VI Domingo da Páscoa
Celebramos o VI Domingo da Páscoa, quando o Tempo Pascal se encaminha para o seu termo, com a Solenidade do Pentecostes à vista, que celebramos de hoje a 15 dias. Esperamos já poder celebrá-la de forma diferente, nas nossas Igrejas, embora respeitando as orientações rigorosas aplicáveis.
Hoje encerramos também a semana nacional da vida, que este ano nos chamou a atenção para a sua fragilidade. De facto, todos nascemos frágeis e dependentes; nascemos crianças que precisam como ninguém do aconchego do Pai e da Mãe e da restante família para se defenderem dos perigos e crescerem equilibradamente. O mesmo se diga do final da vida, onde as dependências crescem e pedem esmerada atenção dos acompanhantes e cuidadores. Por sua vez, as variadas situações de doença, como constatamos nesta pandemia, evidenciam a mesma fragilidade. Isto só não o vê quem não quer e interpela-nos para procurarmos cuidar bem uns dos outros e com prioridade sempre para quem mais precisa ou sofre.
Celebramos também a semana da encíclica “Laudato Sí” publicada pelo Papa Francisco há cinco anos. É uma chamada de atenção para a nossa responsabilidade coletiva de cuidarmos a casa comum que nos é dada para nela habitarmos todos.
Fixemo-nos agora na missão confiada á Igreja pelo seu Fundador, enquanto acompanhamos o trabalho de evangelização realizado por Filipe na Samaria, onde as multidões aderiram em massa, segundo a passagem dos Atos dos Apóstolos. Foram muitos os que receberam o Baptismo, mas vieram depois os apóstolos, impor-lhes as mãos para receberem o Espírito Santo. É esta passagem bíblica frequentemente invocada para justificar a separação entre o Baptismo e o Sacramento da Confirmação, que confere a plenitude do Espírito Santo.
Esse Espírito Santo, que Jesus prometeu aos seus apóstolos, nos vários discursos de despedida. Desta vez, segundo o Evangelho de hoje, Jesus diz-lhes que pede ao Pai o Espírito Santo para estar sempre com eles. E acrescenta que Esse Espírito é o Paráclito, o juiz defensor e consolador nas grandes causas. É o Espírito da verdade que os há-de conduzir para a verdade total.
De facto, havia muitas coisas que Jesus lhes dissera, mas eles não entenderam. Entenderam-no depois, sob a luz e a ação do Espírito, que é também Espírito de comunhão, introduzzindo cada um dos discípulos na relação com Jesus e com o Pai, no mistério da vida íntima de Deus, Trindade Santíssima
A Igreja e os cristãos sabem que a promessa de Jesus se continua a cumprir nas nossas vidas pessoais e em comunidade. A carta de Pedro apresenta-nos a Pessoa de Jesus como Aquele que, sendo justo, entregou a vida pelos nossos pecados para nos conduzir até Deus. Nele a vida triunfou da morte pela virtude do Espírito.
Também hoje esta há-de ser a grande certeza das nossas vidas; e uma certeza que determine as nossas opções e as nossas formas de viver em sociedade. E se formos coerentes com os valores da Fé que professamos, segundo o exemplo do mesmo Cristo, quando partilhamos as mais variadas situações de vida no mundo, é natural que as pessoas se interroguem porque vivemos assim e porque não queremos aquelas formas de viver que são as mais comum entre os cidadãos da atualidade. Essa é a oportunidade para darmos cumprimento à recomendação da carta de Pedro de dar razão da nossa esperança. Por isso, precisamos de saber fazer o nossos exame de consciência diário, interrogando-nos sobre se as razões de Cristo são também as nossas razões.
O mundo de hoje precisa de gestos proféticos que remetam as pessoas para a fonte determinante do agir dos cristãos e da Igreja em favor dos nossos contemporâneos.
Ora, esta semana chama-nos a atenção para a mensagem da encíclica do Papa Francisco – Laudato sí – a qual nos transmite a mensagem de que não somos donos de nada, nem mesmo das coisas que chamamos nossas. Somos administradores de um património comum que o criador colocou na existência para nele sermos acolhidos e dele nos servirmos, com a obrigação de o transmitir, quanto possível enriquecido, às gerações futuras. Hoje, mais do que nunca, o desafio é grande, pois as formas de intervir neste património, a natureza, têm vindo a ser cada vez mais agressivas, pondo em causa a tal casa comum, para as gerações presentes já e mais ainda para as gerações futuras
Por sua vez, estamos a viver uma hora de especial preocupação. Estamos confrontados com um inimigo comum, nesta pandemia, que não sabemos quando nos vai deixar.
É-nos pedido a todos para ver bem as atitudes que temos de tomar.
É o discernimento no Espírito que há-de levar-nos, de imediato, a cuidar dos que mais precisam, porque estão doentes ou passam fome ou estão em risco de a passar; porque vivem a despedida dolorosa de familiares falecidos; enfim, porque, retirados da sua vida normal, passam por crises variadas, às vezes a refletirem-se na vida familiar, com risco de violência doméstica.
É o mesmo discernimento no Espírito tem de levar-nos mais longe, porque estamos a verificar o ruir do nosso mundo que, assim o esperamos, há-de dar lugar a um novo mundo.
Este mundo velho, com evidentes sinais de estar a ruir, assenta numa filosofia de vida balizada por dois pólos –a produção e o consumo. E o barómetro com que é medido resume-se, infelizmente, ao crescimento económico, vulgarmente referenciado ao PIB, mais alto ou mais baixo, a subir ou a descer.
O mundo novo em que nos queremos, desde já, comprometer tem outras prioridades, que são, em primeiro lugar, as pessoas e as suas relações, a começar pelas familiares. Depois, é o levar a sério a verdade , cada vez mais evidente, de que não vivemos num mundo de recursos inexgotáveis. Por isso, faz agora cinco anos, precisamente meio ano antes da célebre cimeira de Paris sobre o ambiente, o Papa Francisco convidou o mundo todo para a chamada “conversão ecológica”.
Para darmos passos nesta conversão, sem a qual não teremos futuro, é preciso ter a coragem de renunciar a certas mentalidades e hábitos instalados e, em contrapartida, subordinar os desejos e o prazer imediato dos indivíduos ao bem comum de todos os cidadãos, os atuais e os que estão para vir. Para isso há que aceitar que a agenda do criador passe a ter prioridade sobre as muitas outras agendas que são comandadas pelos mais variados interesses. É preciso abandonar a atitude orgulhosa muito comum de quem se sente senhor de tudo e substituí-la pela consciência clara de que não somos donos de nada, mas somente administradores de algumas coisas pertencentes à casa comum. E seremos julgados, como já está a acontecer, pela forma como administramos.
Saibamos aproveitar a situação especial da pandemia, que em muitos dos seus aspetos está para durar, e ofereçamos o nosso contributo de reflexão e ação, por humilde que seja, para colocar em agenda o empenho de preparar o mundo novo que todos desejamos.
Continuação de santo Tempo Pascal.
17.5.2020
+Manuel R. Felício, B. da Guarda