III Domingo da Quaresma
1.Celebramos o III Domingo da Quaresma. É o primeiro dos três domingos centrais deste tempo santo, nos quais somos convidados a revisitar e a rever a nossa identidade de discípulos de Cristo, procurando consolidar os bons caminhos que estamos a percorrer e também corrigir o que devemos corrigir.
Para o Povo de Deus do Antigo Testamento, o Templo enquanto lugar de culto e a Lei (Palavra de Deus) eram as duas instituições mais marcantes de toda a sua vida de Fé e mesmo social.
Também hoje, para nós e para a Igreja, o culto, particularmente a oração litúrgica, centrada na Eucaristia, aliado à escuta atenta da Palavra de Deus, são os indicadores pelos quais temos de saber avaliar o estado da nossa identidade cristã.
A Liturgia deste domingo convida-nos a considerar esses dois suportes fundamentais da nossa Fé – a oração litúrgica e a Palavra de Deus – com suas implicações na nossa vida de relação social, da qual os mandamentos são importante pauta reguladora.
Celebramos este III Domingo da Quaresma, acompanhando a viagem do Papa Francisco ao Iraque. E queremos acompanhá-lo sobretudo com a nossa oração, confiando-o à proteção divina e também com atenção às orientações que ele vai dando, com as suas intervenções, não só à população desta nação mártir, mas também a todos nós, à Igreja e ao mundo.
2. No centro da Liturgia de hoje está o Evangelho da purificação do Templo.
Jesus chegou à cidade de Jerusalém para a Festa da Páscoa, com a consciência - que aliás já tinha revelado aos discípulos – de que esta ia ser a Páscoa do Seu Sacrifício pessoal para redenção da Humanidade.
Entrou no Templo e viu-o transformado em lugar de comércio.
Ora, segundo o costume protegido pela lei, este era um comércio legítimo; pois para a Festa da Páscoa vinham judeus de todas as partes do mundo e era necessário garantir-lhes principalmente dois serviços – o câmbio de moeda e a venda de animais para os sacrifícios. Mais ainda, este lugar de comércio não coincidia com o Templo propriamente dito, onde se celebrava o culto, mas era o átrio, “pátio dos gentios”, onde podia entrar qualquer pessoa, mesmo os pagãos.
Apesar de tudo, Jesus interrompe este comércio, expulsa os vendedores, deita por terra as mesas dos cambistas e coloca fora todos os produtos das vendas, com a afirmação clara e irredutível – “Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio”.
Este gesto profético impressionou os discípulos, que, de imediato procuraram explicação no Salmo 69, 10, onde se diz – “devora-me o zelo pela tua casa”.
Por sua vez, os judeus, e porventura alguns daqueles comerciantes, também conheciam essa passagem. Por isso, perguntam a Jesus com que autoridade fazia isto, pedindo-lhe um sinal.
O único sinal que Ele dá é o da Sua Morte e Ressurreição, que os judeus em geral não compreenderam, obviamente e os discípulos só compreenderam mais tarde, após os acontecimentos da Ressurreição.
É verdade que os milagres de Jesus lhe continuavam a aumentar a popularidade e muitos eram os que vinham ao seu encontro.
Mas, diz o texto bíblico que Jesus não se fiava neles; e tinha razão, a avaliar pelo que se passou no Domingo de Ramos e depois em Sexta-feira Santa.
3. Para os Judeus, o Templo era a instituição e o lugar do culto devido a Deus.
E para nós hoje onde está esse lugar?
Com certeza que também precisamos de espaços físicos, nas nossas Igrejas, mas o verdadeiro Templo é cada um de nós e são as nossas comunidades. Aí é que se realiza o verdadeiro culto.
Por isso, o gesto purificador de Jesus é também aviso a todos nós para que saibamos preparar o melhor possível as nossas vidas para serem digna habitação de Deus. Somos, de facto, Templo de Deus, Templo do Espírito Santo, o que é uma dignidade, mas também grande responsabilidade.
E, por isso, hoje é dia de avaliarmos como estamos a cumprir a nossa responsabilidade de cristãos, diante da pauta dos dez mandamentos que o Livro do Êxodo nos apresenta. Está em causa interrogarmo-nos, em verdadeiro exame de consciência, sobre os nossos deveres para com Deus, sobretudo quanto ao verdadeiro culto que lhe é devido, e sobre os nossos deveres para com os irmãos, o respeito que lhes devemos e sobretudo a compaixão que nos é pedida para os que mais sofrem.
Como sabemos, Jesus resume os mandamentos em dois – amor a Deus e aos irmãos. E traduz de várias maneiras o amor que nos é recomendado, seja nas bem-aventuranças, seja nas parábolas e outras recomendações.
4. A viagem que o Papa Francisco está a fazer ao Iraque é mais uma forma de atualizarmos para nós e também para a sociedade os grandes valores enunciados nos dez mandamentos.
- Na verdade, o Papa leva consigo o desejo de se fazer próximo ao Povo mártir do Iraque. Também nos interpela a todos nós para estarmos mais próximos e atentos uns aos outros, nestes tempos difíceis da pandemia.
- Nós estamos atentos à sua mensagem, com o propósito de levar por diante o diálogo inter-religioso, principalmente entre as três religiões ditas abraâmicas, porque têm na figura de Abraão a sua referência fundante.
- Por sua vez, a vontade de fazer memória de tantos que foram sacrificados pelo terrorismo e pela intolerância, nos próprios lugares do seu martírio, é igualmente forma de nos dizer a nós e ao mundo que há caminhos proibidos que todos temos de evitar, procurando outros mais indicados para conduzir ao respeito mútuo, à verdadeira cooperação e à fraternidade.
Continuamos a rezar pelo melhor êxito desta viagem papal, há tanto tempo desejada, que foi programada e preparada com grande entusiasmo e que, de facto, está a mexer com os líderes políticos e religiosos, com a população daquele país mártir, apontando novos rumos de reconciliação e construção da paz. E que o mundo todo também saiba aprender esta lição.
Uma lição que não está baseada tanto nos saberes e nas técnicas em que a modernidade abunda, mas na lição vinda da Pessoa de Jesus; e Jesus crucificado, como lembra S. Paulo, que é escândalo para os judeus e loucura para os gentios. O Papa Francisco vai ao Iraque para apresentar a sabedoria desta loucura de um homem. Jesus que fez da cruz o trono da sua glória e do serviço a toda a Humanidade e faz da fraqueza com que se apresenta, sem os instrumentos comuns do poder, o grande trunfo do seu projeto de vida nova para toda a sociedade.
5. Dissemos que também para nós o culto, sobretudo na Liturgia, e a Palavra de Deus são os dois grandes pilares da nossa vida de Fé e da nossa identidade de discípulos de Cristo. E para o melhor aproveitamento destes dois pilares, o Domingo, Dia do Senhor, é fundamental. É o dia da Eucaristia, é o Dia da Igreja, é o Dia da Família, enfim, é o Dia para vivermos a grande novidade que Jesus Cristo e o Evangelho nos inspiram.
Tradicionalmente, nas sociedades ocidentais, o Domingo é respeitado como dia em que cada um desliga do seu trabalho habitual para se dedicar a outras preocupações, incluindo o cumprimento dos deveres religiosos.
Todavia, as novas formas de organizar o trabalho, incluindo as atuais recomendações do tele-trabalho ou do trabalho a partir de casa, além de outras, como a invasão que as superfícies comerciais, desde há muito, fazem de todos os tempos, estão a criar dificuldades ao respeito pelo domingo.
Vemos, por isso, como muito oportuno o pedido conjunto dos Bispos da Europa ( COMECE ) e da Aliança Europeia a favor do Domingo feito à Comissão Europeia, cuja presidência neste momento está em Portugal, para regulamentar a Carta Social da mesma Comunidade Europeia, em dois pontos:
1º) Sabendo que a Carta Social da Comunidade Europeia prevê um dia completo de descanso semanal para cada cidadão, que esse dia seja comum para todos, com as inevitáveis exceções, logicamente.
2º) Atendendo à tradição da história e da cultura da Europa, que esse dia comum para todos poderem descansar, para todos poderem desconetar do trabalho, seja o Domingo.
Desejamos que este domingo, o primeiro do núcleo central da Quaresma, e os dois que se lhe seguem sejam bem aproveitados para revermos a nossa identidade de discípulos de Cristo, à luz da Palavra de Deus.
7.3.2021
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda