Quarta-Feira de Cinzas 2023

Quarta-Feira de Cinzas

22.2.2023

 

Homilia

 

Iniciamos hoje a nossa caminhada quaresmal, que, ao longo dos próximos 40 dias, nos prepara para celebrar a Páscoa de Cristo e, com Ele, também a nossa Páscoa.

 

Mais uma vez, a Quaresma vai-nos pedir mudança de vida, a começar pela mudança de mentalidade e do coração, com efeitos nos nossos comportamentos e das nossas comunidades.

 

O gesto simbólico da imposição das cinzas que hoje vamos cumprir, por um lado, diz o que nós somos – vimos do pó da terra e para lá voltaremos; por outro lado, faz-nos reconhecer que, só por nossas forças, não podemos realizar o sonho de Deus a nosso respeito, mas podemo-lo pelo caminho da conversão e da abertura à intervenção do mesmo Deus na nossa vida. É esse o sentido das palavras que acompanham a imposição das cinzas – “Arrependei-vos e acreditai no Evangelho”.

 

A Palavra de Deus que acabámos de escutar, e que também dá o tom aos 40 dias desta Quaresma, faz-nos forte apelo à conversão.

“Convertei-vos a mim de todo o coração”. Este vem do próprio Deus dirigido a cada um de nós, através do Profeta. E acrescenta que a conversão não se pode ficar por exterioridades, mas tem de atingir o coração e partir sempre de lá. É esse o sentido da expressão forte que também acabámos der ouvir – “Rasgai os vossos corações”.

Por sua vez, há uma certeza que o Profeta também nos lembra, ao dizer que a conversão encontra sempre bom acolhimento da parte de Deus, que é clemente e compassivo, paciente e cheio de compaixão.

 

S. Paulo diz-nos, na II Coríntios, que este é o tempo favorável, é o tempo da salvação. E nós queremos aproveitá-lo da melhor maneira para nos reconciliarmos com Deus, o que só é possível, abrindo caminho para a nossa reconciliação com os irmãos.

Ora, para possibilitar esta conversão, que envolve o abandono do pecado e refazer a relação de amor com Deus, Ele mesmo nos enviou o seu próprio e único Filho, Jesus Cristo, que assumiu a nossa condição de pecadores, com todas as consequências. Por isso, nos impressiona a expressão forte de que Deus o fez pecado por causa de nós, para nos tornarmos justiça de Deus, no dizer de S. Paulo.

 

Este tempo especialmente favorável, este tempo de salvação que é a Quaresma continua a propor-nos os meios tradicionais para fazermos o nosso caminho de conversão, que são a esmola, a oração mais intensa e o jejum.

S. Mateus, no Evangelho de hoje, faz-nos recomendações práticas sobre as formas como os devemos cumprir.

Assim, não saiba a mão esquerda o que faz a tua direita, quando dás esmola, porque só de Deus Pai, que vê no segredo, deves esperar recompensa.

E também, “Entra no teu quarto, fecha a porta e ora a Deus no segredo. E Ele, que vê no segredo, conceder-te-á o que precisas”

Ou então, “Quando jejuares, que os homens não percebam que jejuas. Basta que o saiba o Pai que está no Céu”.

 

O que está em causa, nesta Quaresma, é darmos passos consistentes no caminho da nossa conversão pessoal a Deus e aos irmãos.

Este é o tal tempo favorável para identificarmos e reconhecermos os nossos pecados, fazermos penitência e, quanto possível, repararmos os seus efeitos desastrosos em nós e nos outros e na vida da própria sociedade.

Neste processo de conversão, que tem de começar pelo reconhecimento dos nossos pecados, conta principalmente a luz que nos vem da Palavra de Deus. Ela vai-nos conduzir, durante a Quaresma, ao cerne da nossa identidade cristã.

Ora, o encontro com a Palavra de Deus e  o aproveitamento da luz que dela nos vem para orientar as nossas vidas e das nossas comunidades não podem ser obra individual de cada um e cada uma  de nós, sem mais.

Só em caminhada conjunta o podemos fazer, com bons resultados; e referimo-nos àquela caminhada sinodal que nos continua a ser pedida, com propostas concretas, como são as da nossa Comissão Sinodal Diocesana. De facto, só escutando-nos uns aos outros é que podemos escutar a voz de Deus e também o gritp dos que mais sofrem no nosso mundo.

Deus vai deixando os seus sinais na Igreja e no mundo e quer que nós saibamos identificá-los – os sinais dos tempos – e compreender as indicações que deles nos vêm. E isso só o podemos conseguir no diálogo e na escuta uns dos outros, a começar pelos grupos dos que mais de perto colaboram na pastoral das comunidades.

 

Começamos esta Quaresma, depois de, na semana passada, a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica portuguesa ter publicado o seu relatório final, após um ano de trabalho.

Por este estudo, fica confirmado que, ao longo dos últimos 70 anos, houve, em Portugal, casos de abusos e que pessoas concretas continuam a sofrer os seus efeitos.

Nós pedimos perdão pelos crimes praticados, partilhamos a dor dos que sofrem os seus efeitos e manifestamos a nossa vontade de os ajudar, através dos meios possíveis e adaptados a cada caso.

Para isso, temos, para já, a nossa Comissão Diocesana de Proteção de Menores e Vulneráveis pronta, e com linha aberta de contactos que são públicos, para acolher quem desejar contactá-la e encon­trar, em cada caso, as melhores formas de acompanhamento e de fazer a sanação mais ajustada.

 

 Vamos viver esta Quaresma, que desde já agradecemos a Deus, com vontade de abandoar todas as situações de pecado e progredir no amor a Deus e no cuidado dos irmãos, a começar pelos mais frágeis.

Como indicámos na Mensagem para a Quaresma, são eles os destinatários da renúncia quaresmal deste ano.

A terminar, pedimos a bênção de Deus e o estímulo da nossa Mãe Maria Santíssima e de todos os santos, com o seu exemplo e a sua intercessão, para fazermos, com bons resultados, este caminho quaresmal.

 

22.2.2023

 

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda