
A JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
Acontecimento que pede processo de renovação
Portugal viveu, na semana passada, a 40ª Jornada Mundial da Juventude, evento que ultrapassou as melhores expetativas. E o Papa Francisco, no final, agradeceu à cidade de Lisboa, que qualificou como cidade dos sonhos, pela oferta de fraternidade, a alegria do encontro que ele viveu com tantos jovens e os sinais de que o encontro também aconteceu nos mesmos jovens entre si e com a Pessoa de Jesus.
De facto, os jovens presentes nesta JMJ, vindos de todos os países menos um, impressionaram Portugal e o mundo, graças também ao poder dos meios de comunicação social.
Houve sinais de que tanto crentes como não crentes ficaram profundamente tocados pelas palavras do Papa.
Ficam na nossa memória palavras ditas em Fátima de que a Igreja é como a capelinha, sempre de portas abertas, onde todos podem entrar para serem acompanhados, como a mãe sabe acompanhar os seus filhos. Já antes, na cerimónia de abertura, no Parque Eduardo VII, o Papa insistira em que a mensagem do Evangelho é para todos sem exceção. E desafiou a multidão a repetir com ele este “todos, todos, todos”.
Quando o interpelaram, na conferência de imprensa dada a bordo do avião que o conduzia no regresso a Roma, sobre se este “todos” tem alguma condição, ele explicou que a porta está sempre aberta para todos, mas cada um, com o devido acompanhamento, irá descobrindo que a Igreja tem regras, as quais pretendem orientar cada pessoa pelos caminhos da sua realização e da construção da comunidade. Insistiu também em que é dever da Igreja ir ao encontro das pessoas, nas suas situações e necessidades concretas, não se podendo limitar a esperar por elas.
Logo no discurso da abertura, dirigido à classe política e à sociedade civil, começou por interpelar a Europa, da qual nós também fazemos parte, sobre a sua identidade e lembrou as obrigação fundamental de tudo fazer para garantir o direito à vida e o acolhimento para todos, referindo expressamente a eutanásia e o aborto e continuando pelos dramas dos migrantes e refugiados. Será que o desenvolvimento tecnológico se há-de garantir, com sacrifício da vida humana?- perguntou. E a pergunta aí fica nos ouvidos de todos e para reflexão de cada um.
É de registar que o Papa trouxe para este seu discurso importantes referências da identidade nacional e das tradições portuguesas, como são a aventura dos descobrimentos, Fernando Pessoa ou a Amália Rodrigues, a qual teve um dos seus fados executado na cerimónia de acolhimento, a que ele presidiu. Também muito nos alegrou ver a presença e a atuação, neste evento, do grupo de bombos do Fundão, que ali se deslocou acompanhado pelo seu Presidente da Câmara
Os mundos da cultura e da ação social estiveram também na agenda do Papa.
Assim, no encontro que realizou com estudantes, na Universidade Católica, deixou apelo para que, também entre nós, se possa dar cumprimento à proposta que ele mesmo fez, em 2020, denominada Pacto Educativo Global. Trata-se de um processo no qual se procura o envolvimento de todos os agentes com responsabilidade na educação das gerações mais jovens, desde a família à escola, passando pelas instituições sociais, com destaque para os mass media, até às religiões.
Por sua vez e na área da ação social, de visita ao Centro Paroquial da Serafina, o Papa apelou à Igreja e à sociedade no seu todo para responderem às urgências da pobreza e da marginalidade.
Na nossa memória ficaram as suas palavras desafiantes, convidando a não termos nojo dos pobres e dos doentes. E acrescentou que o amor, quando é concreto e verdadeiro, suja mesmo as mãos.
Falando, em discurso breve, como foi sempre a tónica das suas intervenções, na celebração da Via -Sacra, depois de lembrar que vamos reviver o caminho de Jesus para a cruz, insistiu em que “amar é arriscar” e, por isso, há que correr o risco de amar até ao fim.
Na Vigília, contou o adágio do alpinista, em que se diz – “O importante não é não cair, mas sim não permanecer caído”. Por isso e a propósito, continuou dizendo que, quando qualquer pessoa cai, é preciso que haja quem a levante e o olhar de quem levanta é a única situação em que se permite olhar alguém de cima para baixo.
Lembrou aos jovens presentes as raízes da alegria e, a propósito, o lugar e a função de pais, avós, amigos, sacerdotes, catequistas e outros e fez-lhes a interpelação direta – quereis guardar a alegria só para vós ou também levá-la aos outros? E a resposta do sim não se fez esperar.
A todos impressionou o tempo prolongado de silêncio que a multidão dos jovens presentes foi capaz de guardar, quer na celebração da Via-Sacra, quer na Vigília.
E quando lhe perguntaram porque deixava o papel de lado para improvisar, em muitas das suas comunicações, ele adiantou que os jovens têm pouco tempo para dar atenção. Por isso, é preciso ir ao essencial, sem rodeios.
Invocando situações que são bem caraterísticas do que é viver em Portugal, foi buscar o exemplo das ondas alterosas da Nazaré para convidar os jovens a serem surfistas do amor, e a manterem-se nas ondas do amor.
Um assunto que o Papa não podia deixar de abordar foi o dos abusos. Por isso, logo no dia da chegada, lembrou a Bispos, Padres, Religiosos e outros agentes da pastoral que “o escândalo nos convida a fazer o caminho da purificação”. Logo a seguir, recebeu 13 vítimas de abusos, ouvindo cada um individualmente e pedindo-lhes desculpa, em seu nome e em nome da Igreja. Interpelado sobre o assunto, na conferência de imprensa que deu no regresso a Roma, disse que é sempre muito doloroso tratar este tema; que acompanhou e acompanha os procedimentos da Igreja em Portugal e considera que vão na direção certa. Insistiu ainda em que queremos uma Igreja segura e, por isso, temos de continuar com tolerância zero, em matéria de abusos.
A terminar, o Papa agradeceu a experiência destes 5 dias em Portugal e repetiu que se sentia impressionado com a multidão dos jovens presentes, incluindo os 25 mil voluntários, com os quais teve o último encontro, antes de regressar a Roma.
A cidade da alegria, com vários stands a apresentarem os distintos carismas existentes na Igreja, o parque do perdão, com os confessionários ao ar livre e a capela anexa, convidando ao recolhimento e à oração vão também ficar como importantes lembranças simbólicas desta JMJ.
Este foi o evento.
A nós, agora, pertence transformá-lo em processo de acolhimento e acompanhamento dos nossos jovens, que, em Portugal, se confrontam com dificuldades específicas. Basta falar na precaridade do emprego e nas diferenças salariais em relação à média europeia, o que gera a tentação de emigrar.
Mas a tradução do Evangelho para a vida e o mundo de hoje continua a ser o grande desafio colocado á Igreja, a que esta jornada Mundial da Juventude já começou a responder.
7.8.2023
+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda