Em tempos de crise (29) - Saber sofrer por causas superiores

Em tempos de crise (29) - Saber sofrer por causas superiores

 

Os tempos de pandemia impõem  sofrimentos acrescidos às pessoas. Umas porque estão infetadas e particularmente as que estão hospitalizadas e em cuidados intensivos; outras porque algum dos seus familiares não resistiu ao vírus e fa­le­ceu; outras porque, impedidas da sua habitual mobili­dade, não podem fazer o que desejavam ou entraram em situações de carência que sozinhas não podem resolver.

E o futuro próximo que a todos nos espera não se adivinha de mais facilidades. Pelo menos enquanto não houver remé­dio eficaz para curar ou vacina para prevenir, temos todos de ter consciência de que vivemos em situação de ris­co, em­bora podendo ser controlado.

Assim, mesmo após este período mais rigoroso de confi­na­mento, esperamos continuar com medidas preventivas nos locais de trabalho, nas escolas e lugares que as pessoas esta­vam habituadas a frequentar, como de divertimento e de la­zer, e outros onde se fazia intensa vida social. Ir ao café ou ao restaurante não se fará, nos tempos mais próximos, certa­mente com as facilidades a que estávamos habituados.

Com ou sem uso de máscaras, haverá regras de algum cons­trangimento que continuarão, como sejam o distanciamento físico, lavar as mãos, fazer desinfeção regular, além de que toda a população tem de ser motivada para comportamentos responsáveis desta ou de outra natureza.

Não nos admira que as atuais restrições não cessem de re­pen­te, mas sejam retiradas de forma gradual, intermitente e por diferentes sectores de atividade.

Ainda não temos em Portugal indicadores de que o índice de propagação nos diga que a pandemia entre nós está estancada ou em regressão. E sabemos muito pouco sobre as caraterísticas da imunidade gerada pela exposição ao vírus e também sobre o seu prazo de validade. Isto significa que o risco de propagação, em taxas superiores, quando os contactos voltarem, é imprevisível, mas temos de contar com ele. Também temos de ter em consideração os mais vulne­ráveis – doentes e idosos, sobretudo os que residem nos la­res – para os quais é preciso garantir e pedir medidas de pro­teção especiais.

Não podemos esquecer que estamos perante um vírus novo, com alta capacidade de reprodução e propagação, muito mortal, a que  se acrescenta o facto de não haver remédio para a cura ou vacina para a prevenção.

Esta situação em que nos encontramos e que continuará, sem sabermos até quando, vai exigir de todos uma acrescida capacidade de sacrifício, para encarar, com paciência e a resiliência possível, o sofrimento inerente e  diminuir efeitos nefastos da pandemia  em nós próprios e nos outros.

Apesar de tudo, uma investigadora portuguesa, professora de epidemiologia numa faculdade de medicina da Austrália, Isabel Ferreira, refere que desta epidemia temos uma grande lição a tirar. É que o ser humano e as sociedades são capazes de enorme generosidade no seu comportamento coletivo e, quando confrontados com adversidades, unem-se mais para resistir. Além disso, não é dos interesses individuais e da opinião subjetiva, mas da humanidade como tal que depende o bem mais essencial da nossa existência – a vida.

A propósito, lembramos o Papa Francisco, que, na exortação apostólica Gaudete et exultate recomenda o seguinte como norma de vida com qualidade:  “aguentar, suportar as contrariedades e vicissitudes da vida e também as agressões de outros, suas infidelidades e defeitos” (nº 112),

Foi o que fizeram os apóstolos que, depois de injustamente julgados e castigados, saíram felizes por terem sido ultrajados em nome de Cristo (Atos dos Apóstolos 5, 34-42).

 

24.4.2020

 

+Manuel R. Felício