Aniversário da Liga dos Servos de Jesus
Homilia da Missa - Outeiro de São Miguel
A Liga dos Servos de Jesus celebra hoje o seu aniversário, com 100 anos menos um. Por isso, naturalmente vivemos o dia de hoje a pensar no centenário e nas interpelações que dele nos vêm.
A Palavra de Deus que acabámos de escutar diz-nos para que servem os mandamentos e, em geral, as leis, tanto eclesiásticas como civis.
Perguntamo-nos, assim, sobre como se devem entender a lei de Deus, a lei natural, as leis eclesiásticas e as leis civis.
Ora, o Livro do Eclesiástico, também chamado Ben Sirá, começa por nos colocar diante de escolhas que todos os dias temos de fazer. E a primeira de todas é escolher entre a vida e a morte; mas é também entre os instrumentos que promovem a vida e aqueles que promovem a morte, como é o caso da água e do fogo.
Ficamos a saber que as nossas escolhas serão tanto mais acertadas quanto mais as fizermos na fidelidade ao pensamento de Deus e àquilo que Ele realmente quer de nós.
Ele, de facto, conhece-nos melhor do que cada um de nós se conhece a si mesmo. E como Criador e Pai, nunca nos manda fazer o mal ou cometer o pecado.
Por isso, quanto mais formos capazes de discernir bem a vontade de Deus tanto mais teremos condições para acertar nas nossas escolhas.
Claro que o discernimento sobre o que Deus pensa e quer de cada um de nós exige sabedoria. E uma sabedoria que não pode ser apenas a dos livros ou a do mundo.
S. Paulo fala-nos hoje de uma sabedoria nova, que não é deste mundo, nem dos príncipes ou senhores deste mundo, cujas decisões são sempre passageiras e se tornam prejudiciais se não respeitarem os valores autenticamente humanos e humanizantes que Deus pensou e quer ver aplicados por todos os seus filhos. Esta sabedoria nova, como insiste Paulo, é misteriosa e está oculta desde o princípio do mundo, mas, nos últimos tempos, que também são os nossos, revelou-a na Pessoa de Seu Filho Jesus e pela luz do Espírito Santo.
É essa sabedoria que nos leva a perscrutar, no pensamento de Deus, o verdadeiro sentido da vida, que vivemos no tempo, mas o seu horizonte é a eternidade; uma eternidade da bem-aventurança, que nem os olhos viram, nem os ouvidos escutaram, nem jamais passou pelo pensamento humano o que Deus preparou para aqueles que o amam – diz S. Paulo.
Contamos com essa mesma sabedoria para entender o que é a Lei de Deus traduzida nos mandamentos como também na lei natural, ao alcance de todas as consciências, e ainda nas leis eclesiásticas e civis.
Jesus diz-nos hoje, no Evangelho segundo S. Mateus, que não vem para anular a Lei recebida da sua Tradição Judaica, mas sim para a levar ao pleno cumprimento. E de tal maneira que nem uma simples letra ou o mais pequeno sinal dessa Lei ficarão sem efeito.
E é tanto mais importante esta Palavra esclarecedora de Jesus quanto sabemos, pelos mesmos Evangelhos, que o mesmo Jesus escandalizou algumas vezes os doutores da lei com atitudes que tomou. E porquê?
Porque toda a lei é instrumento para promover a vida e os seus valores. Como tal, a letra da lei precisa de ser completada pelo espírito da lei para estar sempre do lado da vida e dos seus valores. Caso contrário, a lei transforma-se em legalismo contra o qual Jesus se insurge, porque separa os preceitos dos bens e dos valores que devem ser defendidos.
É por isso, que, fiel ao pleno cumprimento da Lei, Jesus, no Evangelho que hoje escutámos, nos diz que matar não é só tirar a vida física, mas é também tudo o que atenta contra a vida e sua dignidade, como é o caso da difamação. O adultério não é só a relação imoral, mas começa nos próprios pensamentos e desejos; por sua vez, os atos religiosos formais, como era o caso dos sacrifícios da antiga Lei; se não forem acompanhados das boas relações e da reconciliação, não têm valor e tornam-se prejudiciais.
Hoje a Liga dos Servos de Jesus, celebra, o seu aniversário; aniversário que é precisamente aquele que precede a festa do centenário.
Queremos, por isso, ao longo de todo este ano, voltar à originalidade do carisma que nos foi legado pelo Fundador, o Venerável Servo de Deus D. João de Oliveira Matos.
Da natureza deste nosso carisma, conforme o traduziu para nós o Fundador, fazem parte:
- Uma espiritualidade fortemente eucarística, incluindo tempo de adoração solene do SS. mo Sacramento;
- O espírito de conversão e reparação de tantos males que se praticam na Igreja e no mundo;
- A aposta na formação da Fé, através da catequese e outras formas de levar ao Povo de Deus o alimento da sua Palavra;
- A maior sintonia com as preocupações da Igreja, em comunhão com a hierarquia localmente expressa na Pessoa do Bispo Diocesano e dos Padres deste Presbitério;
- Ajudar as pessoas em geral a encontrar caminhos para chegar até Deus e fortalecerem as relações entre si;
- Os retiros espalhados pela Diocese, assim como os centros de espiritualidade, uns mais estáveis do que outros, mas sempre com a finalidade de acolher e orientar as pessoas, foram dos principais meios experimentados pelo Fundador e fazem, por isso, parte do seu legado.
-Por sua vez, algumas pessoas apaixonaram-se pelo carisma, desde a primeira hora, procurando viver mais intensamente a caridade de Cristo, segundo o modelo da Igreja primitiva. E, de facto, foram-se tornando fermento ativo da renovação da Fé, segundo a divisa do Fundador – “É preciso que Ele reine”.
E nós continuamos a precisar deste carisma confiado à Liga dos Servos de Jesus, cuja atualidade é evidente, sobretudo quando procura o ideal da perfeição cristã vivido à maneira dos primeiros discípulos, como nos relata o livro dos Atos dos Apóstolos.
Segundo as indicações do Fundador, pede-se às pessoas que se entreguem generosamente à prática da humildade e da obediência; da mortificação e do desprendimento; da partilha de bens, da pureza interior e da caridade.
Pede-se-lhes o serviço da reparação e do desagravo das ofensas contra Deus; o que só se consegue através do reforço da união com a Pessoa de Jesus, no dia a dia das nossas vidas, nos trabalhos e nos sofrimentos e sobretudo na oração reparadora e na adoração eucarística.
Pede-nos ainda o nosso carisma para cumprirmos bem os deveres de estado, na consciência de que assim somos colaboradores de Deus, na construção de Igreja e de uma sociedade cada vez mais humanizada.
Faz parte do nosso carisma também o dever do apostolado. Longe de nos isolarmos no aconchego do nosso conforto pessoal e mesmo das nossas comunidades, o carisma manda-nos sair ao encontro das pessoas e das comunidades para lhes levar o conforto de Deus, da sua Palavra e da relação com Ele.
E as formas em que se há-de traduzir o nosso apostolado continuam a ser os retiros espirituais, as missões, a colaboração com os sacerdotes e outros servidores das comunidades cristãs, a preocupação com as vocações sacerdotais e outras de especial consagração.
De facto, todos estes continuam a ser bens essenciais para a vida da Igreja e da própria sociedade. E as pessoas em geral precisam de quem as ajude e descobri-los, a experimentá-los, a amá-los e a vivê-los até às últimas consequências.
Nesta que é a última data de aniversário antes de celebrarmos os 100 anos, queremos pedir ao Senhor a graça da clarividência para sabermos discernir bem a vontade de Deus sobre as nossas vidas pessoais e as nossas comunidades, sobre as novas formas de vivermos o carisma para serviço da Igreja e da própria sociedade, incluindo as várias atividades que a Liga dos Servos de Jesus desenvolve através do Instituto de S. Miguel.
Que a preparação do centenário seja oportunidade bem aproveitada para todos abraçarmos o carisma com novo entusiasmo e também o sabermos atualizar naquilo que o estão a pedir as atuais circunstâncias da Igreja e do mundo.
Confiamos hoje a preparação do nosso centenário, particularmente à nossa Mãe e Padroeira, a Virgem Maria, senhora da Imaculada Conceição; e também aos nossos outros advogados e protetores junto de Deus, S. José, S. Miguel Arcanjo, Santa Teresinha do Menino Jesus e Santo António.
Outeiro de S. Miguel, 11 de Fevereiro de 2023
+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda