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Homilia na Missa de Natal

Sé da Guarda.

“O Verbo fez- se carne e habitou entre nós”, como acabámos de ouvir.

De facto, no coração do Natal está o próprio Deus, que toma a iniciativa de vir estar connosco e partilhar sem reservas o destino da condição humana. Ele montou a sua tenda no nosso mundo e esta é a grande novidade do Seu desígnio de salvação, que esteve escondido desde toda a eternidade e, nos últimos tempos, foi revelado na Pessoa de Jesus; esse Menino nascido no Presépio de Belém, que os pastores foram os primeiros a adorar e cujo mistério nós agora contemplamos.

É esta a mensagem do Natal para todos os homens e mulheres de boa vontade. E, por isso, são abençoados os pés daqueles que percorrem montes e vales para anunciar que Deus é esse Rei que vem para nos consolar.

De facto, é de consolação que todo o mundo precisa, quando se vê a braços com situações que podem pôr em risco o seu próprio futuro e em particular a vida daqueles que hão-de vir para nos continuar.

Por isso, pensamos agora na sustentabilidade do planeta, essa nossa casa comum que habitamos e precisamos de deixar habitável para as gerações futuras.

Pensamos também nos avanços da inteligência artificial que está a invadir todos os campos da vida quotidiana dos cidadãos, podendo trazer-lhes o melhor, mas também o pior, dependendo da responsabilidade com que os seres humanos a souberem organizar.

Claro que, neste como em outros processos, é determinante o serviço dos poderes públicos. Por isso, aos mandatados para nos governar temos o direito de exigir que nos ofereçam condições e garantias de confiança. Como sabemos, toda a autoridade, por princípio, é um serviço da causa pública e quantos nele estão investidos têm a obrigação de não defraudar os que deles dependem.

Ora, quanto a este assunto, os indicadores colhidos em recente inquérito feito a nível de 30 países da Europa, incluindo os que constituem a União Europeia, dizem que os portugueses estão, de momento, bastante desiludidos com os políticos e com os partidos políticos que nos têm governado.

Por isso, agora, no interregno que nos separa das próximas eleições, é o tempo favorável para tentarmos repor essa confiança. Mas tal só se conseguirá com bons programas apresentados pelos que se propõem para ser governo e, ao mesmo tempo, com a máxima participação dos cidadãos, quer no processo de os elaborar quer no ato de os sufragar.

Todos desejamos uma maior proximidade entre os políticos e os cidadãos em geral e sobretudo que os primeiros saibam auscultar bem o sentir dos cidadãos, para se desfazer, o mais possível, este relativo desencanto.

A aplicação da justiça é outro fator da insatisfação manifestada pelo comum dos cidadãos portugueses, segundo dados do referido inquérito. Por isso, se exigem entre nós medidas que deixem os cidadãos mais tranquilos e confiantes neste importante serviço à causa pública.

Há algumas interpelações a que é necessário dar ouvidos e entre elas está a exigência de que não se faça discriminação entre ricos e pobres. Pelo contrário, o que tem de estar em causa sempre e só é o respeito pelos direitos dos cidadãos e que estes cumpram os seus deveres, sem que a verdade e o bem comum fiquem prejudicados.

Preocupa-nos o crescimento do número de pobres que tardamos em fazer parar e quanto possível inverter.

Paralelamente, há indicadores de que sabemos fazer bom acolhimento aos imigrantes que são necessários para o desenvolvimento do país, em setores vitais. Mas faltam-nos as necessárias medidas de inserção que lhes permitam aceder ao desejado estatuto social de igualdade com os cidadãos nacionais.

Temos também aqui longo caminho a percorrer para acolhermos bem quem nos procura e quer fazer vida connosco.

Também o Menino do Presépio passou pela experiência da exclusão, porque não encontrou lugar nas hospedarias e escolheu a manjedoura para nascer entre os pobres e marginais. Igualmente teve de emigrar para o Egipto, para fugir aos que maquinavam tirar-lhe a vida e de lá voltou quando as circunstâncias se modificaram. Desta forma, fazia sua a história pela qual Deus falou, em tempos passados, até que passou a ser Ele próprio a Palavra definitiva de Deus para toda a Humanidade. E assim cumpria as palavras da carta aos Hebreus que hoje ouvimos – “Muitas vezes e de muitos modos falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Nestes tempos que são os últimos falou-nos por Seu Filho”.

Com tudo isto Ele mesmo nos diz que hoje continua a ser necessário escolher os caminhos da solidariedade e do serviço ao próximo, a começar pelos mais abandonados, os que mais precisam e que sozinhos não podem fazer valer os seu direitos.

A lição de Belém faz-nos reconhecer que somos frágeis, limitados e que muitas vezes não fazemos o bem que, no fundo, desejamos, mas sim o mal para onde as circunstâncias nos empurram.

Queremos, à luz dos imperativos que nos vêm do Menino do Presépio, reforçar a nossa vontade para assumir sempre as responsabilidades que nos estão confiadas.

A Jesus, a Sua Mãe Santíssima e a S. José queremos, neste Natal, confiar todos os nossos propósitos de viver segundo o que nos indica a Mensagem de Belém.

Boas Festas.

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda