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Homilia na Missa da Meia Noite

Sé da Guarda.

“Num mundo que andava em trevas brilhou uma grande luz”. São palavras que escutámos, agora mesmo, no Profeta Isaías.

E contra os instrumentos de morte que alimentam as guerras também recebemos o convite para os destruir, lançando-os decididamente ao fogo.

Consumar-se-ão, assim, os sonhos de todos nós e da própria Humanidade, que deseja sempre o fim das guerras e que venha uma idade de paz e de prosperidade.

E o que faz com que estes sonhos tenham pés para andar também no-lo diz o mesmo Profeta. Porque um Menino nasceu para nós, que é o Conselheiro Admirável, o Deus forte, o Príncipe da paz.

Esse Menino é Jesus, o Menino do Presépio de Belém; um Menino que não encontrou lugar nas casas das gentes de bem (as hospedarias) e teve de nascer num manjedoura, fora de portas, no meio dos mais pobres e socialmente excluídos, como eram os pastores.

E foi também a eles que em primeiro lugar chegou a grande notícia, quando o anjo lhes disse – anuncio-vos uma grande alegria, hoje nasceu para vós o Salvador. E indicou-lhes um sinal para o identificarem, a saber, encontrareis um menino deitado numa manjedoura e envolto em panos. Ora, este, pelo menos aparentemente, não é sinal nenhum, pois o normal para todos os meninos recém-nascidos é serem envoltos em panos. O sinal e a novidade, porém, estão, isso sim, em que o próprio Deus se quis sujeitar à vulgaridade do comum dos mortais que somos todos nós.

E estamos agora perante o grande Mistério da Encarnação do Verbo de Deus, que hoje particularmente celebramos.

De facto, Deus enviou o Seu próprio Filho, o Seu Filho Único, para partilhar a nossa condição humana, sujeitando-se a todas as nossas limitações e fragilidades, exceto o pecado.

É este Mistério que particularmente hoje, na noite santa do Natal, queremos contemplar, ajudados pela comemoração 8 vezes centenária do Presépio montado, por vontade de S. Francisco de Assis, na cidade italiana de Greccio. Faz hoje mesmo oitocentos anos.

Foi um presépio onde faltavam as figuras principais, como eram e são as do Menino Jesus, Maria e José. Estava representada a natureza nos animais (o burro e a vaca) e na floresta, onde o cenário foi montado.

Em vez dos pastores estava o povo, que acorreu em grande número, para a celebração do nascimento de Jesus.

Mas, na realidade, o grande protagonista da cerimónia continuava a ser a Pessoa de Jesus; só que, em vez da representação inerte das figuras habituais, estava ele realmente presente na Mistério da Eucaristia celebrada em altar montado sobre a manjedoura.

S. Francisco de Assis, que não era sacerdote e por isso não podia celebrar a Missa , exerceu o Ministério de Diácono e fez a homilia no momento próprio.

Segundo consta, mais do que as suas palavras, o que verdadeiramente impressionou os participantes foi a contemplação a que ele se entregou, diante de Jesus sacramentalmente presente na Eucaristia. E nesta Sua presença real e verdadeira, contemplava a entrega que Ele de si próprio fez para Salvação de toda a Humanidade. Uma entrega já anunciada pela rejeição que teve na primeira Noite de Natal por parte dos importantes deste mundo, depois explicitamente anunciada por Simeão no momento da apresentação e que viria a ser consumada na Cruz para salvação de toda a Humanidade.

Ora, cada Eucaristia que celebramos leva consigo sempre esta memória atualizada, convidando-nos a entrar também no mesmo movimento de entrega do Filho de Deus Encarnado aos irmãos para os servir e a Deus para o louvar.

A ligação do Presépio de Belém ao Mistério da Eucaristia é uma das importantes mensagens que nos deixa S. Francisco de Assis.

E esta mensagem tem para nós Diocese das Guarda significado especial, pois também a partir da contemplação do Mistério do Menino de Belém, desejamos motivar-nos para revitalizar a tradição do Lausperene implantada em todas as paróquias desta Diocese da Guarda, desde os anos 50 do século passado.

E a preparação do V Congresso Eucarístico Nacional é a grande oportunidade que nos é oferecida motivo acrescentado para aprofundarmos este nosso propósito. Pois sabemos que, no primeiro Congresso Eucarístico Nacional, precisamente há um século atrás, teve papel preponderante, sobretudo no ato do seu encerramento, o Bispo Auxiliar da Guarda, hoje o venerável D. João de Oliveira Matos, fundador das Liga dos Servos de Jesus. O seu amor à Eucaristia levou-o a introduzir, nas casas da mesma Liga, a adoração perpétua, primeiro diurna e depois também a noturna, quando decorriam os anos 20 do século passado. Alguns anos depois, o Bispo da Guarda levou esta prática a todas as paróquias da Diocese e institucionalizou-se a prática do Lausperene.

Desejamos agradecer esta salutar tradição do Lausperene que recebemos e, na Noite de Natal, pedir ao Senhor a graça de sabermos aproveitar o V Congresso Eucarístico Nacional e a sua preparação para a revitalizar. Pois, cada vez ganhamos mais a convicção de que só o encontro com Jesus presente no Mistério da Eucaristia pode dar a necessária eficácia a tudo o que procuramos fazer para o bem das pessoas e das comunidades.

Por isso, diante do Presépio, olhando para o Menino, queremos nesta Noite de Natal, renovar o nosso propósito de dar o devido lugar ao Mistério da Eucaristia na nossa vida pessoal e nas nossas comunidades, reconhecendo que só na contemplação deste Mistério encontraremos as energias necessárias para seguir o caminho que Ele nos aponta.

Como hoje nos diz o Apóstolo Paulo, na carta a Tito, “manifestou-se a graça de Deus”. E nós contemplamos essa manifestação no Menino de Belém, que nos ensina a renunciar aos desejos mundanos para nos empenharmos, cada vez mais, na construção do mundo novo que Ele veio inaugurar.

Votos de Santo Natal para todos.

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda