Festa do Domingo da Misericórdia

II Domingo da Páscoa

19.4.2020

Festa do Domingo da Misericórdia

 

Encerramos a Oitava da Páscoa, que vivemos como sendo um domingo continuado, para celebrar a alegria da Ressurreição de Cristo. Continuaremos a viver essa mesma alegria, a partir de agora, na chamada Cinquentena Pascal, até ao Pentecostes.

 

Este é também o chamado Domingo da Misericórdia, assim instituído pelo Papa João Paulo II, no ano 2000, com a canonização de Santa Faustina Kowalska, uma religiosa de Cracóvia, que foi considerada apóstola da Misericórdia Divina.

Os pontificados dos Papas João Paulo II e do atual Papa Francisco são ambos muito marcados pela atenção dada à Misericórdia Divina.

O Papa João Paulo II, logo no primeiro ano do seu pontificado, publicou uma encíclica intitulada Deus rico de Misericórdia e no grande Jubileu do ano 2000 presidiu à canonização de Santa Faustina e instituiu a festa que hoje celebramos.

O Papa Francisco decidiu comemorar o cinquentenário do encerramento do Concílio Vaticano II com o especial ano ju­bilar da Misericórdia, que abriu na solenidade da Imaculada Conceição de 2015 e encerrou no final do respetivo ano litúrgico.

Falar de misericórdia é falar no amor infinito de Deus, que se comove diante das muitas misérias humanas, a principal das quais é o pecado. Portanto, sem negar o princípio da justiça, a misericórdia vai muito mais além, completando-a com a abundância do amor, sempre pronto a perdoar e a oferecer às pessoas renovadas razões de esperança, seja qual for a situação de desânimo e de sofrimento em que se encontrem.

 

A Liturgia deste Domingo convida-nos a dar abundantes graças ao Senhor pela sua Misericórdia. Lembra-no-lo, de imediato, o refrão do salmo responsorial, com as palavras “Dai graças ao senhor porque ele é bom; porque é eterena a sua misericórdia”.

De facto, aqueles dois feixes de luz, no ícono de Santa Faustina,  que, de braços abertos, Jesus dirige para toda a humanidade, saem do seu coração aberto, de onde jorra a graça e o amor sem limites. E a propósito, sempre a tradição da Igreja viu no lado aberto de Jesus trespassado pela lança a fonte de onde nasce a Igreja e os sacramentos, instrumentos desta graça e deste amor oferecidos a toda a Humanidade.

E no Evangelho de hoje, Jesus aparece aos seus discípulos com as marcas da Paixão e depois de os saudar, com as palavras “A paz steja convosco”, entrega-lhes o dom do Espírito Santo e, com Ele, o grande instrumento da Misericórdia Divina, que é o poder de absolver os pecados. E para desfazer a incredulidade de de Tomé, volta a mostrar as mãos e o lado abertos como sinais da Sua identidade, mas também do amor sem limites que a sua Paixão representa para toda a Humanidade e que traduz a Misericórdia infinita de Deus.

De facto, naquele primeiro domingo, Tomé não estava no grupo e, por isso, não viu Jesus. Mas a sua incredulidade dá-nos ainda hoje a todos nós  a certeza de como são ainda mais bem-aventurados os que acreditam sem terem visto, no número dos quais nós nos queremos também ver incluídos.

Só a Fé na Ressurreição do Senhor nos pode garantir a verdadeira experiência da Misericórdia e o compromisso com ela pois se trata de reconhecer o amor sem limites de  um Deus que ressuscita Seu Filho e a todos oferece a certeza da mesma Ressurreição, quaisquer que sejam as condições das suas vidas na terra.

 

A Igreja tem por missão ser, no coração da história, o rosto visível da Misericórdia Divina. E querendo interpretar o melhor possível a vontade e os sentimentos de Jesus, sente-se chamada para estar atenta a todos, a começar pelos mais necessitados. E este apelo feito à Igreja está a ser uma das notas mais marcantes do pontificado do Papa Francisco expressa, desde logo, no ano da Misericórdia. Assim, com a bula de abertura deste ano jubilar especial pretendeu motivar toda a Igreja para interpretar os sentimentos do coração aberto do próprio Deus, escancarado como o classifica, a todas as misérias e necessidades da humanidade. Indicando-lhe o caminho de ser como um hospital de campanha, lembra-lhe a obrigação de ir ao encontro de todos. Com a figura dos missionários da misericórdia pretendeu dar especial visibili­dade a este convite. Por sua vez com a carta apostólica  de encerramento – Misericordia et misera – o Papa instituiu o dia mundial dos pobres, para ser celebrado no penúltimo domingo de cada ano litúrgico.

 

Ora, para ser rosto da Misericórdia Divina diante do mundo, a Igreja precisa de revestir-se cada vez mais dos mesmos sentimentos de Cristo e transportá-los para formas de viver que necessariamente marcam a diferença relativamente aos muitos hábitos instalados na vida das pessoas que, muitas vezes, se afastam dos ideias da verdade e do bem de todos.

A passagem dos Atos dos Apóstolos hoje escutada, que podemos considerar o lugar clássico para definir o ideal da vida em Cristo, indica-nos os caminhos do Seu seguimento, aos quais temos de voltar sempre de novo.

Assim, a Igreja e os cristãos de todos os tempos e lugares são chamados a viver continuamente de Cristo e do Seu ensino experimentado e atualizado à volta dos apóstolos e dos seus sucessores.

São convidados a experimentar a novidade de Jesus na celebração dos sacramentos e, em particular, na Eucaristia, do Domingo. Como lembra o Evangelho de hoje, era domingo o dia em que Jesus apareceu aos discípulos e voltou a ser domingo aquele em que lhes apareceu novamente, o oitavo dia, dia do encontro para a celebração da Eucaristia. E na medida em que se vive esta relação com o Mestre, na contínua aprendizagem do seu evangelho, na medida em que se experimenta a comunhão com ele na Eucaristia, aparecem espontaneamente os gestos proféticos a condizer, como aquele de colocar todos os haveres de cada um à disposição de todos, para que todos tenham o suficiente nenhum passe necessidades. A partilha é dos sinais mais claros, hoje como ontem,  por onde passa, na vida das pessoas,  a novidade da Ressurreição de Cristo. Por isso, o apelo a vivermos este valor fundamental na vida da Igreja para serviço da comunidade em geral é-nos hoje fortemente lembrado pela passagem dos atos dos Apóstolos. A resposta que lhe dermos é a grande medida  da novidade de Cristo Ressuscitado nas nossas vidas para a vida do mundo.

 

Olhando agora para o que hoje nos diz a I carta de S. Pedro, que estivemos a ler ao longo desta Oitava da Páscoa, na Liturgia das Horas, sentimos que a força da Ressurreição de Cristo é ela que nos fortalece na certeza daquela herança, que não se corrompe, mas dá sentido à nossa vida no tempo, garantindo-lhe abertura para a eternidade.

A esperança da Ressurreição não elimina as provações, sublinha a passagem bíblica, porque elas fazem parte da nossa existência na terra. E particularmente, neste tempo de pandemia, são muito visíveis para todos nós, que estamos limitados na nossa liberdade de movimentos; são ainda mais visíveis nos que se encontram infetados, fora e dento dos hospitais; e são-no principalmente no sofrimentos dos que enfrentam a morte como no das suas famílias. Lembra-nos ainda esta sua carta que a provação é também oportunidade para fortalecermos a nossa Fé e sobretudo aperfeiçoarmos as atitudes de serviço e esmerada atenção a todos os que precisam.

E é por este caminho que podemos experimentar a bem-aventurança enunciada pelo Senhor Ressuscitado no episó­dio de Tomé e relembrada pelo autor desta carta ao dizer-nos – “Não O vedes e acreditais; sem O terdes visto, O amais”.  Este é, de facto, o verdadeiro caminho da Salvação.

Assim, damos cumprimento ao salmo com o qual o Papa João Paulo II encerrou a primeira festa do Domingo da Divina Misericórdia, no ano 2000, salmo esse  que diz – “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor” (Misericordias Domini in eternum cantabo).

Continuação de Santa Páscoa para todos.

 

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda