1.Iniciamos o Tempo Santo da Quaresma com a cerimónia da imposição das cinzas.
E ficamos à nossa frente com 40 dias de preparação para, sobretudo no Tríduo Pascal, celebrarmos o triunfo de Jesus sobre o pecado e a morte. De facto, com a sua própria morte, Ele abriu-nos as portas para a vida; essa vida que não mais está sujeita às limitações, aos erros e à maldade de quantos não olham a meios para satisfazer os seus caprichos.
Vamos viver uma Quaresma em ano de Jubileu; Jubileu que pretende motivar-nos e animar-nos na caminhada conjunta para a meta do encontro com Deus. O seu apelo é para nos pormos a caminho e nos tornarmos verdadeiros peregrinos da esperança. E nós desejamos que a Quaresma seja oportunidade bem aproveitada para dar a devida resposta a este apelo.
Começamos com a cerimónia da imposição das cinza, que nos lembra por um lado a nossa grande fragilidade e por outro também a esperança de nos sentirmos agraciados pela Bondade e pela Misericórdia infinitas de Deus.
Para a fragilidade chamam-nos a atenção as palavras que hoje vamos ouvir no gesto da imposição das cinzas, assim: “Lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar”. Mas o gesto da cinzas lembra-nos também que é precisamente na nossa fragilidade que se revelam o amor e a misericórdia sem limites do próprio Deus para cada um e cada uma de nós. Por isso, hoje mesmo, depois de receber a imposição das cinzas, na clínica onde se encontra internado, o Papa comentou: “As cinzas recordam-nos a esperança a que somos chamados”.
Ora, a indulgência que acompanha o Jubileu representa o cumprimento dessa esperança, pois nos diz que, por maior que seja o nosso pecado, a misericórdia de Deus é ainda muito maior; por maior que seja o castigo merecido pelos nossos pecados, esse castigo, por mercê de Deus, pode sempre ser amnistiado, sem prejuízo de cada um e cada uma assumirem aas suas responsabilidades, diante de Deus e dos irmãos e perante a comunidade.
2.Escutámos a Palavra de Deus, que começa por nos dizer, através do Profeta Joel: “Convertei-vos a mim de todo o coração, com jejuns, lágrimas e lamentações”. E este tempo da Quaresma é o tempo especialmente favorável e propício para a conversão. É o dia da salvação, como diz S. Paulo, na carta aso Coríntios, que acabámos de escutar.
Por isso, ao longo destes quarenta dias, queremos sentir verdadeiramente como o Senhor vem, de verdade, ao nosso encontro, para nos ouvir, para nos ajudar a acertar o passo com Ele e com o seu desígnio de amor e de perdão, do qual ninguém está excluído, à partida.
Para nos ajudar a fazer a caminhada conjunta de renovação pessoal e comunitária a que a Quaresma nos chama, a Igreja, em sua sabedoria bimilenar, propõe-nos uma pedagogia assente em três pilares, que são a oração mais intensa, a penitência e o jejum. Para aí nos chama a atenção o Evangelho de S. Mateus que acabámos de escutar.
Ora, a oração, mais do que as fórmulas que repetimos, é, em si mesma, relação e diálogo constante com Deus. E também para ela há caminhos de aprendizagem que, sobretudo na Quaresma, havemos de saber retomar. Nunca é demais lembrar a contínua necessidade de aprendermos a arte da oração, primeiro de olhos colocados na Pessoa de Jesus e depois através do exemplo dos santos.
Olhando para a pessoa de Jesus, vemos como Ele orava incessantemente ao Pai e sabia criar tempos e lugares especialmente propícios para isso. Olhando para o exemplo dos santos, aprendemos como eles souberam sempre colocar Deus e a sua santíssima vontade como sendo o critério prioritário das decisões que tomavam e do se cumprimento.
O importante é que, sobretudo ao longo do tempo favorável da Quaresma, nós façamos caminho, pessoalmente e ajudando-nos uns aos outros, para aperfeiçoar o diálogo com o Senhor sobre tudo o que é importante para nós, para os outros e para o mundo.
A penitência é muito mais do que deixar de fazer pecados e procurar remediar as suas consequências em nós e nos outros, como no próprio mundo em que vivemos. Fazer penitência é sobretudo o esforço para mudar a nossa mentalidade, a nossa maneira de olhar o mundo e as nossas vidas, à luz do Evangelho e ajustando-lhe o mais possível as nossas opções de vida, em coerência, à Fé que o mesmo Evangelho inspira.
Por sua vez, quando nos é proposta a prática do jejum, o nosso pensamento volta-se para as palavras de Jesus que vamos ouvir logo no primeiro domingo da Quaresma e são as seguintes: “Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”.
Ao jejum e à abstinência está ligado aquele espírito de renúncia que nos leva a colocar os outros nossos irmãos, principalmente os mais carenciados, dentro do uso que fazemos dos bens que Deus nos confia para administrarmos bem. Sim, porque não somos donos de nada, mas simplesmente administradores; e o administrador só é bom administrador quando cumpre a vontade e as orientações do dono; neste caso, do Senhor que tudo criou e o põe à nossa disposição, com regras, uma das quais é o destinos universal dos bens criados.
3.A terminar, desejo lembrar que esta Catedral é o único lugar jubilar que existe na Diocese da Guarda. Tanto nas peregrinações jubilares já calendarizadas e outras que se venham a organizar, como nas visitas individuais, cumprindo as determinações jubilares, ganham-se os benefícios do Jubileu. E, por isso, a programação pastoral aqui, na Catedral, vai ter isso em consideração, criando oportunidades para a escuta da Palavra, a celebração dos Sacramentos da Penitência e da Eucaristia, com regularidade, oferecendo assim os meios necessários para sermos verdadeiros peregrinos da esperança, como é lembrado no Jubileu.
Desejamos colocar esta Quaresma sob a especial proteção de Maria Santíssima, a qual, mais que ninguém, soube perscrutar o desígnio de Deus sobre Si próprio e sobre a vida do mundo.
05.02.2025
+Manuel da Rocha Felício
Imagem: Nuno Confraria