Homilia no I Domingo da Quarema
Bispo da Guarda pede oração para o regresso às celebrações e preparação da Páscoa
1. Celebramos o I Domingo da Quaresma e nele nos volta a aparecer o quadro das tentações de Jesus, desta vez na versão de S. Marcos, o Evangelho do ano.
Jesus é conduzido ao deserto pelo Espírito Santo, e aí é tentado pelo demónio, durante quarenta dias e quarenta noites.
Também o Povo eleito passou quarenta anos no deserto e aí foi tentado. Há uma diferença. Jesus venceu as tentações, o Povo nem sempre as venceu, mas encontrou sempre o perdão e o acolhimento de Deus.
Este tempo de deserto e das tentações inaugura um outro tempo, o tempo da vida pública de Jesus. A notícia da morte de João Batista indica as dificuldades que vão estar presentes no decurso deste novo tempo e continuam presentes hoje na vida dos discípulos do mesmo Jesus, na vida da Igreja.
O Evangelho de hoje apresenta-nos, de forma resumida, a missão que Jesus veio realizar, por mandato do Pai, colocando na sua boca as seguintes palavras: “Completou-se o tempo; O Reino de Deus aproxima-se; Arrependei-vos e acreditai na Boa Nova”.
Neste primeiro anúncio feito pelo próprio Jesus temos o resumo de
todo o Evangelho. A ele havemos de saber voltar com frequência, para que esteja na memória de todos, faça parte do nosso ensino, a começar pela catequese e inspire todo o nosso comportamento.
Esse mesmo primeiro anúncio é retomado por S. Pedro na sua I Carta, quando nos diz o essencial da missão de Jesus, nos seguintes termos:
“Morreu pelos nossos pecados, sendo justo pelos injustos; voltou à Vida pelo Espírito”. E, o que também para nós é muito importante, a seguir retoma a simbologia das águas do dilúvio e da arca de Noé para nos falar do Batismo.
E lembra-nos que o Batismo não é para nos limpar da sujidade corporal, mas constitui um compromisso pessoal de cada um de nós com Deus. E salva-nos pela Ressurreição de Cristo, que continua vivo à Direita do Pai e é garantia da vida nova que o mesmo Batismo nos comunica.
2. Esta reflexão de S. Pedro, que comenta o episódio do dilúvio e da arca de Noé, apresentado na I leitura, é um bom ponto de partida para a nossa revisão de vida enquanto batizados e discípulos de Cristo, ao longo de toda a Quaresma, para podermos, com verdade, na noite Pascal, renovar as nossas promessas batismais.
É bom que, durante esta Quaresma, pensemos na nossa vocação sublime de filhos de Deus, desde que recebemos as águas batismais.
Todavia, temos de saber reconhecer e levar a sério o facto de nos encontrarmos sujeitos à precaridade dos tempos que passam e muitas vezes deixam marcas de grande sofrimento, como são os atuais tempos de pandemia.
Sofremos e vemos sofrer ao nosso lado. E algum sofrimento pode estar encoberto, à espera que nós o descubramos e possamos contribuir para aliviar quantos nele estão envolvidos.
Pelo menos durante mais uma semana continuamos privados dos encontros e das relações com as pessoas pelos meios mais comuns, mas nem por isso aceitamos estar longe e desvinculados delas.
É importante que todos sintam, sobretudo quando estão em sofrimento, que há quem esteja preocupado e disposto a cuidar deles.
As portas da Igreja continuam abertas, apesar das restrições da pandemia; e esta abertura começa pelos seus membros que, fortalecidos e motivados pela Fé, queremos dar a devida atenção às situações particulares de cada um.
Deus é o primeiro a fazer-se presente na pandemia, dirigindo-nos o Seu apelo para reforçarmos a nossa comunhão com Cristo, seguindo as suas pegadas, Ele que veio para oferecer a compaixão do próprio Deus a todos, a começar pelos que mais sofrem.
Essa há-de ser também a nossa prática, sabendo nós que na lei do amor e da caridade reside o essencial da nossa condição de discípulos de Cristo, mas igualmente de cidadãos que sentem o dever de cuidar bem de quem precisa.
3. Jesus foi tentado pelo demónio, como diz o Evangelho e nós hoje também somos tentados. Uma das nossas maiores tentações, nos atuais tempos de pandemia, pode ser a da indiferença, fazendo de conta que nada de mal se passa na vida das pessoas, apesar das dificuldades impostas pela pandemia. Somos, de facto, tentados a passar ao largo, voltando a cara para o outro lado perante situações de grande sofrimento, como aconteceu com o sacerdote e o Levita da Parábola do Bom Samaritano.
4. Na realidade, Jesus Cristo quer que sejamos hoje o Bom Samaritano, que parou, desceu da sua montada, aproximou-se, teve compaixão, prestou os primeiros socorros e entregou o ferido a instituição capaz de o tratar bem, comprometendo-se da sua parte a contribuir com o que fosse preciso.
Neste Tempo de Quaresma, tempo forte de oração, peçamos ao Senhor que faça de nós verdadeiros bons samaritanos. Pedimos por todas as famílias que mais estão a sofrer os efeitos desta pandemia, sobretudo pela perda de algum ou alguns dos seus entes queridos, pelos quais fazemos oração de sufrágio. Rezemos ainda para que possa haver condições de voltarmos às nossas celebrações, sobretudo nas assembleias dominicais e outros encontros pastorais, já a partir das próximas semanas, de tal maneira que possamos preparar conjuntamente a Páscoa e vivê-la da melhor forma.
21.2.2021
+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda