Em tempos de pandemia (26) - O valor e a urgência da Partilha

Em tempos de pandemia (26) - O valor e a urgência da Partilha

 

Estes tempos de pandemia já estão a criar dificuldades acres­ci­das na vida das pessoas e particularmente nos mais pobres ou então nos que deixaram de receber o seu salário. Assim, o banco alimentar começa a não ter condições de garantir alimentos a quem habitualmente ali os procurava. As instituições sociais, sobretudo as que lidam com respostas pontuais a necessidades básicas das pessoas, estão a preci­sar da solidariedade reforçada de todos nós.

Estão a surgir necessidades novas em pessoas que deixaram de poder trabalhar, por razões do confinamento e, por isso, não recebem o salário e, mesmo com promessas de que o irão receber num futuro mais eu menos longínquo, o certo é que neste momento começam a não ter o pão de cada dia. Felizmente, há sinais de que a atenção aos vizinhos está a funcionar, como a daquela mãe que acrescenta  diariamente a sua panela para dar alimento à própria família e ter com que socorrer a necessidade do vizinho em frente, fazendo-o com a máxima discrição, quase sempre fora da luz do dia. É que já viu essa pessoa a remexer o caixote do lixo para lá encontrar algo com que possa matar a fome. Não estou a inventar, é caso real que conheço.

Este é quadro da vida das pessoas que não podemos esperar que o governo venha resolver. Tem de valer a nossa soli­dariedade imediata. E na forma como as pessoas se deci­dem a responder a casos concretos como este mede-se também a sua santidade. Sim, é de santidade que se trata, pois ser san­to é pautar a vida pessoal pela pessoa de Jesus que veio para servir e não para ser servido, passou a vida a fazer o bem sem olhar a quem e, nas grandes decisões, pensava sempre mais nos outros que veio para ajudar e não em si mesmo.

Felizmente que temos espalhados pelo nosso mundo e em muitos dos nossos ambientes pessoas que procura interpre­tar este ideal de vida marcada pelo desejo de colocar o bem comum, o bem de todos, acima dos seus interesses pessoais.

São aqueles e aquelas que o Papa Francisco, na exortação apostólica Alegrai-vos e exultai, chama os santos do “ao pé da porta”.

Sobre estes santos do ao pé da porta, escreve: “Gosto de ver a santidade nos pais que criam os seus filhos com tanto amor; nos homens e mulheres que trabalham para trazer o pão para casa...Esta é a santidade do ao pé da porta, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou, por outras palavras, são a classe média da santidade” (nº7).

É nesta classe média da  santidade, no dizer do Papa,  que também eu trabalho para me poder incluir e é nela que temos de procurar resposta imediata para as muitas necessidades, agora acrescidas, que nos estão a bater à porta e previsivelmente em onda de crescimento.

Para todos vale a pena considerar a pauta da solidariedade que constitui o modelo de vida do discípulo de Cristo e que o Livro dos Atos dos Apóstolos apresenta assim: “Os muitos que haviam abraçado a Fé tinham um só coração e uma só alma; e ninguém considerava seu o que lhe pertencia, mas tudo entre eles era comum... Não havia entre eles qualquer necessitado, porque todos os que tinham terrenos ou casas vendiam-nas e traziam o produto da venda que depunham aos pés dos Apóstolos e distribuía-se então a cada um con­for­me a sua necessidade”.

 

21.4.2020

 

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda