Em tempos de pandemia - Celebrar o Dia do Trabalhador
Vivemos este Primeiro de Maio em circunstâncias muito condicionantes, mas é importante não deixarmos passar a data sem relembrarmos bem o valor e as condições do trabalho e dos trabalhadores.
Desde o início que o trabalho humano é a forma de os homens e as mulheres cumprirem a nobre missão de “dominar” a natureza e organizar a sociedade para o bem maior de todos. Nos últimos tempos, tem vindo a ser ajudado, complementado e, em certos casos, substituído pelas modernas tecnologias.
Precisamos, agora, de nos interrogar sobre a sua natureza e os seus fins e consequentemente sobre as condições em que deve ser exercido este direito e este dever.
A valorização do trabalho e dos trabalhadores tem um ponto de partida indiscutível, que é o seguinte: a atividade humana individual e coletiva, todos aqueles imensos esforços com que os homens e mulheres, ao longo dos séculos, tentaram melhorar as condições de vida é o património edificado mais valiosos que nos foi legado.
Desse património todos recebemos o benefício, como também temos a obrigação de aumentar o seu valor com o nosso contributo. Por isso, pelo trabalho, os homens e mulheres de hoje, por um lado, garantem o sustento necessário para si mesmos, suas famílias e outros que não podem trabalhar; por outro, contribuem para a sua realização pessoal e para o bem da sociedade, aumentando o património recebido que havemos de saber fruir hoje e também legar às gerações futuras. Perante estes e outros princípios, iluminadores do respeito devido à dignidade de quem trabalha, é preciso repensar e rever os caminhos seguidos pelas economias dominantes, em que o lucro aparece frequentemente como o primeiro e às vezes único objetivo. O lucro é, em si mesmo um objetivo bom e não podemos retirá-lo da organização económica, nomeadamente das empresas.
Todavia, há sobretudo duas condições que o lucro tem de respeitar. Uma delas são os meios empregados e outra, as suas finalidades.
Ora, os principais meios que conduzem ao lucro são os recursos da natureza e o trabalho humano, a que temos de acrescentar o valor acumulado deste mesmo trabalho ao longo dos tempos. As novas tecnologias temos de saber apreciá-las principalmente de acordo com as ajudas que dão ou não ao trabalho humano.
Sendo assim, precisamos de saber usar os recursos naturais sem os depradar, pois não são inesgotáveis.
Precisamos de dar o devido valor ao trabalho das pessoas e criar as condições indispensáveis para que seja trabalho digno e responsável. Do respeito pela dignidade do trabalho faz parte a remuneração salarial, mas também outros benefícios, como sejam a formação, o bom ambiente e as boas relações. Da responsabilidade de quem trabalha faz parte a preocupação por atingir os objetivos definidos e contabilizados por quem superintende.
Quanto aos lucros, é preciso utilizá-los com justiça e equidade. E para isso, eles têm de responder às necessidades de quem trabalha, mas também de outros que já não podem trabalhar ou que ainda o não podem fazer e igualmente dos impossibilitados de trabalhar por qualquer motivo.
Ora, não podemos considerar que há justiça e equidade, quando não se atende às necessidades dos mais débeis ou quando a distribuição do lucro é feita de tal modo que quem já tem muito cada vez tem mais e quem tem pouco cada vez tem menos.
Para haver consciência do desequilíbrio de uma organização económica assim, a nível mundial, esteve programado para o passado mês de março, em Assis, e não se realizou por causa da pandemia, um encontro subordinado ao tema “A economia de Francisco”. A presidente do Conselho Científico deste encontro, Maria Gaglione, uma professora de biologia e química, disse que nele se pretendia repensar o modelo de crescimento económico existente como mais comum e avaliar o respeito pela dignidade dos trabalhadores, pelos recursos naturais e também pela equidade social, incluindo os direitos das gerações futuras.
De Portugal havia um grupo de 50 jovens convidados que já estavam a preparar a sua participação.
De facto, a pandemia impediu este encontro, mas o assunto continua a ser urgente. E o Primeiro de Maio também precisa mergulhar cada vez mais naqueles que são os fundamentos e imperativos para agirmos de forma concertada em favor da dignificação de quem trabalha.
1.5.2020
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda