1.1.2022
Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus
Dia Mundial das Paz
Neste primeiro dia do ano, celebramos a solenidade de Santa Maria Mãe de Deus e celebramos também, pela 55ª vez, o Dia Mundial da Paz. Desde o Papa S. Paulo VI que, neste primeiro dia do ano, a Igreja implora ao Senhor da História o supremo bem da paz e ousa pedir à Humanidade que procure os melhores caminhos para lá chegar.
O Evangelho de hoje, retirado de S. Lucas, coloca-nos diante da Santa Mãe de Deus, Maria Santíssima, na atitude de quem contempla o maravilhoso mistério daquele seu Filho Jesus deitado na manjedoira.
Chegam os pastores felizes e também maravilhados, que não perderam tempo depois da notícia que o anjo lhes trouxe e ainda envolvidos no coro celeste que entoava o glória a Deus nas alturas e na terra paz aos homens, hino de festa pelo nascimento de Deus. Correram apressadamente e depressa identificaram o menino Deus com o sinal que o anjo lhes deu. E de imediato espalharam a notícia, de tal maneira que todos os que os ouviam ficavam admirados.
Ora, Maria, ao presenciar todos estes acontecimentos, guardava-os em seu coração e meditava-os. E certamente que, na sua meditação revisitava a Anunciação do Anjo e o convite que ele lhe fez, como embaixador de Deus, para ser a mãe do salvador; meditava todo o peso do seu sim a este convite, incluindo as dificuldades que ele implicava e daí a pergunta que também fez. E igualmente relembrava a tranquilidade e segurança interior que sentiu ao dizer a Deus através do anjo – Eis a escrava do Senhor faça-se em mim segundo a tua vontade.
Mas agora a contemplação de Maria centrava-se naquele Menino, seu Filho, que a cidade tinha rejeitado e por isso se obrigara a deitá-lo na manjedoira. Via nele o Salvador, o Filho do Altíssimo, como lhe revelara o Anjo, o Senhor do Mundo.
De facto, o encontro da grandeza de Deus com a pobreza, a simplicidade e a fragilidade de uma criança, como qualquer outra, é mistério que nunca meditamos demais para dele tirar consequências práticas como Maria as tirou.
Os pastores que conheciam bem este ambiente dos animais e do presépio, embora surpreendidos por ser este o lugar escolhido por Deus para entrar no mundo, esses regressaram todos felizes, louvando a Deus.
De facto, este Menino, que é Deus e Senhor do Mundo, quis sujeitar-se à lei geral de todos nós para, a partir de dentro, mudar a nossa condição e orientá-la pelos caminhos da Salvação. Também por isso, aos oito dias, como era de lei, sujeitou-se à circuncisão e recebeu o nome de Jesus, que o anjo tinha indicado.
S. Paulo, na carta aos Gálatas hoje lida, sublinha o facto de Deus Pai enviar ao mundo o Seu Filho, o Seu único Filho, nascido de uma mãe, como acontece com todos os seres humanos, sujeito à lei. E assim nos libertou para a condição de filhos de Deus, como, de facto, o somos, podendo chamar-lhe nosso Pai.
Este é o Mistério daquele Menino que Maria meditava em seu coração e nós hoje nos sentimos interpelados para continuar a mesma meditação diante do Presépio.
Celebramos hoje também, mais uma vez, o Dia Mundial da Paz.
E a Palavra de Deus que escutámos inclui a paz entre os grandes bens que a bênção de Deus nos concede. A oração pronunciada por Aarão sobre o Povo tem toda a atualidade. De facto, este bem suprema da paz é dom de Deus, que, todavia não dispensa a nossa colaboração.
A paz tem hoje o novo nome que o Papa Paulo VI lhe atribuiu e é desenvolvimento integral. Por sua vez, o atual Papa veio, na sua mensagem para este Dia Mundial da Paz, lembrar três condições indispensáveis para se conseguir chegar à paz duradoira, tão desejada por todos e absolutamente necessária para as pessoas e para as comunidades.
Essas três condições são o diálogo intergeracional, a educação e o trabalho digno.
Para haver desenvolvimento verdadeiro, é necessária a colaboração de todos e, por isso, a experiência dos mais adiantados na idade precisa de ser bem conjugada com a força e a criatividade dos mais novos para termos pessoas felizes e sociedades com a devida coesão.
É verdade que o progresso tecnológico, de alguma maneira, separou as gerações, porque os mais novos tiveram e têm sempre mais capacidade de nele se inserirem e o aproveitarem. Basta ver a facilidade com que eles manejam as máquinas e, quantas vezes, em substituição das mais elementares relações humanas.
Mas também não é menos verdade que as crises, e temos agora o exemplo da pandemia, vieram dizer-nos que cada um nunca se pode salvar sozinho e, por isso, só caminhos de solidariedade e cooperação nos podem garantir futuro digno e sustentável.
Por isso, só com o diálogo e a cooperação entre todos, e sobretudo entre as distintas gerações, podemos conseguir o desejado equilíbrio, que garante a paz.
Por sua vez, e como nos lembra o Papa Francisco na sua mensagem para este Dia Mundial da Paz, a educação será sempre o insubstituível motor da paz. Por isso, os gastos com a educação precisam de ser considerados mais como investimento do que despesa. Trata-se de investir em pessoas cujas capacidades, se bem desenvolvidas, são a única garantia de virmos a ter uma vida pessoal e em sociedade que realmente satisfaz.
Daí a necessidade complementar de sabermos todos promover a cultura do cuidado, pela qual as pessoas cuidam bem umas das outras, oferecendo a cada uma as respostas que a sua situação requer.
Para isso precisamos de desenvolver um novo modelo de cultura alicerçada no chamado pacto educativo global, em que é preciso empenhar todos os agentes que têm responsabilidade no processo educativo, como são logicamente as escolas e as universidades, mas também e antes delas as famílias e a seguir, com elas, as várias instituições, as religiões, os governantes, numa palavra, a Humanidade inteira, com todas as forças ativas que a compõem.
Temos de saber acabar com muitas situações em que uns educam e outros deseducam, sem que às gerações mais novas lhes seja garantido o direito fundamental a uma educação integral e coerente que os ajude a desenvolver todas as suas capacidades, e de forma equilibrada, em ordem a poderem tomar as decisões certas no momento certo, que farão deles adultos responsáveis pela condução da sua vida pessoal e da sociedade que os integra.
Tenha-se em conta que o objetivo primeiro da educação não é treinar as pessoas para determinados desempenhos na vida em sociedade, à maneira do que se faz com os robots.
Não, porque educar é formar pessoas maduras, capazes de fazer escolhas acertadas e conduzi-las a bom termo.
O mundo do trabalho é outro fator do qual depende, em larga medida, a construção da paz. Pelo trabalho cada indivíduo realiza-se a si próprio, desenvolvendo as suas capacidades e pondo-as a funcionar; mas também estabelece relações de cooperação com os outros, participando na aventura comum de construir um mundo cada vez mais habitável e belo.
Claro que este ideal de trabalho confronta-se com mil dificuldades, muitas delas impostas pelas crises, como atualmente está a acontecer com a pandemia.
Lembramos aqui o grande número de empresas que não resistiram e fecharam, os trabalhos precários, o teletrabalho e a formação à distância que não tiveram os resultados pretendidos. E se pensarmos na chamada economia informal daqueles que desenvolvem atividade sem qualquer reconhecimento e proteção social, então o desastre é ainda maior.
Acrescentamos a dificuldade já bem visível de a aplicação de tecnologias avançadas estar a afastar as pessoas do trabalho, substituindo-as por máquinas, o que não pode considerar-se progresso, mas antes prejuízo para o bem estar das pessoas e ameaça para coesão social. Tudo isto nos conduz ao espetro da convulsão social, que necessariamente ameaça a paz.
Estamos todos de acordo em que o mundo do trabalho tem a sua complexidade e precisa de ser bem organizado e tutelado por leis justas que contemplem por um lado a criação de riqueza e depois a sua justa distribuição, a começar pela devida retribuição a quem trabalha e o faz com responsabilidade.
Por isso, esta é a hora de apelarmos aos legisladores, mas também aso formadores e depois aos governantes para que se possam conseguir condições de trabalho digno e sustentável para todos. Pois sabemos que sem tralho a pessoa, de facto, fica à margem da vida em sociedade e entra assim no número dos marginais, situação que é sempre indesejável.
Neste 55º Dia Mundial da Paz, pedimos a bênção de Deus para a quantos, através do diálogo e da cooperação intergeracional, através de programas e sistemas sérios de ação educativa e de trabalho digno e responsável, se esforçam por abrir os caminhos da paz, sem a qual não podemos viver.
1.1.2022
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda