Terceiro Domingo da Quaresma 2023

III Domingo da Quaresma

12-3-2023

 

Jesus e a Samaritana

A surpresa e a novidade do encontro

 

Entramos na parte central da Quaresma.

E durante estes próximos três domingos e semanas correspon­dentes somos convidados a rever a nossa identidade de discípulos de Cristo, diante das promessas do nosso Batismo, que muitos de nós, talvez na maior parte, de facto não fizemos diretamente, porque éramos crianças, mas nelas fomos substituídos pelos nossos pais e padrinhos.

Agora somos nós que temos de dar razões da nossa Fé e da nossa Esperança. Isto também para que, com verdade, possamos renová-las na Vigília Pascal.

 

Hoje a catequese bíblica da Samaritana convida-nos a pensar tam­bém no nosso encontro com a Pessoa de Cristo.

De facto, nós vemo-nos representados naquela mulher, porque também procuramos matar a sede de Deus, como ela.

Assim, de surpresa em surpresa, ela descobre quem é Jesus e essa descoberta modifica a sua vida. E não podendo reservar só para si essa surpresa, vai contá-la às gentes da sua terra, as quais acaba­ram por confirmar por si mesmas quem é Jesus, o Messias espe­rado.

Se não vejamos.

A Samaritana vem ao Poço de Jacob buscar água, a uma hora pouco recomendável, que era o pino do calor.

Fica surpreendida com a presença deste homem, que para mais era estrangeiro e até inimigo, pois os samaritanos não se davam com os judeus.

A surpresa sobe de tom, quando o mesmo lhe promete a outra água, que mata a sede de uma vez para sempre.

E não lhe faltou o sinal para ir descobrindo que Jesus era alguém diferente, um profeta pelo menos,  talvez o Messias prometido.

E chegou o momento de Jesus se revelar por inteiro, dizendo “O Messias é aquele que está a falar contigo”.

 

Uma vez descoberta a identidade de Jesus e experimentada a novidade da salvação que Ele traz, a mulher não guarda só para si esta descoberta e esta sua experiência verdadeiramente transfor­ma­dora, mas vai anunciá-la às suas gentes que, com a companhia de Jesus durante dois dias, confirmaram por si mesmas a notícia da Samaritana.

E os apóstolos também foram surpreendidos pelo mesmo diálogo de Jesus com uma mulher, ainda por cima estrangeira e de um povo inimigo. Jesus aproveita para os catequizar sobre o que é mais importante; neste caso, o alimento novo que é fazer a vontade de Deus.

Faz com os discípulos coisa semelhante àquela que tinha feito com a Samaritana, quando lhe explica que os verdadeiros adora­dores não precisam de lugar especial para a adoração, poas adoram em espírito e verdade

 

Este núcleo central da Quaresma, que hoje começa, é o tempo favorável para cada um de nós rever também a sua relação com Jesus.

Ao fazê-lo, queremos reviver a surpresa do encontro com Ele, que a Samaritana experimentou. Como ela, continuamos à procura de algo que nos faz falta. Mas o risco é concentrar o nosso desejo na água do Poço de Jacob, quando o que nos faz falta é a água viva a que Jesus se refere no diálogo com a Samaritana. É aí que tem de estar concentrado o essencial da nossa procura, nessa água que mata a sede de uma vez para sempre.

Este discurso de Jesus lembra-nos a água que saiu do Seu lado aberto, no alto da Cruz; essa fonte de onde nasceu a Igreja e os Sacramentos, a começar pelo Sacramento do Baptismo e o da Eucaristia.

 

Somos convidados a voltar-nos para o essencial em tempos de crise, como aqueles que a Igreja em Portugal está a viver.

Ora, a crise é sempre convite a crivar o conjunto da nossa vida pessoal e comunitária, para distinguir o que é bom do que é mau. E de acordo com a nossa experiência, esta separação entre o que devemos conservar e valorizar e o que devemos deitar fora na nossa vida e na vida da sociedade, não se faz sem custos e algum sofrimento. E o sofrimento, como nos lembra hoje a passagem do Êxodo, em que o Povo se revoltou contra Deus, muitas vezes, é mau conselheiro.

Queremos, por isso, de olhos fixos na Paixão de Cristo, assumir e dar o sentido devido ao sofrimento que as circunstâncias nos impõem.

O relato bíblico da Samaritana pede-nos discernimento na procura do essencial de tal modo que sejamos capazes de nos libertar de muitas coisas que são dispensáveis.

O facto, porém, é que, muitas vezes, a sua atração seduz e prende-nos, ao ponto de sacrificar a nossa liberdade. Neste ponto é bom lembrar aquele filósofo da antiguidade, que, diante das muitas ofertas do mercado, desabafou assim – “Tanta coisa de que não preciso”.

E conquistamos a nossa liberdade diante de muitas coisas dispensáveis quanto mais deixarmos que a solidariedade tome conta da nossa vida. De facto, não somos donos de nada, mas simplesmente administradores daquilo que o criador criou para nós e para todos.

Hoje encerramos a Semana Nacional da Caritas, que nos convidou a dar espaço na nossa vida e nas nossas preocupações, aos que mais sofrem a falta do essencial. Ora, Caritas lembra-nos a urgência de os tratarmos como pessoas, às quais queremos garantir o necessário, com a nossa partilha solidária em seu favor. E fazemo-lo na certeza que Paulo hoje nos lembra, na carta aos Romanos, de que o amor de Deus foi derramado em nossos corações. É urgente que este amor passe dos corações às atitudes, neste caso à prática da partilha solidária com os irmãos mais necessitados. E assim experimentamos a certeza de que só o amor transforma.

 

12.3.2023

 

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda