Tempos de pandemia (32) - Tempos para repensar a Europa

Tempos de pandemia (32) - Tempos para repensar a Europa

 

Celebramos hoje a padroeira da Europa, Santa Catarina de Sena.

Em tempos muito difíceis da Idade Média, mesmo sem precisar de viver muitos anos, foram apenas 33, marcou profundamente a sociedade europeia de então, através de iniciativas de reconciliação e defesa de identidades. O seu analfabetismo de origem foi largamente compensado pelo bem senso e pela abertura à Sabedoria que vem do alto, não para substituir o saber científico das escolas, sobretudo as universidades e da investigação, mas para lhes dar a alma de que necessitam.

Juntamente com Santa Brígida da Suécia e Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), esta um expoente da cultura universitária europeia, que veio a terminar os seus dias com a morte no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, também co-padroeiras, ela constitui importante referência para que a Europa, no conjunto dos seus estados-membros e respectivas instituições e cidadãos, possa definir bem a sua identidade e perspetivar o seu futuro.

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, houve passos consistentes para a constituição da Comunidade Europeia, tal como hoje existe. Começou com a chamada Comunidade Europeia do Carvão e do Aço(CEAC), a partir de 1951, com o tratado de Paris; evoluiu para a denominação de Comunidade Económica Europeia (CEE), com o tratado de Roma, em 1957 e depois, a partir do tratado de Maastricht (1993) temos a denominação ode União Europeia (UE).

Já pelo seu evoluir, o nome dá conta da sucessivas eta­pas conducentes ao reconhecimento da identidade europeia.

De facto, a Comunidade Europeia começou por se constituir como resposta à necessidade de encontrar caminhos para ga­rantir a paz sustentável entre as nações e recusar a tenta­ção da guerra(CEAC). Depois percebeu que tinha de progredir pelos caminhos de uma união económica (CEE) e descobriu, a seguir, que só a união económica não chega. É preciso juntar-lhe outras dimensões da vida comunitária, a começar pela união política, para cumprir o importante desígnio de promover a paz e o desenvolvimento (UE).

Ora, acontece que, por um lado, a paz não pode resumir-se à ausência de guerra, mas envolve, pela positiva, a cooperação a todos os níveis, a começar pelos estados-membros. Por outro lado, o desenvolvimento não pode restringir-se ao cres­cimento económico, pois esse, só por si,  não gera laços comunitários. Basta ver as desigualdades e injustiças crescentes ligadas à especulação financeira, na atualidade. O projeto da Europa tem de ser muito mais amplo para rea­lizar o propósito original dos seu fundadores e corres­ponder às legítimas espectativas das populações, na atualidade.

Permita-se, a esse propósito, lembrar uma reflexão do Sínodo sobre a Igreja na Europa que deu origem à exortação apostólica do Papa João Paulo II “Ecclesia in Europa”, publicada em 2003. Aí se diz que a Comunidade Europeia tem grande responsabilidade no processo urgente da “globalização da solidariedade” (nº 112). Para isso, e começando por casa, precisamos de ter um processo de integração capaz de aproveitar de cada um dos estados-membros “as peculiaridades históricas e culturais, as identi­dades nacionais e as riquezas dos contributos que podem advir dos novos membros, para além de dar cumpri­mento mais perfeito aos princípios da subsidiarie­dade e da solidariedade“ (nº 110).

Nunca é demais aplicar tempo e energias na melhor defini­ção  da causa da Europa, porque ela é importante não só para os seus membros, mas para o bem e a paz de todo o mundo.

 

29.4.2020

 

+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda