Solenidade da Dedicação da catedral - Homilia

DEDICAÇÃP DA CATEDRAL

22 de outubro de 2023

 

Homilia

 

Sr. D. António Moiteiro, Sr. D. António Luciano;

Senhores Padres concelebrantes e Diáconos;

Membros do Conselho Pastoral Diocesano e do Conselho Diocesano Assuntos Económicos;

Irmãs e irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo:

 

Celebramos a Solenidade da Dedicação da nossa Catedral e com ela queremos marcar o ritmo da vida desta Diocese da Guarda.

Na verdade, os cinco séculos de história que esta catedral transporta consigo lembram-nos os mais de mil anos vividos pela Diocese da Guarda, com suas comunidades paroquiais e outras instituições. Mas, mais do que isso, motivam-nos para prosseguirmos no cumprimento da missão evangelizadora que nos está confiada enquanto discípulos do grande Mestre Jesus Cristo.

Reune-nos, hoje e aqui, o propósito de tudo fazermos para que o novo ano pastoral que estamos a iniciar seja mais um ano de resposta ao cumprimento da missão evangelizadora que define a nossa identidade cristã e também o propósito de que esta missão seja cumprida a partir da comunhão com a Pessoa de Cristo e com efeitos na comunhão de todos nós uns com os outros, sempre à procura de sabermos o que de novo nos é pedido para traçarmos bem os caminhos da Fé no presente e no futuro. Deus diz-nos, de facto, quais são esses caminhos que devemos percorrer, mas di-lo sempre através da escuta mútua que constitui o passo decisivo para a caminhada sinodal que o Papa Francisco insistentemente nos vem recomendando e agora o Sínodo sobre a sinodalidade reunido em Roma vem reforçar. Por isso convidamos toda a Diocese, no nosso programa pastoral deste ano, para a caminhada conjunta rumo à meta de virmos a ser uma Igreja sinodal, convite esse que nos faz a carta pastoral que introduz o programa deste ano 2023-24.

Já tivemos oportunidade de confiar à proteção de Nossa Senhora este ano pastoral, na peregrinação diocesana que realizámos a Fátima, como também procurámos levar o seu programa às comunidades através de reuniões arciprestais. Hoje queremos pedir ao Senhor uma bênção especial para todas as nossas iniciativas e trabalhos deste ano 2023-24 sabendo nós que o importante é acertar bem o passo com a Pessoa de Jesus para podermos servir o melhor possível o mundo que Ele nos manda evangelizar.

 

 

As leituras bíblicas de hoje começam por nos apontar a centralidade da Palavra de Deus na nossa vida e na vida das nossas comunidades.

Assim, a leitura abundante e prolongada que o sacerdote Esdras faz da Palavra de Deus diante da assembleia reunida, à qual se associa a explicação dos levitas, não deixou o Povo de Deus indiferente, porque, como diz o texto, todos choravam ao escutar as palavras da Lei. E certamente que este choro representava o propósito da conversão e a sua natural consequência, que é a “alegria no Senhor” referida na conclusão da primeira leitura.

Ora, nós sabemos que, quando a Palavra de Deus penetra, de verdade, nos nossos corações produz a Fé; e a Fé constitui, na verdade, o grande dom de Deus, absolutamente gratuito, porque, como aconteceu com o Apóstolo Pedro, cabeça do colégio dos 12, ela não deriva da carne nem do sangue, mas somente do Pai que está no Céu. Mas também é verdade que o facto de ser dom gratuito, portanto, sem depender da nossa iniciativa, não nos retira a obrigação e a responsabilidade de o acolher bem e de criarmos condições para que ele cresça e dê bons frutos em nós mesmos e nos outros. E aqui assenta a responsabilidade evangelizadora e missionária que a todos nos compromete.

 

De responsabilidade missionária nos fala também o dia de hoje, o Dia Mundial das missões, que se cumpre sempre no penúltimo domingo de outubro. E mais uma vez, o Papa Francisco, na mensagem para este dia mundial das missões, nos convida a revisitar o episódio bíblico dos discípulos de Emaús, para aí encontrarmos a força inspiradora da missão.

Hoje rezamos especialmente por aqueles que decidem entregar a sua vida por inteiro ao serviço da missão, saindo dos seus ambientes para ir ao encontro de situações novas e geralmente difíceis, sempre na mira de levar Jesus Cristo a novos mundos.

Para eles vai hoje a nossa oração e também a partilha do nosso ofertório.

 

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Na celebração de hoje também quero incluir a ação de graças por dois acontecimentos que marcam não só a minha vida pessoal, mas também a vida da Igreja e da própria sociedade de que fazemos parte.

 Refiro-me ao duplo aniversário que ontem se cumpriu, a saber o aniversário da minha ordenação sacerdotal e também o aniversário da publicação da minha nomeação episcopal. E é a esta que especialmente agora me quero referir.

Fui nomeado Bispo Bispo titular de Aqua Flavia (Chaves) e Auxiliar do Patriarcado de Lisboa, fez ontem 21 anos. Menos de três anos depois, estava na Guarda como Bispo coadjutor do Sr. D. António dos Santos.

Desejo, agora, convosco e no meio de vós, agradecer ao Senhor este duplo voto de confiança. Reconheço o bem que Ele realizou na Igreja e na sociedade através deste duplo voto de confiança, como também reconheço, diante d´Ele e diante de vós, as minhas muitas limitações e sobretudo as faltas mais graves que terão certamente impedido a manifestação, em maior abundância, da sua bondade e da sua misericórdia.

Hoje, quero especialmente revisitar estes quase 19 anos em que estou mandatado para exercer o ministério episcopal na Diocese da Guarda.

Cheguei à Diocese, como disse, como Bispo Coadjutor no impedimento do Sr. D. António dos Santos por razões de falta de saúde.

A minha primeira preocupação foi conhecer os sacerdotes e desloquei-me diariamente ao encontro de cada um deles, durante as primeiras semanas, por sinal nos dias frios de janeiro em que saía e entrava em casa com temperaturas negativas, coisa que praticamente não voltou a acontecer.

A seguir decidi-me pelo trabalho das visitas pastorais, inspirado no modelo que nos deixou o Venerável Servo de Deus, Sr. D. João de Oliveira Matos. E, de facto, percorri a Diocese, durante seis anos, visitando cada uma das paróquias, com suas povoações anexas e diferentes lugares de culto. Estas visitas eram organizadas por arciprestado, que então eram em número de quinze. Durante a semana deslocava-me aos lugares, falava com as pessoas, contactava com as instituições paroquiais e também da sociedade civil, reunia com os mais diretos colaboradores do respetivo Pároco, para identificarmos as linhas de ação pastoral para o futuro, que se impunham. E no domingo seguinte voltava à Paróquia para encerrar a visita pastoral, fazendo a leitura do registo escrito sobre o percurso realizado ao longo da semana. Este registo, tipo ata, ficou no arquivo da Paróquia e também na Diocese. Geralmente no final da visita pastoral realizada ao conjunto das paróquias do mesmo arciprestado fazia um encontro com representantes paroquiais e também outros de instituições civis onde se procuraram definir caminhos a percorrer, o que também ficou registado por escrito.

 

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Depois deste tempo prolongado de contacto direto com a realidade das paróquias e das instituições diocesanas e também com muitos aspetos da sociedade civil, colocou-se-me a pergunta sobre se era este o momento de convocar um sínodo diocesano, muito recomendado pelas orientações do Vaticano II e tendo em conta que as dioceses à nossa volta ou estavam em sínodo ou já o tinham concluído.

Entendi que não era ainda o momento indicado para lançar a Diocese por este caminho, mas que devíamos ensaiar uma experiência sinodal, que pudesse preparar devidamente a Diocese para a realização do Sínodo Diocesano.

E foi por isso que, já em 2013, anunciámos a realização de uma assembleia diocesana de representantes, que quisemos preparar durante 3 anos, começando a sua preparação em 2014 para terminar em 2017. Com essa finalidade realizámos encontros por paróquias e conjuntos de paróquias confiadas a cada Pároco, em toda a Diocese.

Em 2017, convocámos e realizámos a Assembleia Diocesana de representantes, em três sessões, cada uma das quais votou e aprovou as suas proposições, que, no conjunto, somaram 33.

No ano seguinte, essas 33 proposições foram compendiadas em seis grandes orientações pastorais, na carta pastoral denominada “Guiados pelo Espírito. Igreja em renovação”.

Ao mesmo tempo e cumprindo uma orientação específica da Assembleia Diocesana, foi nomeada uma comissão encarregada de pensar e promover a reorganização pastoral da Diocese. Essa comissão, que foi nomeada ainda no ano de 2017, trabalhou até ao final de 2018 e em 2019 publicou orientações concretas, num texto com o seguinte título: “Proposta para uma reorganização da Diocese da Guarda”.

Em cumprimento destas orientações, no ano de 2020, foram publicados dois decretos – um sobre os arciprestados e outro sobre os serviços diocesanos.

 

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Está aqui sumarizado o percurso do caminho sinodal que tentámos fazer, na Diocese, desde o ano de 2014. Não convocámos um Sínodo Diocesano, como prevê o Direito Canónico, segundo o espírito do vaticano II, com suas constituições votadas e aprovadas, mas permito-me agora fazer votos para que esta experiência sinodal que tentámos viver, apesar das suas muitas limitações, possa constituir o ensaio a partir do qual, em futuro próximo, a Igreja Particular da Diocese da Guarda venha a convocar e realizar o seu Sínodo Diocesano, à semelhança do que já fizeram outras dioceses, segundo as orientações do Direito e no espírito do Vaticano II.

 

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Pela minha parte, quero aproveitar esta ocasião para comunicar à Diocese que entendi que o meu serviço de Bispo Diocesano devia terminar com a realização da Assembleia Diocesana de 2017 e a implementação das suas orientações; Assembleia essa que, como disse, quisemos realizar em espírito de caminhada sinodal.

Por isso, no dia 20 de outubro de 2019, o Dia Mundial das Missões de há quatro anos atrás, escrevi e enviei uma carta ao Santo Padre, pedindo-lhe para antecipar em três anos a data em que devia pedir a dispensa do serviço de Bispo Diocesano, segundo as normas do Direito. Nessa carta disse ao Santo Padre que não pedia esta dispensa para ficar inativo, mas propunha-lhe a minha vontade de realizar outro trabalho pastoral, concretamente no âmbito da missão ad gentes.

Esperei resposta a esta minha carta, que foi tardando. Eu soube, entretanto, que nos primeiros meses do ano de 2020, houve consultas junto da Nunciatura Apostólica em Lisboa sobre as razões deste meu pedido. A verdade, porém, é que nenhuma resposta me chegou.

Eu quis saber as razões desta não resposta à minha carta e numa das minhas deslocações a Roma, fui pedi-las ao Dicastério dos Bispos. Quem me rece­beu disse-me que a pandemia que durou dois anos e também a mudança do Núncio Apostólico em Lisboa terão sido as razões justificativas.

Em novembro do ano passado, invocando o cânone respetivo, lembrei o meu pedido de dispensa formulado três anos antes e agora espero a nomeação do meu sucessor pelo qual já todos rezamos.

 

Hoje, em ação de graças, desejo sobretudo reconhecer que nem sempre a nossa vontade é o que deve prevalecer. E quero, convosco, refazer o propósito de estar sempre pronto para servir até ao fim e aceitar que nem sempre o que nós idealizamos e pedimos é o que Deus pensa e quer que nós façamos. Por isso é bom repetir com Jesus, em oração ao Pai – “Faça-se a tua vontade e não a minha”.

E é nesta atitude que desejo viver o tempo – muito ou pouco, não interessa – que o Senhor me quiser junto de vós e a caminhar convosco. Uma só coisa quero repetir diante de vós – Que o Senhor e só Ele seja louvado. Faça-se, por isso, sempre a Sua vontade e não a minha.

Obrigado.

 

22 de outubro de 2023

 

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda