III Domingo da Páscoa

III Domingo da Páscoa

26.4.2020

 

Celebramos o III Domingo da Páscoa e iniciamos a semana de oração pelas vocações de especial consagração, que ter­mi­na no Domingo do Bom Pastor.

O Papa Francisco, na mensagem que nos dirige para esta semana, diz que a vocação é uma intervenção gratuita e sempre surpreendente de Deus na vida pessoal de cada um de nós. E, a propósito, destaca três palavras marcantes do dom da vocação, a saber: grati­dão, coragem, louvor.

 

Assim, estamos gratos pelo dom da vocação, porque com ele alguém nos orienta pela rota certa no mar encapelado do mun­do em que vivemos. É o Senhor que, neste mar encape­lado, nos indica o caminho do bom  porto e já antes nos ajudou a subir para o barco e, quando as circunstâncias se afiguram mais tenebrosas, põe-se ao leme como nosso timoneiro.

A coragem é outra nota distintiva da vocação enquanto res­pos­ta ao chamamento. Reconhecemos que hoje, como sem­pre, uma opção fundamental e irreversível de vida, seja pela vida familiar seja pela de especial consagração, exige cora­gem e, quase sempre, um forte remar contra a maré, pois está muito espalhada a ideologia de que não pode haver op­ções de vida com carácter definitivo, porque tudo é provi­sório; o que hoje é assim, amanhã ou não será ou será de outra maneira.

Também no meio da coragem, temos de contar com difi­culdades, como esta já referida que nos vem de fora, da cultura domi­nante, mas igualmente outras que vêm de dentro de nós mesmos. É o caso do desânimo interior, que muitas vezes nos impede de saborear a novidade e a beleza da passagem de Deus pela nossa vida ou também o da tribulação, sobretudo derivada da fadiga, do cansaço que muitas vezes se apodera de nós e nos bloqueia.

Temos de saber reconhecer as nossas fragilidades e medos e levar a sério a certeza de que a Fé verdadeira tudo vence e nos coloca sempre de novo no caminho certo, o caminho de Jesus. Como aos discípulos atribulados pela tempestade, no meio do mar revoltoso, Jesus continua a dirigir-nos hoje as mesmas palavras reconfortantes – “Sou eu. Não temais”.

 

Toda a vocação brota sempre daquele olhar amoroso que o Senhor fixa em cada um de nós. Antes de ser iniciativa nossa, ela é, por isso, resposta à chamada que Ele nos dirige. Daí que a gratidão seja a atitude mais consentânea com o reconhecimento dessa passagem e desse olhar. Por isso, como o de Maria, é nosso propósito fazer da vida um cântico de louvor, pelos caminhos da realização pessoal e sobretudo de serviço aos irmãos e à comunidade. Portanto, identificar e vi­ver a sério a vocação coincide com o reconhecimento agra­decido desta passagem de Jesus pela nossa vida.

 

Esse reconhecimento não acontece de repente,  como tam­bém não aconteceu de repente com os discípulos que iam a caminho de Emaús. E reportamo-nos agora à passagem do Evangelho de S. Lucas que acabámos de escutar.

Iam desanimados e de regresso às anteriores ocupações, pois o sonho se tinha esboroado com a morte na cruz do seu Mestre.

 Jesus intromete-se discretamente e mete conversa, mas não é, de imediato, reconhecido. Surpreende-os a conversa deste intruso, pois parece fora de tudo o que aconteceu nos últimos dias com a condenação do justo à morte na cruz. Mas, o certo é que  Ele argumenta a partir das Escrituras ao ponto de lhes fazer arder o coração lá por dentro e vai-os convencendo, embora de forma muito lenta.

Só no partir do pão os olhos se lhes abrem e o reconhecem. E dá-se, então,  a reviravolta nas suas vidas. Mudam de rumo, regressam a Jerusalém, juntam-se, de novo, ao grupo e retomam o entusiasmo do reencontro com  o Mestre e da missão que Ele lhes confia.

De facto, toda a vocação, como a dos primeiros discípulos, bro­ta deste encontro verdadeiro com o Mestre, o Senhor da Messe e desenvolve-se no compromisso com Ele, por cami­nhos que Ele também nos vai indicando. Assim tenhamos nós vontade e disponibilidade para os discernir, com a sua companhia e a sua ajuda sempre garantidas.

 

Na base de tudo, tem de estar sempre aquele primeiro anún­cio que o discurso de Pedro hoje nos resume, a saber: Jesus de Nazaré, acreditado por Deus com milagres e prodígios, cru­ci­ficado, morte e sepultado, mas a quem  Deus ressus­ci­tou.

Por sua vez, a nossa dívida para com este Jesus é, de facto, muito grande, como lembra I carta de Pedro, pois o preço do nosso resgate não é um preço qualquer, da ordem da prata ou do ouro, mas o precioso sangue de Cristo.

Essa é a fonte da nossa Fé e da nossa Esperança, onde queremos encontrar sempre de novo o entusiasmo da vida vivida como resposta ao Senhor que não cessa de nos chamar e de nos apresentar continuamente novos caminhos.

E novos caminhos, isso sim, porque a vocação não é um qualquer assunto pontual do passado, em que tivemos a coragem de dizer o primeiro sim a Deus. Reconhecemos que há momentos especialmente relevantes no compromisso de vida com Ele. Mas a verdade é que a vocação é sempre resposta renovada ao chamamento que não cessa ao longo de toda a nossa vida e mostrando sempre os caminhos mais adaptados ao serviço da messe em cada momento da nossa história pessoal e da comunidade que servimos. Assim também cada um de nós esteja realmente disposto a identificá-los e a determinar-se por eles num processo contínuo de discernimento.

 

Que a nossa oração, ao longo de toda esta semana, oração pessoal e em família, e sem podermos ter o habitual apoio dos encontros comunitários mais alargados, seja de ação de gra­ças  pelas muitas vocações e pelos muitos serviços exis­ten­tes, por graça de Deus, na vida das nossas comunidades; e se­ja também pedido ao Senhor da Messe que mande operá­rios para sua messe.

E que aos nossos jovens não falte a coragem para se deixa­rem interpelar pelo Senhor da mesma messe e não tenham medo de lhe dizer que sim, seja qual for o caminho que ele lhes aponte.

Continuação de Santa Páscoa para todos nós, apesar das cir­cunstâncias de grande constrangimento que nos envolvem, nestes tempos de pandemia.

 

26.4.2020

 

+Manuel R. Felício, Bispo da Guar