Homilia no II Domingo da Quaresma 2021

Homilia no II Domingo da Quaresma 2021

II Domingo da Quaresma

 

  1. Damos hoje o segundo grande passo,  na nossa caminhada para a Páscoa, com a celebração do II Domingo da Quaresma.

Aparece-nos por diante o quadro da Transfiguração de Jesus, como sempre acontece neste II Domingo, este ano na versão de S. Marcos, o Evangelista do ano.

Iniciamos também a Semana Nacional da Caritas, que este ano não pode ter as  iniciativas habituais, entre elas o peditório de rua, como em anos anteriores, por causa da pandemia. Embora em contexto muito diferente, o apelo da Caritas em favor dos mais carenciados permanece, lembrando-nos, com seus  65 e anos de existência, “ o amor que transforma”.

Numa mensagem para esta Semana, o Sr. Presidente da República sublinha o que a Caritas é e a sua missão cumprida ao longo dos últimos 65 anos, a saber: promotora de solidariedade, generosidade e proximidade.  Por sua vez, o Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social sublinha que a missão da Caritas é  “compromisso com a transformação do mundo em que vivemos para que seja, cada vez mais, um mundo de irmãos”.

 

  1. O Evangelho de hoje, como sempre acontece no II Domingo da Quaresma, apresenta-nos o quadro da Transfiguração de Jesus.

É bom início da explicação deste quadro bíblico um hino que nós recitamos na oração de vésperas e que começa assim: “Crescem nas asperezas do caminho pequenas flores brancas de esperança”.

 

. Essas asperezas acontecem no anúncio que Jesus  faz da sua Paixão, no mesmo Evangelho de Marcos, alguns versículos antes. Os Apóstolos ficam escandalizados perante o cenário da morte de Jesus, em Jerusalém e Pedro, inconformado, opõe-se e argumenta contra este anúncio. Jesus chama-o de parte e, à vista dos outros Apóstolos, dá-lhe a maior reprimenda que o Evangelho regista.

 

. Para desfazer esta aspereza e desfazer o escândalo da cruz provocado nos Apóstolos, Jesus chama Pedro, Tiago e João, que podemos considerar o núcleo duro dos  Doze e sobe com eles ao Monte Tabor.

O monte, tal como o deserto, constitui o lugar privilegiado para o encontro com Deus, na oração e para o necessário descanso, longe das multidões e do burburinho das tarefas do mundo. E Jesus várias vezes procurou o monte, afastando-se da vida ordinária, para o encontro com o Pai.

 

. Jesus transfigurou-se e mostrou a sua condição divina, simbolizada principalmente nas vestes brancas e na intensidade da Luz.

Mas a sua condição divina, revelada neste quadro, não desfez a necessidade da sua passagem pela morte na cruz. E disso mesmo dão testemunho as figuras de Moisés e Elias, simbolizando todo o Antigo Testamento, que aparecem ao lado de  Jesus, falando sobre a sua morte que ia acontecer em Jerusalém. Marcos silencia o assento desta  conversa, mas  o lugar paralelo de S. Lucas regista-o.

 

. Os  três Apóstolos ficam deslumbrados com o espetáculo desta manifestação, e Pedro não pensa em mais nada senão em fixar ali morada para sempre. E por isso sugere as  três tendas.

 

. A manifestação grandiosa do Tabor é completada ainda por aquela nuvem de onde sai  a voz misteriosa para revelar quem é Jesus – “Este é o meu Filho muito amado. Escutai-O”.  O mesmo já tinha acontecido na cena do Batismo, no Rio Jordão.

 

. Mas  contrariamente ao desejo que Pedro manifestou, a Transfiguração tem um depois. E esse depois é, em primeiro lugar, o facto de se encontrarem de novo sozinhos com Jesus, porque o esplendor da Transfiguração passou.

 

. Jesus  convida-os a descer do monte e a guardarem silêncio sobre esta experiência até Ele ressuscitar dos mortos. A recomendação recorrente do  chamado segredo Messiânico, próprio de S. Marcos, não impediu que eles continuassem preocupados com o significado daquelas palavras do Mestre sobre a ressurreição dos mortos, que eles ainda não entendiam.

 

. E a vida voltou ao normal do Ministério Público de Jesus, que eles continuaram a acompanhar, certamente mais motivados para a missão em que o Senhor Jesus os estava a treinar.

 

  1. Entre as muitas lições que podemos tirar do quadro da Transfiguração de Jesus, destacam-se as seguintes.

 

- Jesus quis desfazer nos seus colaboradores mais diretos o escândalo da cruz e da sua morte, como passagem  para a  glorificação.

Hoje esse escândalo da cruz e o do sofrimento como tal permanecem connosco. E estes tempos de pandemia mais o agudizam. Na verdade, porém, o sofrimento e a morte, que preenchem a experiência humana universal, têm a sua chave de leitura e a sua explicação na morte e Ressurreição de Cristo.

Há uma expressão popular que diz: “Quem se obriga a amar obriga-se a padecer”. E, na  verdade, o amor e a fidelidade de Abraão  à Aliança com Deus tiveram um alto preço a pagar, que foi o sacrifício do seu filho único Isaac.

Por sua vez, S. Paulo lembra-nos hoje, na carta aos Romanos, que nem  o próprio Deus poupou o seu Único Filho Jesus Cristo, mas o entregou à morte pela salvação da Humanidade.

De facto, o caminho da cruz é inevitável para que se possa cumprir o desígnio do verdadeiro amor.

 

- Neste quadro da transfiguração quem se transfigura é a Cabeça do Corpo de Cristo, do qual nós somos membros. Ora, o que se passou na Cabeça há-de passar-se em cada um dos outros membros, chamados a participar na glória do  Reino. E de imediato é convite à nossa transformação contínua pela conversão à Pessoa de Cristo e pelo caminho de renovação pessoal e mesmo comunitária que ela representa.

 

- Neste processo da nossa transfiguração pessoal que levará à progressiva identificação com  Cristo, a Palavra de Deus, representada pelas duas figuras do Antigo Testamento e pela Pessoa de Cristo com quem eles falavam, tem lugar insubstituível.

Daí a importância do convite da Quaresma a escutarmos, de forma mais abundante e constante, a Palavra de  Deus, para que ela seja cada vez  mais a norma da nossa vida e da vida das nossas  comunidades e assim também o mundo dela possa beneficiar.

 

Desejamos aproveitar esta Quaresma para relançarmos a nossa caminhada rumo à verdadeira Transfiguração, que Jesus mostrou no alto do Monte Tabor, e para a qual hoje continua a motivar-nos, sobretudo através da graça dos Sacramentos e da Palavra de Deus.

 

28.2.2021

 

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda