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Francisco: O Papa que Abriu Caminhos

Partiu o Papa Francisco. Muitos escreverão agora sobre ele e o seu legado, quase unanimemente a reconhecer o bem e a densidade de significado dos seus gestos e das suas palavras.

Os que privaram com ele e os que só o viram na comunicação social, os que o liam e escutavam e os que apenas guardavam as sínteses feitas na opinião mediática, pessoas da Igreja e de fora dela, crentes e não crentes, os que o admiravam e os que lhe tinham reservas. Porque o Papa Francisco não deixava ninguém indiferente, tocava cada um de algum jeito. Todos, de algum modo, sentiam poder compreender os seus gestos e palavras porque lhes abria um horizonte de possibilidade de sentido.

É curioso ver tanta gente com posições ideológicas contrárias reconhecerem-se na pessoa e acção do Papa Francisco, mesmo fazendo interpretações e tirando ilações divergentes dos mesmos gestos e palavras. Porque Francisco levava a sério o que defendia: para ele, era mais importante abrir processos, criar condições de caminho, mesmo com pontos de partida e adesões à fé distintos, do que conquistar espaços, definir percursos, indicar formas únicas. Cada um pode partir de onde está e encontrar-se durante e no caminho. O Papa Francisco tinha uma confiança inabalável na misericórdia de Cristo e no discernimento feito no Espírito Santo. Por isso nunca temia não haver remédio ou erros insuperáveis. Para ele, toda a pessoa, se acolhida como companheira de viagem, podia ser tocada pela novidade salvadora de Jesus.

O Papa Francisco era, pois, um servidor das periferias. Das várias periferias: sociais, existenciais, crentes. Queria que todos experimentassem que havia lugar para eles. Lembrava que o mundo deve ser reconhecido e cuidado como a casa comum, onde ninguém seja descartado e onde a economia esteja ao serviço do homem sem exploração destruidora das pessoas e do planeta. Lembrava que a Igreja deve-se apresentar como casa aberta sem barreiras alfandegárias, onde todos possam chegar e encontrar espaço: primeiro possam entrar, sentir-se acolhidos e não julgados; e depois se verá o que virá a seguir.

Francisco era ainda um amante da escuta e do discernimento. Confiava decisivamente que só escutando quem anda por outros caminhos se pode tocar aquelas expressões do Espírito que, soprando onde quer, suscita nova oportunidades para lá dos lugares onde cada um está habituado. O Papa Francisco não se assustava com as opiniões dos que, tendo ou não fé, defendiam perspectivas que não podiam ser simplesmente assumidas como próprias da Igreja. Antes reconhecia nelas um potencial de oportunidade para melhor compreensão mútua, e lugar de encontro para a comunicação da alegre notícia do Evangelho de Jesus.

Incontornável no ministério do Papa Francisco era o empenhamento na conversão sinodal e missionária da Igreja e da sua acção pastoral. Recordava constantemente que todo o discípulo é missionário e que o baptismo convoca cada um a tomar parte na missão da Igreja, segundo a sua própria vocação. Insistia na necessidade de erradicar os clericalismos, de clérigos e de leigos, raízes de muitos dos abusos de vária ordem, bem com de uma forte paralisia (acédia) espiritual e missionária dos cristãos e da comunidades. Por isso lançou um processo sinodal em toda a Igreja, incrementou ministérios existentes, instituiu um novo ministério, nomeou leigos e religiosos, e mulheres para ofícios até então confiados apenas a clérigos mas sem que houvesse absoluta necessidade de tal.

Em suma, este modo como Francisco assumiu o exercício do Papado na liberdade do discernimento, que procurava valorizar qualquer oportunidade para o Evangelho, deixou em marcha processos e caminhos que o Espírito Santo continuará a iluminar, confirmar, mudar, manter, aprofundar e rever.

+ José Pereira

imagem – vatican media