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Corpo e Esperança

Neste momento em que ainda celebramos a eleição do Papa Leão XIV, somos interpelados pelo significado do nome escolhido. Nas palavras do Santo Padre, a escolha foi feita em memória de Leão XIII, o Papa da Rerum Novarum, que abriu à Igreja um caminho novo de atenção ao mundo do trabalho, aos pobres e à justiça social. De resto, fará sentido recordar que, no último número dessa encíclica, Leão XIII apontava a caridade como solução definitiva para os desafios daquele tempo.

Também hoje, no meio das tensões e conflitos do nosso mundo, precisamos de uma voz que, guiada pelo Evangelho, alimente a caridade como compromisso vivo e eficaz contra o orgulho e o egoísmo. É este o desafio que o novo Papa nos traz: não sermos apenas intérpretes dos acontecimentos, mas inspiradores de uma mudança de coração e de uma prática de amor que seja a raiz da verdadeira justiça e da paz.

A Solenidade do Corpo de Deus, que celebramos este mês, recorda-nos que somos chamados a ser o Corpo vivo de Cristo no mundo. O Pão consagrado no altar não é apenas sinal: torna-se, em nós e por nós, presença concreta do amor de Deus. Um amor que se faz visível em cada gesto de solidariedade, em cada encontro com os rostos feridos da vida, em cada compromisso com os mais frágeis. Ser Corpo de Cristo é aceitar viver e agir em comunhão, deixando que a fé se traduza em gestos reais de cuidado e proximidade.

Desta forma, receber Jesus na Eucaristia não pode apenas ser um acto rotineiro, quase automático, sem abertura ao mistério que nos é confiado. Assim, quando nos deixamos tocar, quando acolhemos verdadeiramente esse encontro, há algo em nós que muda, e que nos muda. E essa mudança interior transforma também o nosso modo de estar no mundo.

Neste sentido, participar na Missa ou visitar uma igreja pode ser, por vezes, um gesto breve ou distraído. Todavia, quando o vivemos com verdade, o espaço torna-se lugar de encontro, e a liturgia torna-se caminho. A Eucaristia forma-nos, desafia-nos e envia- nos. Torna-se força que nos impele a amar, a discernir e a servir no concreto da nossa existência. Como os discípulos de Emaús, também nós somos chamados a reconhecer Cristo no partir do Pão e a deixar que o coração volte a arder.

É também neste mês que a tradição cristã faz memória dos Santos Populares – pessoas que, em tempos e lugares diferentes, deixaram que Deus os tocasse, e moldasse as suas vidas. Todos eles, os Santos, deixaram-se seduzir pelo Evangelho e tornaram-se reflexo do amor de Cristo para os que os rodeavam. Em particular, fará sentido recordar Santa Isabel de Portugal, mulher de paz, de oração e de cuidado cujos 400 anos da canonização, celebrámos no passado dia 25 de Maio. A sua vida continua a ser farol que ilumina o caminho de quem quer viver com autenticidade o Evangelho da reconciliação e da entrega.

Como nota final – e atendendo ao Jubileu da Esperança que nos encontramos a viver – recordamos que a esperança – como nos lembrou o Papa Francisco logo no início da Bula Spes non confundit – “não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações” (Rom. 5,5). A Esperança, portanto, não é uma ideia vaga, nem um sentimento frágil. É um compromisso concreto com Deus, com o mundo e com os outros.

Metade do caminho já passou. Caminhemos o que falta com o coração aberto.

 

P João Marçalo

Texto originalmente publicado no Notícias de Santa Isabel – nº 238, série 3, Junho de 2025.