Sínodo 2021 2023

Sínodo 2021 2023

SÍNODO 2021-2023

Por uma Igreja sinodal: Comunhão | Participação | Missão

 

DIOCESE DA GUARDA

 

PROCESSO E RECOLHA DE INFORMAÇÃO

 

1. Na Diocese da Guarda, a fase diocesana do Sínodo “Por uma Igreja sinodal” foi coordenada por uma Comissão nomeada pelo seu Bispo, D. Manuel da Rocha Felício, e que tomou posse no dia 1 de outubro de 2021, constituída pelos seguintes elementos: Padre Jorge Manuel Pinheiro Castela (responsável); Padre Francisco Pereira Barbeira; Diácono Paulo Caetano Abrantes Jorge; Irmã Maria da Graça Afonso; Tânia Patrícia Dinis Marques; Ana Rita Ferreira Loureiro; Joaquim Monteiro Brigas. O processo sinodal diocesano foi aberto no dia 17 de outubro de 2021, na celebração da Eucaristia, a partir da Sé da Guarda, com a apresentação pública da referida Comissão e encerrou no dia 29 de maio de 2022 com a reunião pré-sinodal, seguida de Eucaristia de encerramento na mesma catedral.

 

Metodologia

 

2. Para impulsionar o Sínodo em toda a Diocese, a Comissão Sinodal da Diocese da Guarda promoveu, inicialmente, um Encontro de Formação para as comissões sinodais arciprestais, entretanto criadas, e principais agentes de pastoral, no dia 13 de novembro de 2021, no Seminário da Guarda. Durante o encontro foi distribuído material de apoio, nomeadamente inquéritos, flyers, oração e outros tendo em vista a divulgação do Sínodo. A partir dessa data, a Comissão disponibilizou ferramentas de trabalho para a implementação do Sínodo na Diocese, através da sua página www.diocesedaguarda.pt e do link https://comissaosinodalgua. wixsite.com/my-site.

 

3. Esta comissão diocesana, para facilitar o envolvimento do maior número possível de pessoas, disponibilizou três inquéritos online de resposta anónima (Inquérito Geral, Inquérito para Jovens e Inquérito para Crianças), um guião em formato papel com orientações para grupos de diálogo e para fóruns abertos e quatro dirigidos para grupos de catequese e de EMRC, divididos por duas faixas etárias. Foram criados modelos de relatórios específicos e alguns materiais de apoio. As comissões sinodais arciprestais desenvolveram um trabalho mais próximo das comunidades paroquiais e fomentaram outro tipo de atividades plurais.

 

4. A estratégia de promoção do Sínodo, a nível local, passou sobretudo pela realização de Fóruns Abertos de Diálogo Sinodal, criação de Grupos de Diálogo Sinodal e divulgação através dos meios de comunicação social de âmbito local, regional e nacional. Os fóruns realizados envolveram pessoas do mundo da política, da economia, do social, da arte, da cultura, do desporto e do associativismo.

 

5. Para os inquéritos online foi utilizada uma escala de Likert com cinco níveis (sendo 1-discordo totalmente e 5- concordo totalmente). Para a análise dos resultados consideraram-se os níveis 1 e 2 agregados como respostas discordantes (destacadas ao situar-se pelo menos em 15%), e o 4 e 5 juntos com respostas concordantes (destacadas ao situar-se pelo menos em 50%). O nível três (não concordo nem discordo) foi considerado uma resposta de não comprometimento. A resposta “não sei”, considerada como desconhecimento dos respondentes acerca das matérias em questão, foi decidido realçar-se a partir de 20%.

 

6. A Comissão Sinodal da Diocese da Guarda, que reuniu com assiduidade, quer presencialmente quer online, e acompanhou os trabalhos que foram decorrendo por toda a Diocese, recebeu mais de mil e quinhentas respostas aos inquéritos (Geral – 978; Crianças -319; Jovens - 214) e contabilizou mais de 80 relatórios, a partir dos quais elaborou este Documento Final que foi apresentado, a toda a Diocese, no dia 29 de maio de 2022, ocasião em que foi aprovado, depois de pequenas alterações. Estes relatórios envolveram um universo de cerca de 2000 pessoas das mais diferentes faixas etárias, tendo sido desenvolvidas atividades de reflexão em grupos de diálogo de movimentos, congregações, serviços diocesanos e comunidade em geral, em fóruns abertos, com convidados fora do âmbito eclesial, em sessões de catequese e aulas de EMRC.

 

Caraterização e envolvimento dos participantes

 

7. Apesar de nem todos os arciprestados terem constituído a sua comissão sinodal ou terem enviado um Relatório Intermédio, síntese dos relatórios do seu arciprestado, esta comissão diocesana rececionou relatórios vindos de todos os arciprestados, à exceção de um, ficando a perceção de que o número de paróquias que se envolveram, como tal, não chegou aos 15%, e que as mais envolvidas foram sobretudo paróquias de maiores dimensões. Ainda assim, para as características da Diocese da Guarda, é de assinalar a participação de mais de 3500 pessoas, entre grupos de diálogo, fóruns, encontros de formação e inquéritos online.

8. Obteve-se a participação de crianças nos inquéritos online, em sessões de catequese e de EMRC, assim como de jovens, sobretudo no mesmo tipo de inquéritos e sessões, e nos diálogos promovidos pelo movimento dos Convívios Fraternos e em grupos específicos de algumas comunidades e escolas. Houve envolvimento de pessoas que não participam ativamente na vida da Igreja e de pessoas fora do âmbito eclesial, sobretudo através dos fóruns abertos e de alguns grupos específicos constituídos para o efeito. Contudo, as pessoas que participaram, tanto nos grupos de diálogo como nas respostas aos inquéritos, foram maioritariamente pessoas ligadas a realidades ou movimentos eclesiais, pessoas de meia-idade e idosas, empenhadas na vida paroquial. Algumas destas ficaram um pouco apreensivas por julgarem não estar à altura do que lhes era pedido. Apontaram dificuldades em entender determinados conceitos, em perceber qual o objetivo desta iniciativa e denotaram algum ceticismo quanto à valorização do trabalho a fazer.

 

9. Responderam ao Inquérito Geral 978 pessoas, 72% do género feminino e 28% do género masculino. A idade dos respondentes foi distribuída por cinco classes etárias: 2,3% tem até 20 anos; 7% de 21 a 35 anos; 24,6% de 36 a 50 anos; 28, 4% de 51 a 65 anos e 37,7% mais de 65 anos. A formação académica é variada: 35,2% tem o ensino básico; 29,6% ensino secundário; 4,6% bacharelato; 22,1% licenciatura; 7,8% mestrado e 0,7% doutoramento. Na relação com a Igreja a larga maioria (85,5%) é católico/a praticante; 9% católico/a não praticante; 5,2% católico/a consagrado/a. Apenas dois não crentes e um praticante de outras confissões religiosas responderam ao inquérito.

 

10. Aos inquéritos para jovens e crianças, responderam respetivamente 214 e 319. Dos 214 que responderam ao Inquérito para Jovens, 63,1% eram do género feminino e 36,9% do género masculino. Em termos de residência, 91,6% reside na área da Diocese. A idade dos respondentes foi distribuída por três classes etárias: 72,9% tem entre 13 e 16 anos; 16,8% 17 a 21 anos e 10,3% 22 a 25 anos. Na relação com a Igreja a larga maioria (72,4%) considera-se católico/a praticante; 18,7% católico/a não praticante; 3,7% católico/a consagrado/a; 4,2% não crente e 0,9% praticante de outras confissões religiosas. Das 319 crianças, 51,7% são do sexo feminino e 48,3% do sexo masculino. A larga maioria (95%) vive na área de residência da Diocese. Em termos de idade, responderam ao inquérito: 11,9% com seis anos; 18,5% com sete anos; 11,9% com oito anos; 14,7% com nove anos; 13,5% com dez anos; 14,4% com onze anos e 15% com doze anos.

 

11. No geral, esta atividade, que teve em vista auscultar o sentir dos fiéis leigos sobre a situação da Igreja e como poderá ela ser mais sinodal, foi bem recebida. Os participantes fizeram eco de ter sido uma boa experiência, um momento de olhar “para dentro”, numa verdadeira “experiência de encontro”. Não obstante, alguns desejariam ter tido mais tempo para refletir e dialogar sobre as questões apresentadas. Nesse sentido, foi recorrente a sugestão de se continuar este processo de reflexão corresponsável e sinodal.

 

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

 

12.  A questão fundamental proposta pelo Papa no Vademecum e Documento Preparatório - Uma Igreja sinodal, ao anunciar o Evangelho, «caminha em conjunto». Como é que este «caminho em conjunto» está a acontecer hoje na nossa Igreja local? Que passos é que o Espírito nos convida a dar para crescermos no nosso «caminhar juntos»? - foi o motor da reflexão e diálogo sinodal, desdobrada em dez núcleos temáticos, tal como previsto nos dois documentos, embora adequado à realidade desta Igreja local e das paróquias que a constituem. A constatação prévia foi a de que há algum desconhecimento sobre o que se refere à Diocese, sua ação, estruturas e funcionamento. Já no que respeita à vida e ação das paróquias, há disparidade de opiniões, de acordo com as diferenças existentes de paróquia para paróquia. Afinal, somos todos diocesanos da mesma Diocese, mas paroquianos de diferentes paróquias.

 

13. Estamos num tempo marcado por profundas transformações sociais que têm implicações claras na religiosidade. Nesse sentido, são focadas algumas realidades socioculturais como, por exemplo, o individualismo vincado e o excessivo moralismo, em geral, mas dá-se destaque particular ao envelhecimento da população e baixa taxa de natalidade, ao contínuo envelhecimento das comunidades cristãs e do clero, ao inevitável declínio das vocações e ao crescente défice de padres com a atribuição de um número cada vez maior de paróquias. Constata-se que um grande número de paróquias tem cada vez menos condições para desempenhar de maneira eficaz a sua missão, sobretudo pelas dimensões e prática cristã reduzidas. Em grande parte, continuam a ser pensadas, fundamentalmente, para crentes e estão focadas no culto.

 

14. Existe a sensação de que as paróquias se foram fechando cada vez mais sobre si mesmas, funcionando quase unicamente num registo sacramental. O “caminhar juntos” diz respeito às pessoas não só enquanto membros de uma paróquia, mas também enquanto membros de um arciprestado, de uma diocese, de uma província eclesiástica e da Igreja universal. Este sentido de pertença reforça-se por atividades pastorais de âmbito alargado, que outrora eram bem mais frequentes e participadas. Apesar de se terem dado passos no sentido de uma reorganização pastoral e estrutural da Diocese, sente-se que essa implementação, no sentido de construir uma Igreja local mais próxima da Igreja-comunhão e Igreja-missionária, está não só pendente, como aquém das necessidades. A fim de se “caminhar juntos”, há um longo caminho para que as estruturas da Igreja sejam espaços de comunhão.

 

15. A reflexão patente nos relatórios anda muito à volta do culto e do litúrgico, e a maior concordância nos inquéritos online vai em igual sentido, dando a entender que as pessoas ainda pensam na Igreja como espaço essencialmente do culto e da liturgia. E embora se tenha clamado por uma presença maior da Igreja nas questões sociais, por um tipo de Igreja mais humanizadora e por uma abertura maior, fica-se com a sensação de que o conhecimento sobre a Igreja se reduz bastante a esta ação ad intra.

 

16. A Eucaristia dominical continua a ser o principal acontecimento de congregação das pessoas. Mas, dada a dificuldade crescente em assegurar regularmente celebrações de Eucaristia nas paróquias rurais, as celebrações da Palavra na ausência de presbítero podem manter as paróquias mais coesas. Os sacerdotes têm pouco tempo para as pessoas, para interagir com elas fora do espaço sagrado. Os fiéis gostavam de os ver mais próximos deles e também gostavam que as celebrações fossem mais dinâmicas, com mais vida e maior abertura.

 

17. É um facto que tem vindo a diminuir o número dos fiéis que participa assiduamente na Eucaristia dominical, sendo sobretudo notória a ausência de crianças e jovens, que não entendem a linguagem celebrativa ou não lhes é dada a oportunidade para se sentirem atores da celebração. Um grande número destes desconhece o que é a Igreja, ao que acresce um desinteresse pela sua ação. O rosto da Igreja que hoje aparece, sobretudo na comunicação social e nas redes sociais, é pouco apelativo e de difícil compreensão. A dificuldade sentida pela Igreja em cativar e congregar os jovens, tem causas internas como a linguagem algo cifrada, a escassez do testemunho, o receio da criatividade, o pouco acompanhamento, mas também alguns tabus que permanecem. As crianças e os jovens deverão ser uma prioridade na pastoral paroquial e diocesana. E como esta realidade está intimamente relacionada com as famílias, entende-se que também estas são prioritárias na ação pastoral da Igreja.

 

18. Verifica-se que, na celebração da Eucaristia, um reduzido número de pessoas tende a monopolizar tudo e não tem abertura para dar espaço à intervenção de outros membros da comunidade. Outros ter-se-ão afastado por algum tipo de preconceito. Os que vivem mais ligados à vida da paróquia terão de se questionar sobre o seu próprio testemunho e sobre a necessidade de serem testemunhas da alegria e de uma vida configurada com Cristo. É necessário aprender a cativar, a acolher e a acompanhar. É notório o défice de acolhimento e não raras vezes é sugerida a instituição de um Ministério do Acolhimento.

 

19. O afastamento crescente de muitas das pessoas batizadas da Igreja é um facto. Isso é particularmente visível nas faixas etárias da infância e juventude, mesmo nos jovens-adultos, já com as suas vidas definidas em termos de relações de intimidade e profissionais. Contudo, o afastamento verifica-se também noutros grupos de pessoas, nomeadamente das pessoas com contextos familiares não conformes com as normas da Igreja: mães solteiras, pessoas em união de facto ou casadas apenas civilmente, pessoas recasadas e pessoas com orientações sexuais diferentes do padrão comum. Muitas destas pessoas têm uma certa perceção de que são objeto de censura. Para além da vergonha, sentem que há falta de vontade, tempo e acolhimento das estruturas, indiferença e preconceito dos cristãos, motivos muito associados à inação dos principais agentes pastorais. A estas pessoas juntam-se algumas minorias como, por exemplo, a etnia cigana. A resposta da Igreja a todas estas realidades tem ficado aquém do que se espera. Reconhece-se que tem havido alguma abertura, mas não a suficiente.

 

20. No geral, existe consciência de que a Igreja é constituída por todos os batizados, embora a visão tradicional (hierarquia e leigos mais comprometidos) ainda permaneça. No entanto, a maior parte dos batizados tem pouca participação na vida da Igreja: uns porque não querem, outros porque não lhes são dadas oportunidades de participação, outros ainda porque não se sentem identificados com a Igreja. Se, por um lado, se refere que os leigos não são escutados, por outro, refere-se que os mesmos também não se comprometem. Há dificuldade em que os leigos se pronunciem com coragem, sinceridade e responsabilidade.

 

21. O rosto da Igreja local são os párocos e as pessoas que mais diretamente colaboram com eles. Sobressai o clericalismo e a dificuldade prática de levar a Igreja a assumir a corresponsabilidade e a participação laical. Embora haja comunidades onde se vai fazendo sentir a assunção da participação laical, os tempos atuais reclamam que os leigos, cumprindo a obrigação que contraíram pelo próprio Batismo, se empenhem em ser Igreja e assumam a missão que a Igreja tem. Eles não podem ser um apêndice no conjunto da Igreja.

 

22. O clericalismo, tanto dos ministros ordenados como dos leigos, é um dos maiores perigos da vida eclesial, porque torna a Igreja demasiado pesada, triste, escura, estagnada, estratificada, dividida e que parece não acreditar na presença e ação do Espírito Santo, através dos seus dons e carismas, distribuídos por todos os membros da Igreja. Por outro lado, impede que se deem passos para a verdadeira sinodalidade da Igreja. Nesse sentido, é necessário não apenas escutarmo-nos, mas escutarmos o Espírito Santo.

 

23. É necessária uma mudança de atitudes para que todos os batizados, não obstante as suas diferenças, se sintam como companheiros de viagem. E esta mudança tem de começar ao nível dos agentes principais da pastoral, especialmente o presbitério. Conclui-se que tem havido sérias dificuldades na corresponsabilidade e fraternidade entre os sacerdotes do presbitério, onde se inclui o prelado. Há quem questione se a falta de sinodalidade não é consequência da falta de sinodalidade do clero.

 

24. É urgente passar a um modelo pastoral integrador, de comunhão, configurado sobre a unidade fundamental de exigências, objetivos, dignidade, e sobre a diversidade de dons e carismas, de funções e necessidades. A Igreja é uma comunhão de diferentes. Por isso, os seus membros deveriam ser mais corresponsáveis. Neste sentido, o importante não é só uma reunião de carismas, mas a articulação e complementaridade de todos, que haja participação de todos os membros, com as específicas responsabilidades, sem excluir, reduzir ou silenciar algumas.

 

25. Os resultados desta fase sinodal denotam algum contrassenso à hora de articular autoridade e participação. Fica a impressão de que algumas decisões são tomadas sem que os párocos e os seus mais diretos colaboradores tenham procurado perceber o sentir de outros paroquianos, seja em questões administrativas seja em questões de ordem pastoral. Não se deve criar uma noção de Igreja em que uns decidem e outros cumprem. Também é um facto que a inclusão dos leigos na tomada de decisões é bastante diminuta. Os leigos sentem que são pouco escutados pela hierarquia e, quando são escutados, sentem ainda que as suas opiniões são pouco valorizadas. Sugere-se que sejam organizados fóruns e criados espaços onde as pessoas possam falar abertamente das questões relacionadas com a Igreja.

 

26. Ainda sobre a autoridade na Igreja, existe a ideia de que tudo está previamente decidido e que esta decisão é sempre do bispo e dos padres. Como Igreja organizada que é, reconhece-se que a hierarquia é necessária. Pede-se, no entanto, uma hierarquia que exerça autoridade sem autoritarismo, que seja mais dialogante e escute mais do que imponha, que seja mais serviçal que clerocêntrica. Os ministros ordenados são essenciais para a vida e ação eclesial, mas têm de mudar posturas e opções pastorais, de modo a não serem a síntese dos ministérios, mas um ministério de síntese.

 

27. Embora tenha sido pedido que os órgãos de conselho na Igreja sejam mais deliberativos que consultivos, há disparidade de opiniões sobre o assunto. Reconhece-se, entretanto, que, ao menos nas paróquias, o órgão consultivo que tem algum peso nas decisões tomadas é o Conselho para os Assuntos Económicos. Naquelas em que há alguma transparência na administração dos bens, muito se deve a este organismo. Sabe-se o que as paróquias têm, donde provêm os rendimentos e onde vão sendo gastos. Ainda que esta realidade seja reconhecida, varia muito de paróquia para paróquia, pois ainda há casos em que esta transparência não existe, onde se inclui a Diocese.

 

28. O diálogo é uma palavra mais repetida do que praticada, tanto na Diocese como nas paróquias, onde há poucas estruturas de diálogo acionadas. Nas paróquias os conselhos pastorais quase não existem e muito menos uma articulação entre as várias estruturas de diálogo pastoral. É oportuna a criação de novas estruturas de comunhão e diálogo e/ou a revitalização das existentes.

 

29. Entre as paróquias e entre os movimentos, verifica-se que há pouco diálogo, cooperação e comunhão. Entre as paróquias, isto dá aso a uma pastoral de critérios ad hoc, gerando assim a confusão nos fiéis e o descrédito da Igreja. Depois, pela evidente falta de uniformidade, os fiéis comentam se os padres não dialogam uns com os outros ou se as leis da Igreja não são as mesmas em todo o lado. No que se relaciona com os movimentos, sente-se a necessidade de mais espaços que promovam o encontro e a partilha.

 

30. Sobre o diálogo da Igreja com a sociedade, é notório um ambiente desanuviado. Se há algumas décadas a Igreja parecia ter uma atitude de desconfiança em relação a pessoas e instituições da sociedade civil, agora a atitude habitual é de cooperação. O tom crítico já não faz parte da forma como a Igreja se refere ao mundo sociopolítico. No entanto, constata-se também que este diálogo tem vindo a decrescer.

 

31. Na Diocese da Guarda, as outras confissões cristãs não têm expressão numérica. Por isso, este ponto quase não é mencionado nos relatórios e as respostas dos inquéritos denotam desconhecimento acerca do relacionamento da Igreja Católica com outras confissões cristãs. Porém, através das respostas abertas nos inquéritos online, são referidas a falta de abertura e intolerância, o que deixa antever a necessidade de se fazer caminho nesta área. Alguns católicos conhecem pessoas de outras confissões cristãs e falam com elas, mas não mais do que isso. Os jovens julgam ser importante o diálogo com outras confissões cristãs ou até mesmo com outras religiões, mostrando assim terem uma visão mais ecuménica.

 

32. Embora haja bons e raros exemplos, aponta-se que a comunicação é deficitária, tanto ao nível da comunicação oficial da Diocese como da comunicação noticiosa, tanto ao nível da Diocese como das paróquias e dos movimentos. Se as informações não chegam ao comum das pessoas, como se constata, significa que as paróquias também devem ter uma comunicação deficitária, pois deveriam ser um órgão privilegiado de comunicação da Diocese. No geral, refere-se que não existe uma estratégia de comunicação eficaz na Diocese e nas paróquias e dão-se alguns exemplos desta debilidade, onde se destaca o desconhecimento generalizado sobre a vida, ação e estruturas da Diocese. A linguagem usada pela hierarquia é por vezes demasiado técnica e, portanto, pouco acessível ao comum dos fiéis, e de modo particular aos jovens. Seria desejável que houvesse uma maior divulgação online dos horários das celebrações.

 

33. Se o recurso crescente às novas tecnologias da informação é pouco acessível aos fiéis de mais idade, que são maioritários em muitas das paróquias, também é verdade que não têm sido bem usadas na generalidade das comunidades paroquiais e na Diocese. Nesta era digital, o anúncio terá de passar também pelas redes sociais, onde as pessoas jovens e menos jovens estão no dia-a-dia. Os agentes pastorais terão de ver nas redes sociais um espaço de evangelização e uma forma de manter os menos assíduos com alguma ligação à paróquia, através da divulgação do que nela vai acontecendo e de estratégias de evangelização ou de formação.

 

34. O ambiente eclesial carateriza-se agora por uma ausência de propostas formativas e ainda pelo desinteresse das poucas que surgem. Também se denota que a pouca formação religiosa que existe, ocorre sobretudo em âmbito paroquial e ao nível dos movimentos. Sobre a Diocese, tem-se a ideia de não fomentar muito a formação. Por isso, é recorrente a sugestão de ser retomada a Escola Teológica de Leigos. A formação dos leigos é sentida como uma necessidade cada vez maior. Sem ela, não é possível dar respostas satisfatórias às questões colocadas pelos jovens, nem ter pessoas capazes para o exercício de ministérios e desempenho de serviços. É já um facto que a vida de muitas paróquias se apoia na dedicação abnegada de poucas pessoas, quase sempre as mesmas, com ou sem formação.

 

35. A formação surge como uma das prioridades e, dentro desta, a Catequese que carece de uma reformulação e revitalização para ser menos escolar e doutrinal e se tornar mais kerigmática e testemunhal. Constata-se que ela não tem ajudado a formar crentes ou a amadurecer a fé. Os jovens referem que a catequese não vai ao encontro das suas inquietações. É recorrente a sugestão de envolver mais as famílias na catequese.

 

36. Nalgumas paróquias, existe um problema que antecede a formação para a sinodalidade: o de não haver quase ninguém para assumir ministérios e serviços. Exemplo disso são a dificuldade em constituir um Conselho para os Assuntos Económicos, em encontrar pessoas que assumam a catequese das poucas crianças e jovens que existem, que cuidem da limpeza e arranjo dos espaços de culto e que aceitem ser ministros extraordinários da comunhão.

 

37. A promoção dos ministérios laicais parece ter entrado numa fase de estagnação. A formação para esses ministérios continua como que suspensa e não tem havido convite e motivação de pessoas para que vão substituindo aquelas que já faleceram ou deixaram de ter condições para continuar a exercê-los. À generalidade dos leigos pede-se que façam coisas e raramente se lhes pede opinião sobre assuntos que dizem respeito à vida paroquial. Mas também é um facto que os leigos recusam cada vez mais a assunção de compromissos nas paróquias. Estão disponíveis para ações pontuais, mas não para serviços regulares e de longa duração. É imperioso valorizar mais e revitalizar os diferentes ministérios laicais existentes (acólitos, leitores e catequistas), e criar novos ministérios ligados à Liturgia, ao sociocaritativo e outras áreas da ação pastoral da Igreja, tal como o já abordado Ministério do Acolhimento.

 

38. A maior participação das mulheres nos ministérios e na ação eclesial depara-se com uma barreira estrutural. O facto de lhes estar vedado o acesso ao presbiterado e ao diaconado gera ainda alguma resistência em vê-las no exercício de alguns ministérios litúrgicos e em cargos de maior responsabilidade nas paróquias. Muitas pessoas, mas sobretudo os mais jovens, já não entendem a razão de ser das barreiras estruturais, não só na questão do acesso das mulheres ao sacerdócio, mas também na recusa da ordenação de homens casados e na obrigatoriedade do celibato. Apesar destes assuntos não estarem nas propostas de análise do Sínodo, são temas recorrentes.

 

39. A Igreja deve proclamar, em todos os lugares que puder, que Jesus Cristo reconheceu e proclamou a igual dignidade entre o homem e a mulher. E isto deve refletir-se nas responsabilidades de diferentes instâncias da Igreja. Apesar de cada vez mais se reconhecer o papel das mulheres na Igreja, estas ainda não se valorizaram ao ponto de se ultrapassar a ideia de uma Igreja patriarcal e varonil.

 

40. Na generalidade, é considerado que tanto a Diocese como as paróquias são inclusivas. Não obstante, deixam-se notas explícitas de muitas exclusões e, entre elas, uma merece particular preocupação numa diocese envelhecida: a falta de atenção ou mesmo exclusão das pessoas idosas. Muitas delas estavam ligadas à vida da paróquia e, agora, a paróquia não vai ao encontro delas, sobretudo das que estão mais sozinhas. A visita aos doentes, idosos e pessoas sós é fundamental, assim como uma ação pastoral, nesta área, mais concertada.

 

41. Refere-se que entre os fiéis existem algumas discórdias, os padres são vistos como pessoas que fazem coisas, a linguagem eclesial é pouco inteligível, há um défice de comunicação sobre o que se pretende fazer ou se fez, de diálogo entre as pessoas, de formação, de participação e de ação, e de atividades conjuntas e abrangentes. Tudo isto denota que os fiéis estão aquém de “caminhar juntos”. Esta insatisfação é apenas atenuada pela opinião das pessoas de mais idade que, dotadas de uma perspetiva diacrónica da Igreja, reconhecem que esta deixou o seu estilo rígido e conservador e está agora disposta a falar abertamente sobre as coisas.

 

42.  Não é possível pôr os fiéis a “caminhar juntos” quando eles quase não se falam. Quer isto dizer que a formação para a sinodalidade passa, antes de tudo, pela conversão pessoal. Dada esta condição, será então possível o empenho na causa comum, que é a missão do anúncio da Boa Nova da Salvação. É manifesta a necessidade de assumir a sinodalidade como método para ser Igreja hoje, para ser Igreja-comunhão e missionária. E assim, a Igreja que somos nós, há de aparecer no mundo como corpo de Cristo que quer servir e não ser servida.

 

PROPOSTAS DE MUDANÇA

 

43. Mesmo que de um modo mais implícito que explícito, na reflexão decorrente desta fase sinodal, é manifesta a eclesiologia imanente do Concílio Vaticano II, uma Igreja como Povo de Deus, Corpo de Cristo e templo do Espírito Santo, isto é, o novo povo de Deus que se realiza como corpo de Cristo (LG 7) com a força do Espírito Santo (LG 17). Este é o autêntico mistério da Igreja radicado no mistério de comunhão de Deus uno e trino (LG 4, 15, 18, 50), um povo no qual a hierarquia, leigos e religiosos, são propriedades que representam os ministérios, serviços, funções, vocações e carismas dentro do mesmo para a sua realização como tal povo. Não obstante, para se alcançar esta vivência eclesial, são enunciadas muitas dificuldades, barreiras, anseios e oportunidades.

 

44. Nalguns relatórios e em alguns dados dos inquéritos online, está patente uma imagem pouco satisfatória da Igreja. Abunda mais a insatisfação que a satisfação, mas a maioria das observações fazem-se com esperança e entusiasmo, rumo a uma Igreja mais autêntica. Reclama-se sobretudo de um autoritarismo que não é autoridade, da falta de diálogo e escuta, da falta de transparência, da falta de corresponsabilidade e comunhão, do comodismo e instalação. Como alguns referem, “é necessário que a Igreja desça do pedestal onde se empoleirou” e que “deixe de ser penalizadora”, “escura e triste”.

 

45. Na mesma linha de pensamento, pede-se uma Igreja que não se foque exclusivamente no sacramental, uma Igreja menos abstrata e mais realista, mais autêntica e credível, mais acolhedora, mais alegre, mais cativante, mais simples, mais inclusiva, mais próxima dos fiéis, mais atenta às necessidades sociais e “apoiada numa oração séria”. Clama-se muito por mudança, embora se insista, recorrentemente, no mesmo de sempre e em não fazer nada pela mudança. À mentalidade conservadora, que ainda impera, deve seguir-se uma Igreja que volte às origens. É notória a valorização da Igreja do Papa Francisco, assim designada, mais aberta e dialogante.

 

46. É geral o pedido para que a Igreja encare e abrace alguns temas tabus, relacionados sobretudo com a sexualidade e assuntos fraturantes, tais como: recasados, uniões de facto, homossexualidade, celibato, papel da mulher, ordenação de mulheres, ordenação de homens casados.

 

47. Aos grupos de reflexão também se pedia a indicação de terapêuticas para a cura do que na Igreja não é satisfatório. São apresentadas algumas, ainda que um tanto genéricas. Por exemplo, padres com maior liderança, mais comunicativos, empáticos e dialogantes, e com mais tempo para as pessoas que os procuram. Também se sugere mudança de atitudes nos leigos, maior formação laical, recuperação do tecido cristão nas famílias, mais oração comunitária, maior acolhimento, dar espaço à criatividade dos jovens, valorizar o papel da mulher.

 

Sugestões/conclusões

 

48. Na transversalidade de todo o processo sinodal da Diocese da Guarda, surgem as seguintes sugestões/conclusões:

1). Melhorar a comunicação e linguagem. Sendo a comunicação um fator tão importante nos dias de hoje, também a Igreja tem de se qualificar nesse sentido. A sua linguagem tem de ser cada vez mais adequada e ajustada à realidade e aos seus destinatários.

2). Fomentar o acolhimento e o acompanhamento, onde se destaca o Ministério do Acolhimento. É fundamental que sejam mobilizadas condições para acolher todos, incluindo os que se encontram nas periferias ou estão afastados, e com eles fazer caminho, descobrindo o desejo de Deus para cada um.

3). Dar lugar à formação do laicado, que deverá ser vista como um desígnio e um imperativo. Formação que será teológica, bíblica, pastoral e espiritual. Reformular e revitalizar a catequese, para ser mais kerigmática e testemunhal, incrementando a catequese de adultos e a catequese com as famílias.

4). Promover a participação laical e a corresponsabilidade eclesial, com a criação e valorização de espaços de encontro e diálogo, ao nível da Diocese e das paróquias, e o progresso para uma dimensão deliberativa.

5). Valorizar, revitalizar, criar ou implementar ministérios laicais, a começar pelos já existentes (acolitado, leitorado e catequista), mas a acrescentar outros, onde se destaca a proposta de criação do Ministério do Acolhimento.

6). Valorizar os movimentos, procedendo a uma articulação efetiva entre eles de modo a que cada um, com o seu carisma, contribua para o crescimento do Reino.

7). Considerar novas realidades eclesiais, tais como o celibato opcional, a ordenação de homens casados, a ordenação de mulheres, o papel das mulheres na Igreja. Criar espaços de aprofundamento da reflexão acerca destas temáticas.

8). Prestar maior atenção e procurar respostas dignas a novas situações: minorias e situações fraturantes, tais como as decorrentes de situações familiares menos tradicionais, orientação sexual, classes sociais ou periferias existenciais, construindo com elas a sua história pessoal à luz da Boa Nova de Salvação.

9). Concretizar e implementar a desejada reorganização diocesana que já está prevista, melhorando assim a coordenação pastoral e a pastoral de conjunto. Fomentar espaços de diálogo e de partilha para que todo o povo de Deus possa colaborar na construção de uma Igreja mais missionária que materialize o desejo expresso de reorganização diocesana.

10). Incentivar e incrementar a pastoral juvenil e familiar, de modo a chegar a todos os espaços e vivências existentes na Diocese.

11). Reforçar a abertura da Igreja a outras instâncias da sociedade: política, economia, cultura, área social, saúde, entre outras, desbravando e aprofundando novos caminhos de diálogo para que a dimensão da Igreja esteja mais presente no mundo, integrando e iluminando as várias dinâmicas sociais.

12). Criar espaços de comunhão e sinodalidade, institucionalizando espaços e estruturas de diálogo, escuta e reflexão corresponsável, tais como grupos de diálogo, fóruns abertos, assembleias de fiéis, dando continuidade ao processo sinodal agora iniciado e promovendo uma participação mais abrangente de todo o povo de Deus.

 

49. É um sentimento geral, que esta comissão também assume, o de que esta síntese da fase diocesana do Sínodo sobre a sinodalidade na Igreja não seja um ponto de chegada, mas um ponto de partida. O caminho sinodal deve continuar na Igreja em geral e na Diocese da Guarda em particular.

 

Guarda, 29 de maio de 2022

Comissão Sinodal da Diocese da Guarda

Segunda, 30 de Maio de 2022