IV Domingo da Quaresma
- Celebramos hoje o IV Domingo da Quaresma, tradicionalmente chamado Domingo da Alegria, porque anuncia a proximidade da Páscoa.
E esta é uma alegria que brota do coração convertido ao Senhor nosso Deus, do seu amor e a Sua misericórdia sem limites.
Vivemos este domingo ainda sujeitos às limitações do confinamento obrigatório, mas já na esperança de podermos viver as celebrações pascais em assembleia, embora com todas a cautelas que os riscos da pandemia nos continuam a impor. Louvemos o Senhor por podermos regressar às nossas assembleias litúrgicas, sobretudo as dominicais, ao mesmo tempo que lhe pedimos o Seu conforto para todos, mas principalmente para aqueles que mais estão a sofrer por causa da pandemia, ou porque perderam algum familiar ou por outra razão.
- Neste domingo, que é o segundo dos três domingos que fazem o núcleo central da Quaresma, a Palavra de Deus convida-nos a rever as formas como valorizamos ou não o dom da Fé recebido, de graça no Batismo.
E o modelo que nos é apresentado de quem procura o encontro com Deus e o experimenta na luz da Fé, sempre misturada com alguma obscuridade, é Nicodemos.
Nicodemos vai ter com Jesus de noite, certamente porque teve algum receio de não ser compreendido pelos amigos, mas também porque as trevas e a escuridão são símbolos bíblicos para designar a incredulidade, sobretudo daqueles que procuram a Fé, como é este o caso.
No seu diálogo com Jesus, começa por uma certeza, ao afirmar – “Sabemos que vens da parte de Deus como Mestre”. Mas logo a seguir, à medida que o diálogo avança, a certeza vai-se desfazendo e começa a surpresa das novas dimensões da verdade do Mistério de Deus reveladas na Pessoa e nas Palavras de Jesus.
Desfazem-se em Nicodemos as verdades sem discussão e aparecem os contornos da Verdade do Mistério de Deus e da nova luz que Ele projeta na nossa vida e na vida do mundo.
Instala-se mesmo alguma confusão no espírito de Nicodemos, que pergunta: Mas afinal que é isso de vida nova e do novo nascimento? Temos que nascer outra vez do ventre da nossa mãe, mesmo sendo já velhos? E quando Jesus lhe fala do Espírito Santo e da Sua obra na nossa vida e na vida do mundo, fica-se com a pergunta - mas como é isso?
Também Maria Santíssima perguntou ao Anjo, na Anunciação: como é isso, se eu não conheço homem? Sempre, no processo da Fé, a interrogação e a dúvida foram etapas necessárias.
Com estes avanços e recuos no caminho para Deus, Nicodemos vai dando passos rumo à novidade da Fé.
E essa novidade está na aceitação do escândalo da cruz, como nos diz o Evangelho de hoje.
Para lhe explicar a razão e o sentido da Cruz, Jesus vai buscar a passagem bíblica do Livro dos Números 21, 1-9, onde se relata o episódio da serpente de bronze e com o qual se diz que o remédio para curar o veneno da serpente é a mesma serpente levantada sobre o poste.
Também Jesus, com a sua morte na Cruz, destrói a nossa morte e transmite-nos a vida nova no Espírito. Revela-nos o amor e a misericórdia sem limites do próprio Deus por nós. E este amor fica bem sublinhado quando Jesus diz a Nicodemos – “Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu próprio e único Filho”.
Por isso, como continua a passagem bíblica de S.João, Deus não quer condenar o mundo, mas salvá-lo. Salva-se quem acredita; só se condena quem não acredita.
E mais uma vez, Jesus volta a explicar o sentido da Fé, do que significa acreditar. De facto, trata-se de uma luz nova que nos ilumina por dentro para termos uma outra compreensão da nossa vida e da vida do mundo. É uma luz que mostra o valor das obras boas, mas também denuncia as más. É, por isso, intolerável quem prefere as trevas à luz para continuar a praticar as obras más. E o pior não é tanto praticar obras más, pois isso acontece infelizmente muitas vezes com todos nós; o pior é amar as trevas, ou seja, procurar fazer passar por verdade e bem aquilo que é mal e mentira.
As últimas palavras de Jesus, no diálogo com Nicodemos, são consoladoras e alentadoras para quem deseja fazer caminho de Fé. Diz Ele: quem pratica a verdade aproxima-se da luz, porque se sente bem com ela. E nós sabemos que esta luz tem um nome – é a Pessoa de Jesus.
- Agora quando temos no horizonte a festa da Páscoa, vivemos este Domingo da Alegria no desejo de fazermos crescer, cada vez com mais entusiasmo, a nossa relação com Jesus, na Fé.
Nos últimos dois dias (sexta-feira e sábado) fomos convidados a viver as 24 horas para o Senhor, uma iniciativa que nos tem sido recomendada nas últimas quaresmas para revermos a nossa relação com Ele.
E de facto nós precisamos de conversão contínua. Para isso, é preciso regressar constantemente à revisão da nossa vida diante de Deus e da Sua Palavra.
Como sabemos, sempre a Quaresma foi tempo especialmente apropriado para a celebração do Sacramento da Penitência ou da Reconciliação e assim, experimentarmos o amor misericordioso de Deus que passa por este Sacramento.
E a Cruz é a expressão máxima deste amor misericordioso. Ora, estes tempos que imediatamente nos preparam para as celebrações pascais também nos convidam a fazer revisão das nossas vidas diante do mistério de Cristo e do excesso de amor que a Cruz representa. Não teremos, este ano ainda, as tradicionais procissões dos Passos, nem a do Enterro do Senhor, nem outras representações populares da Paixão de Cristo a que estávamos habituados.
Mas nem por isso deixa de ser importante e necessário, nesta preparação imediata do Tríduo Pascal e do Mistério que nele, se celebra, voltarmo-nos mais insistentemente para a Cruz de Cristo e para a redenção que ela representa para nós e para toda a Humanidade. E temos formas de o fazer, desde o exercício da Via-Sacra, à leitura meditada do relato bíblico da Paixão de Cristo e mesmo outras formas que podem passar por dar atenção à mensagem de muitas obras de arte sobre este assunto.
Que a figura de S.José, cuja festa vamos celebrar esta semana, nos ensine a viver, como ele viveu, a vigilância ativa sobre nós próprios e também na atenção àqueles que são o nosso próximo e dos quais temos o dever de cuidar, como Deus cuida de todos nós.
14.3.2021
+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda