressentir-se e já se adivinha recessão em larga escala que a todos certamente nos atingirá. E a Europa, em particular, começa a perceber que a vitória da economia sobre as novas condicionantes que a pandemia introduziu e que não vão terminar com os cliques habituais, exigirá um renovado compromisso dos 27, obrigando a maior partilha de dificuldades e recursos.
O mundo global também está a perceber - pelo menos atendendo às intervenções dos líderes mundiais – que a distribuição de recursos e a definição de prioridades têm de introduzir substanciais mudanças, o que obrigará as pessoas em geral a converterem-se a objetivos comuns centrados no essencial da vida das pessoas e a recusarem supérfluos.
Há pelo menos dois escândalos que precisam de ser eliminados e de imediato – desigualdade flagrante entre a riqueza volumosa de poucos e a pobreza extrema de muitos; o respeito pela natureza com seus recursos, que são limitados, mas, se bem geridos, dão para todos.
E indicadores de boas intenções para enfrentar e resolver estes dois problemas não faltam.
Assim, o primeiro dos oito objetivos do milénio atual estabelecidos pela cimeira das Nações Unidas, no ano 2000, era, até 2015, e cito, “erradicar a pobreza extrema e a fome”.
Como não foi possível cumprir este objetivo nos prazos definidos inicialmente, a mesma Organização das Nações Unidas marcou outra data – 2030 – para, e cito igualmente, “erradicação da pobreza em todas as suas formas e em todos os lugares”. Acrescenta ainda que “a grande prioridade do desenvolvimento sustentável deve ser os mais pobres e vulneráveis: ninguém será deixado para trás”.
Por sua vez, o respeito pela natureza teve e tem no “Acordo de Paris”, realizado no final de 2015, uma referência incontornável, com a recomendação de medidas necessárias para conter o aumento da temperatura global em níveis de sustentabilidade. O certo é que este acordo não está a ser por inteiro respeitado, mesmo por países que o assinaram. Todavia, o seu cumprimento continua a revelar-se absolutamente necessário para termos futuro. Acrescente-se ainda que as recomendações do “Acordo de Paris” foram, em muito, antecipadas na encíclica do Papa Francisco, Laudato Si, publicada meio ano antes.
Portanto, indicações e orientações não nos faltam para que o mundo novo que aí vem, queiramos ou não, possa ser devidamente preparado por nós. E o fenómeno da pandemia pode ter o mérito de nos fazer regressar ao cumprimento de boas agendas como estas, como também de nos obrigar a redefinir as nossas opções.
Neste tempo de Páscoa, a nossa atenção está voltada para a Humanidade Nova inaugurada na Ressurreição de Cristo. Não foi processo fácil e muito menos espontâneo aquele que levou os discípulos a aceitarem o facto de Ressurreição. Não foi, como continua a não ser, processo fácil aceitar que é preciso introduzir mudanças muito radicais na situação atual, e particularmente nos nossos comportamentos, para abrir o horizonte da Humanidade Nova, que no fundo todos desejamos.
Trata-se de uma grande surpresa e novidade que pede conversão de mentalidades, como exigiu a conversão dos discípulos de Cristo (ver passagem bíblica do Evangelho de S. Marcos 16, 9-15).
18.4.2020
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda