SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO
ORDENAÇÕES
1.Celebramos hoje a Solenidade da Imaculada Conceição de Maria Santíssima, invocada com este título como Padroeira do Reino de Portugal, desde o ano de 1640.
A partir do Santuário Real de Vila Viçosa estendeu-se a todo o Reino de Portugal a afirmação do Mistério da Imaculada e confiaram-se aos seus cuidados os destinos da Nação Portuguesa. O próprio rei D. João IV tomou a iniciativa de retirar de si mesmo a coroa real para a entregar à Imaculada. Essa foi uma decisão solene das cortes do Reino e desde então se foram multiplicando pelas nossas cidades e aldeias e lugares especialmente atraentes pela sua beleza ou situação privilegiada Igrejas e Capelas com esta invocação.
A Universidade de Coimbra, única então existente em Portugal, introduziu este privilégio mariano na Profissão de Fé anual dos seus professores e assim a Nação Portuguesa antecipava em mais de dois séculos a definição solene do dogma da Imaculada em 8 de dezembro de 1854.
Está em causa com este dogma e invocação mariana afirmar, em absoluto, que Maria Santíssima, contrariamente ao que acontece com o comum dos mortais, goza do privilégio de ser isenta de pecado desde o primeiro momento da sua existência, desde a sua conceição.
2.Este dogma mariano coloca-nos perante o conflito entre duas leis - a lei do pecado e a lei da graça.
Da lei do pecado fala-nos hoje a primeira leitura tirada do Livro do Génesis.
Dela faz parte que o pecado entrou no mundo desde o início da existência da Humanidade. Homens e mulheres deixaram-se levar pelo canto da sereia representado na serpente e desobedeceram à lei introduzida pelo criador na realidade do mundo e sobretudo nas consciências das pessoas. Multiplicaram-se, ao longo da história, as explicações e as desculpas para esta realidade do mal no mundo e na vida das pessoas e o Livro do Génesis também nos apresenta a sua versão. Segundo ela, o próprio Deus vem ao encontro do ser humano pecador, chama-o à responsabilidade e, no horizonte, coloca a esperança da vitória da graça sobre o pecado, através daquela mulher que esmaga a cabeça da serpente.
Esta mulher sempre a tradição cristã a identificou com. a Mãe de Jesus e n´Eeste a vitória decisiva da graça sobre o pecado. Em Cristo, de facto, a lei do pecado é substituída pela lei da graça.
Desta nova lei nos fala o Evangelho de hoje, com o diálogo entre Maria e o Anjo Gabriel.
“Avé, ó cheia de Graça” é a saudação surpresa do Anjo completada com a notícia que se segue – “O Senhor está contigo”.
A perturbação de Maria é natural, algo esperado, o que justifica a continuação do Anjo S. Gabriel – “Não temas Maria, porque achaste graça diante de Deus; conceberás e darás à luz um Filho a quem porás o nome de Jesus”.
E a perturbação de Maria alivia-se, agora com o pedido de explicação – “Como será isso se eu não conheço homem?”.
E o Anjo explica – “O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra”.
A lei da graça entra, assim, decisivamente na vida de Maria Santíssima, que, através do Anjo se deixa envolver totalmente nela e coloca a sua vida sem reservas nas mãos de Deus – “Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa Palavra”.
3.Tiago David e Fábio Pontífice, esta é também a resposta que Deus espera de vós, a partir de agora no exercício do Ministério Ordenado de Diáconos. Hoje sois ordenados para o serviço, indicado na palavra diácono; para o serviço de Deus e da Sua Igreja.
Esse serviço é o serviço da Palavra, o serviço do altar e o serviço da caridade.
O serviço da Palavra, para além da escuta atenta da Palavra de Deus, escutada, lida, proclamada e meditada em circunstâncias variadas, pede-vos empenho especial para a formação na Fé das pessoas de todas as idades; para fazer o primeiro anúncio do Evangelho na circunstâncias que hoje o recomendam; para acompanhar, com formação e aconselhamento, as pessoas que nos procuram.
Pelo serviço do altar pertence-vos acompanhar o Bispo e os outros sacerdotes na Celebrações da Eucaristia e outras, mas também presidir às orações da comunidade, celebrar o Baptismo, assistir ao Matrimónio e abençoá-lo, levar o Viático aos moribundos e presidir às exéquias.
O serviço da caridade, de facto na origem do reconhecimento deste Ministério Ordenado na vida da Igreja, sois, a partir de hoje, chamados a exercê-lo com o especial mandato de Cristo e da Igreja. Cuidar dos pobres e, em geral, dos mais necessitados será sempre o critério primeiro da avaliação que temos de saber fazer de nós próprios e das comunidades que nos propomos servir. E é também o grande sinal de credibilidade que temos para nos apresentar diante do mundo, no cumprimento da missão de discípulos de Cristo.
À nossa frente está o exemplo do Senhor Jesus Cristo, Ele que veio não para ser servido, mas para servir. Como ele procedeu, também vós deveis proceder. Foi sempre assim que Ele se apresentou e continua a apresentar aos seus discípulos, como servo de todos.
Procurai, portanto, sobretudo a partir de agora, como diáconos, cumprir, de todo o coração e com amor, a vontade de Deus, para serviço da Sua Igreja e dos irmãos. E como ninguém pode servir a dois senhores, procurai sempre eliminar da vossa vida todas e quaisquer formas de impureza e de apego ao dinheiro.
Entre as promessas que fazeis nesta Ordenação está a promessa do celibato por amor do Reino de Deus; promessa que é, ao mesmo tempo, sinal e estímulo da caridade pastoral e fonte de genuína fecundidade no serviço da Igreja e do mundo. Por ele cada um de vós unir-se-á mais perfeitamente a Cristo, com coração indiviso e, em perfeita liberdade, ficará mais capaz de seguir mais de perto o Senhor Jesus, entregando-se à obra da regeneração sobrenatural na Igreja e no mundo.
Ressoem em cada um de vós, especialmente a partir do dia de hoje, aquelas palavras com que, no último dia, o Senhor vos deseja confortar, dizendo-vos – “Servo bom e fiel entra na alegria do teu Senhor”.
4.Ides viver o Ministério de Diáconos, que o senhor hoje vos confere, através da imposição das minhas mãos, em circunstâncias da atualidade algo adversas e especialmente exigentes.
O mundo atual, em sua condição de laicidade, muitas vezes agressiva e intolerante para com a Igreja e as suas expressões de Fé, está postado em interpelá-la e a desafiá-la sobre a fidelidade aos grandes valores que lhe pertence viver e anunciar em nome de Cristo e do seu Evangelho.
Aponta-lhe o dedo, obrigando-a a reconhecer os seus erros e a procurar caminhos novos de correção fraterna e indicadores de novo compromisso com os grandes valores que é suposto serem os seus. E é obrigação nossa interpretar estas interpelações recorrentes como chamada de Deus à purificação e ao reajustamento com a missão evangélica para que estamos mandatados.
O caminho sinodal que nos está proposto para fazermos conjuntamente discernimento sobre a nossa vida pessoal e das nossas comunidades e serviços é oportunidade soberana para tentarmos dar resposta a interpelações como estas. O mundo quer ver na Igreja e em todos os seus membros uma vida de total transparência quanto ao Evangelho, Boa Nova que, por missão, anunciamos e investiga as nossas contradições pessoais e da Instituição.
E nós temos obrigação de sentir tudo isto como Palavra de Deus que nos interpela para o aprofundamento constante da nossa fidelidade. E enquanto ministros ordenados, em qualquer dos três graus deste Sacramento da Ordem , temos responsabilidades acrescidas no que respeita a responder a estas e outras interpelações que o mundo continua a fazer à Igreja.
Estamos cá para viver a missão que nos é confiada em constante procura das melhores respostas que havemos de saber dar às diferentes interpelações que nos vêm quer de fora, da sociedade em geral quer de dentro, isto é da própria Igreja e do Evangelho, sempre com o desejo de reajustarmos mais e mais a nossa vida pessoal e a comunitária aos ideais evangélicos e procurando em cada tempo e lugar dar razões da nossa esperança.
Que o Senho r Jesus e Sua Mãe Maria Santíssima, a Senhora da Imaculada Conceição, estejam sempre connosco e nos acompanhem.
8.12.2021
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda