Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus 2023

Homilia de D. Manuel Felício, Bispo da Guarda

1 de janeiro de 2023

 

Homilia de D. Manuel Felício, Bispo da Guarda

 

1.Hoje é dia de ação de graças pelo ano que ontem terminou. Foi um grande dom de Deus pra progredirmos na prática do bem, no nosso crescimento material e espiritual e no contributo que pudemos dar para a crescente humanização da sociedade em geral.

Recebemos também a notícia do falecimento do Papa Bento XVI, que foi um presente de Deus para a Igreja e para o mundo. Agradecemo-lo e confiamo-lo ao Amor e à Misericórdia de Deus.

 

O ano que ontem terminou trouxe-nos algumas dificuldades com que não contávamos. A mais notada foi a guerra na Europa que desequilibrou muito vida das pessoas e das sociedades. E os efeitos desta instabilidade sentiram-nos especialmente os mais débeis, os mais pobres.

 

Para a Igreja em Portugal foi um ano vivido na preocupação por responder ao apelo do Papa para vivermos em caminhada sinodal. Nós diocese da Guarda encerrámos a primeira etapa desse esforço no dia 30 de abril, com uma celebração na Sé e a elaboração do respetivo relatório que entregámos na Conferência Episcopal. Essa caminhada não terminou, pois queremos continuá-la, quer introduzindo o espirito sinodal em todos os nossos trabalhos pastorais quer acompanhando a preparação imediata dos dois sínodos sobre o mesmo assunto que temos à nossa frentes, em 2023 e 2024.

 

Vivemos também o ano de 2022 já muito voltados para a preparação da Jornada Mundial da Juventude marcada para agosto de 2023. A passagem dos símbolos pela nossa Diocese, nos meses de março e abril, foi grande apelo para todos nos empenharmos nessa preparação. A cruz e o ícone das Jornadas chegaram no dia 5 de março, a partir de Castelo Branco e entregámo-los a Viseu no dia 3 de abril. Passaram por todos os arciprestados onde tiveram acolhimento muito significativo e eu próprio pude marcar presença em todos eles com celebrações e outros eventos.

Foi, sem dúvida, um tempo de graça que queremos agradecer ao Senhor.

Agora temos à nossa frente a Jornada propriamente dita que se realizará em Lisboa, mas também nas diferentes dioceses, como acontecerá na  nossa, durante a semana anterior. Estamos a preparar-nos para receber jovens vindos de várias partes do mundo, que vão passar connosco uma semana, trazendo-nos a riqueza da sua experiência humana e de Fé e esperando de nós a legítima retribuição com os bens igualmente da nossa Fé, mas também das nossas tradições e da nossa cultura.

 

Por estas e muitas outras razões, o dia de hoje é para olhar em frente, com renovada esperança, porque o novo ano aí está, desafiando-nos a meter pés ao caminho,  rumo ao futuro novo que a Fé nos inspira e as sociedade necessitam.

 

2.Celebramos hoje  a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus. Por isso, queremos confiar à sua proteção, de modo especial, o novo ano e todos os projetos que temos em agenda.

A palavra de Deus começa por nos falar, no Livro dos Números, sobre a bênção do mesmo Deus, que sempre nos protege e quer que a sua luz seja refletida, quanto possível,  nas nossas vidas e em tudo o que fazemos. E o grande presente que essa bênção representa é a paz. Assim nós saibamos acolher bem este dom que é determinante para a vida em sociedade, para que as relações entre as pessoas sejam sempre de bem estar e reconfortantes.

 

Ora, nós sabemos que a bênção de Deus tem um nome. É Jesus, nascido de Maria, portanto de uma mulher, como o comum de todas as crianças, sujeito à lei e à condição humana como a conhecemos e vivemos.  E foi assim que Ele inaugurou a plenitude dos tempos e nos conquistou o direito a sermos chamados filhos de Deus, em vez de escravos, por virtude da luz e da força do Espírito Santo, pelo qual podemos chamar a Deus Pai, como rezamos no Pai Nosso.

 

O Evangelho de hoje conduz-nos de novo ao Presépio de Belém. E aí encontramos os pastores, felizes e entusiasmados, a adorar o Menino, que encontram deitado na manjedoira, como o Anjo lhes tinha anunciado. Contam espontaneamente esta notícia do Anjo e regressam mais entusiasmados ainda para espalharem esta Boa Nova. E Maria, diz S. Lucas, conservava todas estas coisas em seu coração, meditando-as.

É assim toda a ação missionária que, de facto, nos implica a todos e cada um de nós. Depois de fazermos a experiência do encontro com o Senhor, como os pastores, sentimos que temos de a comunicar aos outros.

 

3.Hoje é também o Dia Mundial da Paz, o que acontece ininterruptamente desde há 56 anos.

A paz é um dom, mas exige a colaboração de todos, pelo que queremos viver esta celebração, com muita esperança e aprendendo o mais possível com os acontecimentos do passado recente.

Assim e em primeiro lugar, queremos aprender as lições que nos deixou a pandemia, a qual, de facto, nos paralisou durante pelo menos dois anos. Mas também nos lembrou caminhos novos que temos de ousar percorrer.

Assim, ensinou-nos que ninguém pode salvar-se sozinho. E reconhecemos agora  que foram muitas as solidariedades que se criaram ou reforçaram durante esta crise. Isso aconteceu no mundo da saúde, mas também no esforço quer os responsáveis fizeram, a começar pelos políticos, para acompanharam e regularem as várias situações que nos iam surpreendendo.

Também revelou fragilidades, algumas de há muito instaladas nas relações entre pessoas e grupos, como as grandes desigualdades ou a crescente solidão de muitas pessoas, com indicadores cada vez mais preocupante.

Fomos, por isso, desafiados a estar cada vez mais próximos uns dos outros para nos acompanharmos o melhor possível.

Reforçámos a convicção de que a cultura da proximidade e do acompanhamento temos de a promover cada vez mais.

 

Sabendo nós que de nenhuma crise saímos iguais, ou saímos melhores ou piores, é bom perguntar-nos agora sobre o que nos ensinou a pandemia.

Na realidade, ela lembrou-nos que precisamos todos uns dos outros e que o maior tesouro que temos para defender e promover é a fraternidade. Daí a importância do título que o Papa Francisco deu a uma das suas mais recentes encíclicas- “Todos irmãos (Fratelli tutti)”.

Também aprendemos a reconhecer os limites do progresso e da tecnologia, e da própria globalização, embora sabendo que daí podemos tirar bom partido para promover o bem global das pessoas.

Se não, vejamos.

Quando os contactos estavam limitados e algumas vezes proibidos, foram as tecnologias da comunicação que nos permitiram não parar e, particularmente, estar ao lado dos mais sós e abandonados, como os idosos e os pobres.

 

Mas quando pensávamos ter ultrapassado a grande crise da pandemia, eis que nos surge uma nova desgraça, que assolou e continua a assustar a Europa e o mundo – o flagelo da Guerra. A guerra está, de facto, a ser uma nova pandemia, com a diferença de que a primeira não dependeu das opções humanas, mas esta sim, depende de opções gravemente culpáveis que estão a fazer estragos terríveis na vida das pessoas, mais direta ou menos diretamente.

Para a  primeira pandemia os laboratórios descobriram o antídoto da vacina mais ou menos eficaz.

Para esta pandemia a única vacina possível é a mudança dos corações e dos sentimentos das pessoas, sobretudo a conversão dos governantes e outros senhores do mundo, para bem das pessoas. Desta pandemia ninguém sai vencedor, por isso é preciso que ela termine quanto antes.

Rezamos para que, ao longo deste novo ano, sejam dados os passos necessários para lhe pôr termo.

 

Pedimos também a graça de saber investir, ao longo do novo ano, todas as nossas energias em caminhos de bem estar para todas as pessoas .

Esses caminhos passam obviamente  por procurar garantir saúde para todos, por promover o diálogo e a concertação entre as partes em conflito para que as guerras acabem. Passam também por criar hábitos de cuidar bem da nossa casa comum, que é a natureza e os seus ambientes; passam  por ações concertadas de luta contra a pobreza e as desigualdades gritantes, que persistem nas nossas sociedades. Por sua vez, o trabalho é um bem essencial que precisa de cuidado prioritário.

Também a globalização e o fenómenos persistente dos migrantes e refugiados continua a ser grande desafio para o novo ano.

 

Ao iniciá-lo, perante este e outros problemas que continuam a afetar profundamente a vida das pessoas, queremos pedir a graça de crescer nas atitudes de solidariedade e reforçada atenção aos outros, sempre  inspirados no amor infinito de Deus que, de facto não tem fronteiras.

É para estes e outros objetivos de verdadeira humanização que queremos caminhar juntos, ao longo do novo ano e canalizar para eles as energias que nos vêm da Fé.

Com a bênção de Deus e a proteção de Maria Santíssima, que hoje invocamos com o título de Mãe de Deus, vamos aproveitar cada dia deste ano para construir a paz verdadeira e levar novas razões de esperança a quem as não tem ou as tem muito diminuídas.

Que este ano venha repleto das bênçãos de Deus para todos nós e nossas famílias.

 

1 de janeiro de 2023

 

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda