Em tempos de pandemia (31) - Reforçar a atenção aos que mais precisam
Têm-nos querido convencer, sobretudo nos últimos dias, de que a austeridade acabou e não vai voltar. Porém, não é isso o que anunciam os constrangimentos ligados à crise da pandemia, onde os sinais mostram já indicadores da austeridade instalada na vida de muitas pessoas que até aqui viviam desafogadamente.
E fazem-se afirmações, certamente falsas, para o grande público como se os efeitos de uma economia praticamente parada, em Portugal, na Europa e quase em todo o mudo, não atingissem a vida das pessoas.
A verdade, porém, é que, infelizmente, não precisamos de esperar para ver a austeridade a crescer. Basta abrirmos os olhos e ver o que se está a passar à nossa volta. Não queremos ser daqueles que insistem em tapar o sol com a peneira.
Assim, a corrida à Caritas Diocesana da Guarda tem crescido e muito, incluindo por indicação de autarquias.
Por sua vez, a responsável pelo Banco Alimentar contra a fome, a nível nacional, Maria Isabel Jonet, diz-nos que a procura de alimentos básicos está a crescer e muito e que, de facto, os fundos do Banco Alimentar contra a Fome estão à beira de se esgotar. Para agravar a situação, as duas principais formas de reabastecer o Banco Alimentar são as campanhas anuais, particularmente junto das grandes superfícies, em maio e pelo Natal. E o que se prevê é que as novas regras de utilização de espaços públicos não o irão certamente permitir ou, pelo menos, com igual liberdade de movimentos para sensibilização das pessoa e instituições.
Na vizinha Espanha, onde a pandemia atinge volumes muito elevados, as notícias dão-nos conta de como cresce o número de pessoas que, vivendo do seu trabalho independente, principalmente muito ligado ao comércio, de repente deixaram de poder trabalhar e ficaram na dependência da solidariedade.
Por sua vez, a Itália, que continua a ser o país da Europa dos 27 mais fustigado pela pandemia, é o primeiro a recorrer ao Fundo de Solidariedade Europeu para responder a necessidades imediatas.
Estes são apenas alguns dos sinais indicadores da austeridade que já não precisamos de esperar nem de pensar que há formas de a evitar, porque ela, de facto, já está instalada no meio de nós.
Acredito que haja responsáveis interessados em negar esta realidade, porque a eles a austeridade não chegou e provavelmente nunca chegará; mas o certo é que há crescente número de pessoas a sentirem-na na sua carne e a terem de estender a mão para se alimentarem.
Que o diga a Caritas Diocesana da Guarda, para só citar uma das muitas instituições que, graças a Deus, instaladas no terreno, querem falar verdade às pessoas e darem-lhes, de imediato, a resposta possível.
Precisamos, por isso, de reforçar a atenção de todos nós uns aos outros, de aumentar a nossa partilha, preferencialmente através das instituições que, no terreno, cumprem a nobre missão de atender quem precisa, verificando as suas reais necessidades e tentando responder-lhes com os recursos disponíveis, que, cada vez mais, terão de ser o resultado da generosidade das nossas partilhas.
Os factos têm demonstrado e continuam a demonstrar que não podemos esperar do Governo e suas instituições a solução para estes e outros problemas. E a demonstrá-lo está a sua falta de sensibilidade para lidar com as instituições particulares e de solidariedade social, sobretudo lares de idosos, nestes tempos de pandemia.
Esta verdade dos factos, porém, não nos tira o direito de saber para onde estão a ser direcionados os dinheiros que são de todos nós e que nos seja explicado a sua reaplicação imposta pela atual pandemia. O mesmo se diga dos dinheiros que possam vir do Fundo de Solidariedade para combater a crise que a Europa dos 27 já criou ou pretende criar.
Esperamos que momentos difíceis como estes levem também as pessoas a rever as formas de utilizar melhor os bens materiais.
A este propósito, lembra o Papa Francisco, na Gaudete et Exultate, quando explica o sentido da Bem-aventjrança “Felizes os pobre em espírito”: “As riquezas não te dão segurança alguma. Mais ainda, quando o coração se sente rico, fica tão satisfeito de si mesmo que não tem espaço para os irmãos, nem para gozar das coisas mais importantes da vida. Deste modo, priva-se dos bens maiores” (nº 68).
Nesta hora difícil, experimentamos também a necessidade de repensar a justa finalidade dos bens que estão confiados à nossa administração (sim, porque não somos donos de nada, mas tão só administradores de algumas coisas), através da partilha que, de facto, nos liberta para experimentarmos esses “bens maiores”.
28.4.2020
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda