17 de ABRIL de 2025
«O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Ele Me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele Me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, e a restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano da graça do Senhor» (Lc 4, 18-19).
Jesus é ungido pelo Espírito. É chamado e enviado pelo Pai, em seu nome e como sua presença (Ele que é verdadeiramente Deus) para Se oferecer a si mesmo como oferta sagrada e imolada por amor (sacrifício), pela libertação dos pecados; sem se deter diante de nada, nem do trespassamento e derramamento do seu próprio sangue, quando tal se tornou o caminho da fidelidade até ao fim (como ouvíamos na segunda leitura).
Jesus é investido assim de um verdadeiro sacerdócio, novo e definitivo, que não precisa de repetir os sacrifícios anuais: na Galileia, Jesus anuncia e inaugura um ano jubilar da graça do Senhor, que resgata da escravidão; e na sua Páscoa torna-o um tempo perene de salvação.
O sacerdócio de Jesus é sacrifício, isto é, oferta perene: não precisa de ser repetido pois não perde eficácia. Mas precisa de ser estendido, assumido, actualizado em cada um e em cada tempo. Jesus não acaba com o sacerdócio, transforma-o. Transfere a oferta de animais para expiação dos pecados para a oferta de Si como redenção dos pecados. O sacrifício de Jesus já não serve para atrair a benevolência de Deus; com ele, Jesus inaugura o caminho de oferta permanente da própria vontade à vontade do Pai, o caminho que nos conduz à sintonia e intimidade com Deus em qualquer circunstância, que nem a morte e o pecado, próprios ou alheios, podem impedir.
Este sacerdócio que Jesus realiza na Páscoa não é uma realidade avulsa, esporádica, pontual. Como se tivesse ocorrido ali e pronto; com se não fosse a continuidade de um antes que se prolonga num depois. Não: ser sacerdote da nova e eterna Aliança é o fio condutor da Vida de Jesus. Na Encarnação, na Apresentação no Templo, na primeira subida a Jerusalém aos doze anos, em toda a vida oculta, na pregação e ministério na Galileia, na subida a Jerusalém, na sua Páscoa, em tudo Jesus Se oferece à vontade do Pai.
Como vemos, sem pertencer à classe sacerdotal e sem nunca ter oficiado no templo, a vida de Jesus é um verdadeiro sacerdócio.
Em primeiro lugar é um sacerdócio profético: Aquele que é a Palavra de Deus aniquila-Se à condição de homem, mais ainda, de servo e de mortal, para nos fazer participar da vida divina; Jesus leva à plenitude a unção profética para anunciar a Boa Nova aos pobres, e para ensinar a percorrer os caminhos da justiça, da libertação, da iluminação e da conversão.
Em segundo lugar, é um sacerdócio pastoral: Jesus leva à plenitude a unção real para inaugurar o seu reinado no mundo à maneira do Bom Pastor que dá a vida até ao fim para que o mundo a tenha; Jesus inaugura uma linhagem abençoada, pois oferece, a quem quiser aceitar, a possibilidade de tomar parte com Ele na relação filial com o Pai.
Mas ser sacerdote da nova e eterna Aliança é também o fio condutor da Glória de Jesus. Tendo passado deste mundo para o Pai, Jesus «fez de nós um reino de sacerdotes para Deus, seu Pai» (como ouvíamos na segunda leitura), e cumpriu a profecia de sermos chamados, e sermos realmente «sacerdotes do Senhor» e «ministros do nosso Deus» (como ouvíamos na primeira leitura). Jesus continua, pois, a exercer o seu sacerdócio: Ele, na Glória, preside ao nosso sacerdócio comum de baptizados, que nos é comunicado por meio dos sacramentos da nova aliança.
A oferta sacrificial dá lugar à liturgia sacramental pela qual Jesus continua a entregar-Se / comunicar-Se ao seu povo, e nós a oferecermo-nos continuamente a Deus por Cristo no Espírito Santo. O anúncio profético dá lugar ao discipulado missionário pelo qual Jesus é oferecido a todos como Boa Nova que salva, e nós damos a conhecer a alegria vivida do Evangelho. A missão messiânica dá lugar ao apostolado e serviço pastoral pelos quais Jesus continua a fazer crescer o seu Reino e nós estendemo–lo a todas as dimensões do viver humano.
Nesta celebração da manhã é tudo isto que estamos a celebrar. É o mistério da Igreja, nascida da entrega pascal de Jesus, que comunica a todo o mundo a vida nova do Senhor por meio da Palavra, dos sacramentos e do serviço, até ao fim dos tempos.
Não estamos aqui como espectadores mas como agentes que tomam parte. Ao consagrarmos daqui a pouco o óleo que será usado para os sacramentos que nos dão vida, receberemos a missão de «ministros do nosso Deus» para comunicarmos ao mundo o «óleo da alegria».
Não somos meros receptores dos dons de Deus, somos distribuidores da sua graça. Consumimos sacramentos ou tornamo-nos sacramentos para levar Jesus, Ele mesmo (e não apenas o exemplo de Jesus, ou ideias sobre Jesus)? Apenas ouvimos a Palavra de Deus ou somos lugar onde ela se mostra viva e eficaz? Somos apenas praticantes de uma religião ou instrumentos que comunicam (um)a vida divina? Falamos duma alegria que é só conversa e não convence ninguém (nem a nós) ou partilhamos a alegria que tocámos, nos transformou e nos apaixona?
Escutemos de novo: temos todos «o nome de “ministros do nosso Deus”».
Como mais imediatamente nos virá ao pensamento,têm-no os nossos padres, que receberam o ministério sacerdotal para nos animar e confirmar a todos no nosso sacerdócio comum, procurando deixar-se unir e configurar intimamente a Cristo, Cabeça do corpo e Pastor do rebanho, e realizando o mandato de pregar, de guiar na fé e de fazer perpetuamente os gestos eucarísticos e sacramentais confiados aos apóstolos.
Daqui a pouco eles irão renovar as promessas que fizeram no dia da sua ordenação. Vai ser um momento que nos convoca a um olhar mais profundo, só possível na fé: neles, não na sua perfeição ou impecabilidade, mas na sua entrega frágil e generosa, Jesus vem até nós para nos confirmar na fé e na missão.
Amemos, pois, os nossos padres, não porque agem como esperamos, mas porque nos comunicam os dons de Deus para vida de fé e de missão. Rezemos por eles e hoje, muito especialmente, por aqueles que ao longo deste ano celebram jubileus de ordenação sacerdotal: o Pe. Joaquim Teixeira (75 anos); o Pe. António Espinha Monteiro (65 anos); o Pe. António Morais e o Pe. Manuel Igreja Dinis (60 anos);
o Pe. José Brito e o Pe. Sérgio Mendes (25 anos). Cuidemos de todos eles para que não nos falte o estímulo dos pastores.
Em estreita colaboração com eles, têm o nome de «ministros do nosso Deus» os diáconos, também ministros ordenados para nos animar e confirmar no serviço da comunidade e da evangelização. A missão na nossa Igreja diocesana precisa do serviço dedicado dos que o já são e do concurso generoso de novos diáconos. Rezemos para que o Senhor sempre nos mostre os melhores caminhos para a formação inicial e permanente dos nossos diáconos.
Mas têm igual «nome de ministro do nosso Deus» todos os fiéis que abraçam o serviço da missão que decorre do seu sacerdócio comum de baptizados. Desde logo, em todo o conjunto de serviços, ofícios e funções mais ou menos configurados, necessários para a vida das comunidades, de entidades e da nossa Cúria Diocesana. Depois, no empenhamento activo e renovado do caminho sinodal, necessário para efectivar a reorganização da assistência pastoral às nossas comunidades. Mas também no conjunto de ministérios instituídos, confiados a homens e mulheres, necessários para uma pastoral de evangelização.
A nossa Igreja diocesana precisa de homens e mulheres que não só proclamem a Palavra nas assembleias litúrgicas, mas estejam na primeira linha da leitura crente da realidade e da animação do diálogo entre fé e cultura, Evangelho e mundo. Precisa de homens e mulheres que não só iniciem as novas gerações na fé, mas dinamizem a catequese contínua, capaz de amadurecer adultos na fé e na esperança. Precisa de homens e mulheres que não só sirvam o corpo de Cristo no altar da eucaristia, mas sejam os primeiros a cuidar do mesmo corpo de Cristo nos pobres e sofredores, na unidade e na reconciliação, na comunhão e na fraternidade.
A nossa Igreja diocesana precisa ainda de jovens, rapazes e raparigas, que escutem o chamamento de Deus e tenham uma coração grande para responder. Precisa de jovens casais que não só queiram casar e ter filhos, mas aceitem ser «ministros do nosso Deus» ao serviço da evangelização dos afectos e do amor, e da construção da Igreja nas famílias. Precisa de jovens raparigas que não só queiram tomar parte em determinados serviços na Igreja, mas aceitem ser «ministr[a]s do nosso Deus» consagradas a Jesus como Santa Madalena, para o serviço da Diocese. Precisa de jovens rapazes que não só queiram participar em determinadas actividades na Igreja, mas aceitem ser «ministros do nosso Deus» consagrados a Cristo como os Apóstolos, para o sacerdócio ministerial na nossa Diocese.
Rezemos, pois, uns pelos outros e pela nossa Diocese. E supliquemos à nossa Mãe e Senhora da Assunção que nos faça dóceis à unção do Espírito, para que também se cumpra em nós, hoje mesmo, estas passagens da Escritura que acabámos de ouvir.
+ José Pereira, Bispo da Guarda
Vejo o video aqui: