1. «Olha para o Céu e conta as estrelas, se as puderes contar […]. Assim será a tua descendência […]. Aos teus descendentes darei esta terra» (Gn 15, 5.18).
Na contemplação do céu estrelado, Abraão acolhe a luz da esperança na autenticidade da Promessa, tal como a escuta da Palavra de Deus, gera nele a certeza confiante do seu cumprimento.
Olhar o Céu não é fuga da realidade, nem uma alienação, mas antes, emerge como disposição para acolher a luz do Espírito que vem do Alto, e nos ilumina no reconhecimento dos valores e referências evangélicos; é fonte de compreensão para entender e interpretar, segundo Deus, o presente da história e da vida de cada um; afigura-se atitude que forja a disponibilidade para escutar a Palavra de Deus e gera docilidade para acolher a semente da esperança lançada no terreno da alma e que vai produzir a certeza da plenitude da vida, na comunhão com Deus.
Caro D. José Miguel, a tua ordenação episcopal, vivida em plena peregrinação jubilar da esperança, encontra-te, a ti, Pastor com o cheiro das ovelhas, a partilhar com o povo as dificuldades e os desafios da caminhada. Mas não só. Sobretudo és convidado a algo mais: em Cristo, iluminado pelo Espírito, és chamado a ser aquela luz estrelar para convocar, pela graça do Senhor, uma multidão para abraçar a fé e seguir a Cristo Jesus, Bom Pastor. Na senda da autêntica evangelização, testemunha como Bispo a força profética do que dizes e do que fazes; do que vives e do sofres, qual boa nova que lançada no bom terreno dos corações frutifica naquela adesão maravilhosamente expressa pelo Apóstolo São Pedro: «A quem iremos Senhor, somente tu tens palavras de vida eterna» (Jo 6, 68). És chamado, também, a seres ressonância e eco da Palavra e da Promessa de Deus que a todos conduz para os prados verdejantes da vida eterna, para as águas refrescantes do amor pleno e gratuito do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
2. A tua ordenação, de facto, ao munir-te da plenitude do Sacramento da Ordem, atribui-te a excelência da vocação de todo o cristão: és sacerdote, profeta e rei. Participas do sacerdócio de Cristo Jesus que não só ofereceu o sacrifício da nova e eterna aliança, uma vez por todas, mas Ele próprio é a oferta na oblação da Cruz e do Altar, como profeticamente está presente na aliança estabelecida com Abraão, tal como tu és chamado a ser. Na força da mais profunda comunhão, aquele Pão oferecido e repartido que se torna Corpo de Cristo é participado por ti e pela tua vida. E, por isso, não apenas indicas o rumo da vida eterna e o caminho da plenitude da vida, mas tu és, em ti mesmo, sinal e realidade dessa eternidade e dessa plenitude. Como ungido pelo Espírito e ao atuar in persona Christi, não és apenas um homem entre os homens, nem tão pouco um líder espiritual, és constituído arauto da vida nova de Deus e ministro da Ressurreição. No serviço e na dádiva de ti realizas a mediação entre a humanidade e o Senhor Deus; entre temporalidade e vida eterna; entre história e bem-aventurança.
Como profeta, és proclamador de uma palavra eficaz que realiza quanto anuncia, sendo tu, e a tua parábola da fé e da adesão e seguimento de Cristo, o primeiro fruto da sua força criadora. Por isso, caro D. José Miguel, para o mundo e concretamente para o povo da Guarda, surges como mensageiro, como profeta de um mundo novo que convida e desafia todos a deixarem-se conduzir pela força do Amor e a fazerem-se peregrinos de esperança.
3. Pedro, Tiago e João (Lc 9, 28b-36): o núcleo da intimidade de Jesus. Cada um destes apóstolos tinha uma relação única, especial, íntima com Ele. Também nós vivemos com Cristo uma experiência de amor, assente no contacto do nosso coração com o Seu coração. O nível de profundidade dessa relação é determinante para acolher a revelação da sua identidade e mergulhar no mistério fascinante da Sua Filiação divina. Foi por isso que foram estes os escolhidos para subirem ao Monte, para orarem e testemunharem a transfiguração de Jesus: o que lhes dava condições para tal, era o nível de comunhão que tinham com Ele. Somente uma vida com o Senhor e no Senhor nos habilita a acolher a revelação da Sua condição divina e logo salvífica. Testemunharem a alteração do seu rosto e a brancura refulgente das suas vestes, só está acessível não a quem perscruta a vida apenas com os olhos carnais ou avalia a história com critérios mundanos, mas a quem já não vive para si, nem a partir de si, mas em Deus e com Cristo. Monte da transfiguração, quanto se aproxima do Monte Calvário… Em ambos ressoa a palavra transformadora do Pai dirigida a todos nós: «Este é o meu filho predileto!» (Lc 6, 35). Caros irmãos, do nível da relação que se vive com Cristo depende o grau de compreensão da Sua identidade e também da nossa.
Caro D. José Miguel: só na posse da verdade de Jesus Cristo é que se estrutura a intensidade da nossa doação a Ele e depende a grandeza da dádiva da nossa vida. E é assim que, no Monte da Transfiguração, com a revelação ao mundo do Filho do Pai Altíssimo, se constrói a dádiva total a Cristo e ao Seu plano de amor, destes e de todos os discípulos.
Caro D. José Miguel, enquanto Bispo, Ministro da Eucaristia, permaneces na perpetuidade espiritual de residente da transformação do Pão e do Vinho, em Corpo e Sangue de Cristo. Os olhos do teu coração e da tua fé contemplam o admirável mistério dos «frutos da terra, da videira e do trabalho do homem» que se tornam Cristo; e, nessa mesma graça, tu próprio vens transfigurado e transformado. É o pastor transformado que será o corpo de vida para alimento e luz do seu povo.
4. No Monte Tabor, resplandece não a outra dimensão de Jesus Cristo (a sua divindade) mas sim a sua humanidade transfigurada, penetrada de condição divina. Por isso, uma humanidade divinizada, santificada, mostrando-nos como Jesus vive a sua parábola humana como e enquanto Filho Amado do Pai. Nessa medida, é farol para todos nós na medida em que nos indica como a nossa vocação de filhos no Filho é viver essa filiação divina na humilde condição de humanos.
Assim, pois, a transfiguração é figura da divinização da própria humanidade. Na senda da pureza que inunda a nossa humanidade com sua força transformadora, também no humano de cada um de nós resplandece a novidade do próprio rosto de Cristo e o fulgor da brancura do amor e do serviço a Deus e aos outros (cf. Lc 6, 29). Transfigurados, inundamos o tempo e a história de Deus. Em Cristo e connosco, também o mundo é transfigurado para descobrir que foi criado para ser Céu.
5. Caro D. José Miguel: também tu e contigo todos nós, Bispos, somos constituídos de uma vocação que é, ela mesma, transfigurada na Páscoa da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Implementar a presença de Deus no mundo; incentivar à disponibilidade dos irmãos para que os seus corações sejam o novo Tabor, onde, no amor, nos transfiguramos e, assim, se torne lugar de renovação para nos fazermos missionários da esperança e levar ao mundo uma nova cultura tecida de santidade, da presença de Deus e de fraternidade universal.
A própria Igreja missionária é já sinal desse novo mundo a acontecer na força do amor, onde, acerca de cada um, prevalece a única voz que vem do céu: «Este é o meu Filho muito amado». Nada mais é necessário dizer.
Caro D. José Miguel, Jesus entrou em diálogo com Moisés e Elias. Hoje, na Guarda, tu és o privilegiado interlocutor para conversar com a rica história desta diocese, cuja memória está escrita de santidade, de heroísmo espiritual e missionário, está escrito no próprio coração de cada cristão. Com eles, e na companhia de Nossa Senhora da Assunção, olha o futuro de esperança e de salvação, na dádiva de amor, a Cristo, à Igreja e à evangelização. Sempre em comunhão, caminhemos para a plenitude da vida. Ámen!
Sé da Guarda, 16 de março de 2025
† RUI, Patriarca de Lisboa