Quinta-Feira Santa - Comemoração da Última Ceia
Homilia de D. Manuel Felício, na Sé da Guarda
Iniciamos a celebração do Tríduo Pascal, que é como que um único dia continuado. Começa com a Eucaristia comemorativa da Última Ceia e termina com a Eucaristia Pascal da Ressurreição. Pelo meio fica, amanhã, a comemoração da Paixão e Morte de Cristo.
Aqui e agora estamos a comemorar o acontecimento da Última Ceia.
Jesus, sabendo que se aproximava a sua Hora, a Hora da Cruz, reuniu os discípulos mais próximos numa refeição de festa.
Também era a refeição ritual da Páscoa que o Povo Judeu celebrava anualmente para fazer memória da libertação do Egipto.
Jesus parte dessa tradição e liga-lhe o testamento do mandamento novo simbolizado no gesto do Lava-Pés; institui o memorial da sua Paixão, Morte e Ressurreição ligado com o Pão e o vinho transformados no seu Corpo e Sangue e cria o Sacerdócio da Nova Aliança, quando confere aos seus discípulos ali presentes o mandato do “Fazei isto em memória de mim”.
E agora nós queremos transportar-nos àquela sala de cima, no Cenáculo, que Jesus mandou preparar com sinais de festa para acolher os doze com o Mestre e juntos celebrarem antecipadamente a grande novidade que o mesmo Jesus, com sua Morte e Ressurreição, ia introduzir na história do mundo.
O Livro do Êxodo apresenta-nos o ritual da Páscoa Judaica. Havia o cordeiro ou o cabrito que devia ser consumido por inteiro naquela noite para recordar que também na primeira Páscoa, noite da saída do Egipto, o sangue com que estavam marcadas as ombreiras das portas das famílias judias lhes poupou os seus primogénitos.
Por outro lado, a I Carta de S. Paulo aos Coríntios diz-nos o que aconteceu de novo naquela Ceia Pascal.
Jesus tomou o Pão, pronunciou a bênção e disse “Isto é o meu corpo entregue por vós”. Depois tomou o cálice que já fazia parte do ritual e transformou, com as palavras pronunciadas, o vinho no Seu Sangue.
Acrescentou o mandato do “Fazei isto em memória de mim” e explicou o sentido deste novo pão e deste novo vinho assim: “Todas as vezes que comerdes deste pão e deste vinho anunciareis a morte do Senhor até que ele venha”.
Por sua vez, o Evangelho de hoje, segundo S. João, ao relatar a atitude surpreendente de Jesus que, de toalha à cintura, se ajoelha diante de cada um dos apóstolos para lhes lavar os pés, diz-nos que a Eucaristia não é apenas presença real de Jesus no meio de nós. É também compromisso de cada um de nós no serviço que ele quer continuar a prestar, particularmente aos que mais precisam.
Claro que este gesto de Jesus não foi, de imediato, compreendido e aceite pelos discípulos. Pedro começou por se opor, mas Jesus não desistiu de levar este propósito até ao fim e explicou-lho assim: “Se eu que sou mestre vos lavei os pés também vós deveis fazer o mesmo. Dei-vos o exemplo, como eu fiz fazei vós também”.
É por isso que se chama à Eucaristia Sacramento da Caridade. De facto, nela se manifesta o amor maior; esse amor maior que leva a dar a vida pelos amigos como o fez Jesus.
Por sua vez, a conversão do Pão e do Vinho introduziu na criação o princípio de uma mudança radical – uma espécie de fissura nuclear- que abre caminho para nova criação.
Também celebramos nesta Eucaristia comemorativa da Última Ceia a instituição do Sacerdócio da Nova Aliança ligado às palavras do mandato de Jesus – “Fazei isto em memória de mim” - duas vezes pronunciadas por Ele. É por isso que a espiritualidade dos nossos padres, que esta manhã reunimos em solene Concelebração, tem de ser eminentemente uma espiritualidade eucarística. Sabemos que só com a mediação do sacerdote pode haver Eucaristia com a comunidade reunida sob presidência do mesmo sacerdote que atua em nome de Cristo cabeça do seu Povo.
Todo o Povo Cristão vive da Eucaristia, principalmente a Eucaristia Dominical. Desde a Igreja primitiva vem-nos a convicção e a prática de que o Domingo é por excelência o dia da Eucaristia. Por isso somos desde então convidados a viver a Eucaristia “segundo o domingo”. Isto quer dizer que como o Domingo lembra a Ressurreição de Cristo no primeiro dia da semana, também a Eucaristia torna presente o dinamismo de Cristo Ressuscitado e aplica-o à transformação do mundo, a começar pela vida das comunidades que a celebram. Ela é, de facto, a novidade radical trazida por Jesus e o Domingo está sempre ligado a essa novidade mesmo quando não é possível celebrar a Eucaristia. É por isso que, quando não há Eucaristia, continua a obrigação de celebrar o Domingo, quer com a assembleia reunida sob presidência de um diácono quer com outro ministro devidamente mandatado, como é o caso dos coordenadores das assembleias dominicais na ausência do Presbítero.
A presença real de Jesus no meio de nós acontece na celebração da Eucaristia, mas prolonga-se para além dela. Daí a importância da Adoração Eucarística e do próprio Sacrário nas nossas Igrejas.
No final desta celebração, a Procissão Eucarística que vamos fazer lembra-nos também esta importante dimensão da Fé no Mistério da Eucaristia, que, por graça de Deus, tem forte implantação na vida das nossas comunidades e daí o “Lausperene” com distribuição e dias marcados por todas as nossas paróquias, ao longo do ano.
Louvemos o Senhor e peçamos a graça de fazer da Eucaristia em que participamos, sobretudo ao Domingo, a grande força de renovação da nossa vida pessoal e das nossas comunidades.
+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda