Em tempos de pandemia - Pela liberdade solidária
Celebramos hoje o 25 de Abril, que é símbolo da liberdade.
Como todos sabemos, a liberdade é ambígua, por si mesma. Quando bem conjugada com a responsabilidade pessoal e seus efeitos na condução da vida em sociedade é um bem sem o qual não pode haver dignidade humana nem exercício dos direitos. Se absolutizada e desligada de compromissos que são inadiáveis, transforma-se em slogan de alienação.
Quando celebramos esta data condicionados pela pandemia, a todos nos faz bem parar diante da maneira como temos exercido este direito e este bem essencial da nossa condição humana e como o temos sabido ou não conjugar com as nossas responsabilidades pessoais, familiares, sociais. A responsabilidade deriva de resposta, a resposta de cada um ao apelo que de fora vem para sermos um ativo no processo de construção da comunidade. Responsabilidade assim entendida pode traduzir-se por vocação, que implica sempre uma dupla vertente – identificação das capacidades pessoais e juízo sobre a forma como as colocamos ou não ao serviço dos outros e da comunidade.
O Secretário Geral das Nações Unidas, Engº António Guterrez, em mensagem dirigida à nação portuguesa, a propósito da efeméride que hoje comemoramos, diz que “o 25 de Abril representou a abertura de uma nova oportunidade para Portugal e para os portugueses” e acrescenta como importante bem ligado a esta data “a possibilidade de participação cívica e de convivência democrática num Estado de Direito”.
Era bom que o dia de hoje fosse também exame de consciência para vermos como esta oportunidade tem sido aproveitada ou não para o real progresso nos valores de participação cívica e de convivência democrática.
Não podemos ceder à tentação de entender e viver a liberdade como se fosse pretexto para satisfazer interesses pessoais e de grupo, renunciando ao compromisso com o bem comum.
Vejamos como a pandemia faz abrir os olhos ao mundo inteiro para reconhecer que o combate a este inimigo comum exige o esforço de todos para bem de todos e daí o necessário compromisso de todos os países do mundo e da própria finança, a nível global, para reunir os meios necessários à procura dos instrumentos de combate eficaz ao vírus. A OMS está a tentar liderar este processo, do qual ninguém pode ficar excluído e tem o apoio das grandes instituições, a começar pelas Nações Unidas, E a Comissão Europeia manifestou também a sua intenção de canalizar para apoio à investigação na área do tratamento e prevenção desta pandemia elevadas verbas saídas dos cofres da União.
De facto, há males que vêm por bem e esperamos que também à pandemia possamos aplicar este ditado.
O certo, porém, é que a responsabilidade pessoal e das instituições nada nem ninguém a pode substituir; e pensar liberdade sem responsabilidade é abrir a porta para o caos.
A este propósito, lembro palavras do Papa Francisco, que convida a “superar a suspeita, a desconfiança permanente, o medo de sermos invadidos, as atitudes defensivas que nos impõe o mundo atual. Muitos tentam escapar dos outros fechando-se na sua privacidade confortável ou no círculo reduzido dos mais íntimos e renunciam ao realismo da dimensão social” (Ev. G., nº 88).
A pandemia diz-nos que acabou o “salve-se quem puder”, porque a salvação ou é para todos ou não é para nenhum.
E o grande teste à liberdade é a forma como ela intervém ou não, mal ou bem, na construção do bem comum. Isto porque não basta a possibilidade de participação cívica e de convivência democrática, a que se refere o Engº Guterrez. É preciso levar à prática essa possibilidade, o que só se consegue através do exercício da responsabilidade pessoal e social. O dia de hoje devia servir sobretudo para que todos nós e particularmente os promotores das grandes celebrações do evento fizéssemos essa avaliação.
Que a bênção de Deus e a figura do Evangelista S. Marcos, que hoje também comemoramos, nos ajudem a pôr seriedade nesta avaliação.
25.4.2020
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda