II Domingo da Quaresma
- Damos hoje o segundo grande passo, na nossa caminhada para a Páscoa, com a celebração do II Domingo da Quaresma.
Aparece-nos por diante o quadro da Transfiguração de Jesus, como sempre acontece neste II Domingo, este ano na versão de S. Marcos, o Evangelista do ano.
Iniciamos também a Semana Nacional da Caritas, que este ano não pode ter as iniciativas habituais, entre elas o peditório de rua, como em anos anteriores, por causa da pandemia. Embora em contexto muito diferente, o apelo da Caritas em favor dos mais carenciados permanece, lembrando-nos, com seus 65 e anos de existência, “ o amor que transforma”.
Numa mensagem para esta Semana, o Sr. Presidente da República sublinha o que a Caritas é e a sua missão cumprida ao longo dos últimos 65 anos, a saber: promotora de solidariedade, generosidade e proximidade. Por sua vez, o Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social sublinha que a missão da Caritas é “compromisso com a transformação do mundo em que vivemos para que seja, cada vez mais, um mundo de irmãos”.
- O Evangelho de hoje, como sempre acontece no II Domingo da Quaresma, apresenta-nos o quadro da Transfiguração de Jesus.
É bom início da explicação deste quadro bíblico um hino que nós recitamos na oração de vésperas e que começa assim: “Crescem nas asperezas do caminho pequenas flores brancas de esperança”.
. Essas asperezas acontecem no anúncio que Jesus faz da sua Paixão, no mesmo Evangelho de Marcos, alguns versículos antes. Os Apóstolos ficam escandalizados perante o cenário da morte de Jesus, em Jerusalém e Pedro, inconformado, opõe-se e argumenta contra este anúncio. Jesus chama-o de parte e, à vista dos outros Apóstolos, dá-lhe a maior reprimenda que o Evangelho regista.
. Para desfazer esta aspereza e desfazer o escândalo da cruz provocado nos Apóstolos, Jesus chama Pedro, Tiago e João, que podemos considerar o núcleo duro dos Doze e sobe com eles ao Monte Tabor.
O monte, tal como o deserto, constitui o lugar privilegiado para o encontro com Deus, na oração e para o necessário descanso, longe das multidões e do burburinho das tarefas do mundo. E Jesus várias vezes procurou o monte, afastando-se da vida ordinária, para o encontro com o Pai.
. Jesus transfigurou-se e mostrou a sua condição divina, simbolizada principalmente nas vestes brancas e na intensidade da Luz.
Mas a sua condição divina, revelada neste quadro, não desfez a necessidade da sua passagem pela morte na cruz. E disso mesmo dão testemunho as figuras de Moisés e Elias, simbolizando todo o Antigo Testamento, que aparecem ao lado de Jesus, falando sobre a sua morte que ia acontecer em Jerusalém. Marcos silencia o assento desta conversa, mas o lugar paralelo de S. Lucas regista-o.
. Os três Apóstolos ficam deslumbrados com o espetáculo desta manifestação, e Pedro não pensa em mais nada senão em fixar ali morada para sempre. E por isso sugere as três tendas.
. A manifestação grandiosa do Tabor é completada ainda por aquela nuvem de onde sai a voz misteriosa para revelar quem é Jesus – “Este é o meu Filho muito amado. Escutai-O”. O mesmo já tinha acontecido na cena do Batismo, no Rio Jordão.
. Mas contrariamente ao desejo que Pedro manifestou, a Transfiguração tem um depois. E esse depois é, em primeiro lugar, o facto de se encontrarem de novo sozinhos com Jesus, porque o esplendor da Transfiguração passou.
. Jesus convida-os a descer do monte e a guardarem silêncio sobre esta experiência até Ele ressuscitar dos mortos. A recomendação recorrente do chamado segredo Messiânico, próprio de S. Marcos, não impediu que eles continuassem preocupados com o significado daquelas palavras do Mestre sobre a ressurreição dos mortos, que eles ainda não entendiam.
. E a vida voltou ao normal do Ministério Público de Jesus, que eles continuaram a acompanhar, certamente mais motivados para a missão em que o Senhor Jesus os estava a treinar.
- Entre as muitas lições que podemos tirar do quadro da Transfiguração de Jesus, destacam-se as seguintes.
- Jesus quis desfazer nos seus colaboradores mais diretos o escândalo da cruz e da sua morte, como passagem para a glorificação.
Hoje esse escândalo da cruz e o do sofrimento como tal permanecem connosco. E estes tempos de pandemia mais o agudizam. Na verdade, porém, o sofrimento e a morte, que preenchem a experiência humana universal, têm a sua chave de leitura e a sua explicação na morte e Ressurreição de Cristo.
Há uma expressão popular que diz: “Quem se obriga a amar obriga-se a padecer”. E, na verdade, o amor e a fidelidade de Abraão à Aliança com Deus tiveram um alto preço a pagar, que foi o sacrifício do seu filho único Isaac.
Por sua vez, S. Paulo lembra-nos hoje, na carta aos Romanos, que nem o próprio Deus poupou o seu Único Filho Jesus Cristo, mas o entregou à morte pela salvação da Humanidade.
De facto, o caminho da cruz é inevitável para que se possa cumprir o desígnio do verdadeiro amor.
- Neste quadro da transfiguração quem se transfigura é a Cabeça do Corpo de Cristo, do qual nós somos membros. Ora, o que se passou na Cabeça há-de passar-se em cada um dos outros membros, chamados a participar na glória do Reino. E de imediato é convite à nossa transformação contínua pela conversão à Pessoa de Cristo e pelo caminho de renovação pessoal e mesmo comunitária que ela representa.
- Neste processo da nossa transfiguração pessoal que levará à progressiva identificação com Cristo, a Palavra de Deus, representada pelas duas figuras do Antigo Testamento e pela Pessoa de Cristo com quem eles falavam, tem lugar insubstituível.
Daí a importância do convite da Quaresma a escutarmos, de forma mais abundante e constante, a Palavra de Deus, para que ela seja cada vez mais a norma da nossa vida e da vida das nossas comunidades e assim também o mundo dela possa beneficiar.
Desejamos aproveitar esta Quaresma para relançarmos a nossa caminhada rumo à verdadeira Transfiguração, que Jesus mostrou no alto do Monte Tabor, e para a qual hoje continua a motivar-nos, sobretudo através da graça dos Sacramentos e da Palavra de Deus.
28.2.2021
+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda