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Homilia: Solene abertura do Ano Jubilar

Festa da Sagrada Família

Celebramos hoje a Festa da Sagrada Família e com ela a solene abertura do Jubileu.

E queremos começar por nos deixar conduzir ao seio da Sagrada Família de Nazaré para compreendermos a lição que dela recebemos.

Como lembrou o Papa Paulo VI, na homilia pronunciada na Basílica da Anunciação, nos longínquos anos 60 do século passado, dela colhemos principalmente três lições, a saber, uma lição de siLêncio, uma lição de vida familiar e uma lição de trabalho.

Por sua vez, os textos bíblicos que acabámos de escutar remetem-nos para os bens recebidos por aqueles que honram seu pai e sua mãe, como se impõe aos filhos que cuidem bem de seus pais.

Ora, há valores de sempre, que S. Paulo nos lembra hoje, na Carta aos Colossenses, e que se aplicam de forma muito imediata à vida familiar.

São eles a misericórdia, a bondade, a mansidão e a paciência; a determinação para nos suportarmos e perdoarmos mutuamente e principalmente que nos deixemos revestir da Caridade, que é o vínculo de toda a perfeição.

E insiste em que todos estes bens têm uma única fonte, a Palavra de Cristo, que nós havemos de saber sempre acolher com renovado entusiasmo.

Também, ao contemplarmos hoje, por indicação da leitura do Evangelho de S. Lucas, o 5º Mistério dos Mistérios Gozosos do Rosário, partilhamos a dor dos pais de Jesus, mas também a responsabilidade própria de todos os educadores quanto a criar condições para que os seus educandos possam fazer o devido discernimento da vocação e da missão, que lhe são próprias.

Está em causa o respeito pelo Mistério de cada pessoas, em todas as etapas da sua vida e particularmente naquela etapa em que decidem o seu futuro.

Irmãos e irmãs:

Com este Celebração, e como já dissemos, fazemos também a abertura solene do Ano Jubilar e diante de nós aparece a porta da Salvação que é Jesus Cristo. Entramos, assim, no Jubileu, que queremos viver como peregrinos da esperança, conforme recomenda o Papa Francisco:

O Jubileu é uma saudável tradição, que nos vem do Povo de Deus do Antigo Testamento, o qual também a recebeu de civilizações mais antigas, como acontecia com a  redistribuição das terras e com o perdão das dívidas praticados já na antiga Mesopotâmia, e aproveitando para tal circunstâncias determinadas da vida das comunidades ou dos seus chefes.

A tradição judaica recebeu esta prática e deu-lhe enquadramento no calendário, determinando que o ano a seguir a 7 séries de 7 anos cada uma, portanto o ano 50, fosse declarado Ano Jubilar. Isto, com a obrigação de as terras vendidas voltarem aos seus antigos donos, as dívidas serem perdoadas e os escravos libertados.

Jesus apresenta-se como sendo o pleno cumprimento do Ano Santo Jubilar, esse Ano da Graça anunciado pelo Profeta Isaías, passagem bíblica que Jesus aplicou a si mesmo na Sinagoga da sua terra natal, Nazaré.

De facto, toda a vida pública de Jesus é a realização do sonho do Jubileu. Isso  acontece com o perdão dos pecados, que causa profunda admiração e mesmo algum escândalo, pois só Deus pode perdoar os pecados; acontece  com o perdão das dívidas, para a qual remete a oração do Pai Nosso, assim como na constante denúncia da má distribuição das riquezas.

Na tradição cristã, encontramos a retoma do Jubileu em época bastante tardia, pelos anos 1300 e concentrada exclusivamente na dimensão espiritual do perdão dos pecados e anulação das suas consequências,  o que deu lugar à Indulgência, a qual, não sendo perdão do pecado propriamente dito, é perdão da pena que lhe é devida, e aplicável a vivos e defuntos.

De facto, as dimensões mais materiais e práticas do Jubileu foram sendo esquecidas, pois o que mais imediatamente se nota no anúncio dos Jubileus é a prática da Indulgência, as peregrinações e visitas aos lugares jubilares e a oração recomendada nesses mesmos lugares.

Todavia, a Bula do Papa Francisco que convoca este Jubileu (Spes non confundit), retoma as preocupações do ano jubilar, segundo antiga tradição judaica.

Assim, sobre os detidos nas prisões, o Papa diz nela expressamente: “Penso nos presos… E proponho aos governos que, no ano jubilar, tomem iniciativas que lhes restituam a esperança, como sejam formas de amnistia ou de perdão da pena que ajudem as pessoas a recuperar a confiança em si   mesmas e na sociedade, com percursos de reinserção na comunidade aos quais corresponda um compromisso concreto de cumprir as leis”.
Todos compreendemos que a realidade das cadeias é um mundo difícil de tratar, mas que não nos pode deixar parados.

Prestamos homenagem aos serviços da pastoral prisional, com os seus muitos voluntários, que não cessam de levar aos prisioneiros o conforto e o acolhimento que a sociedade lhes deve, acompanhando-os com o conforto da esperança que nos vem da Pessoa de Jesus.

E na mesma Bula, o Papa Francisco  lembra, na linha da tradição mais antiga do Jubileu, que os bens da terra se destinam a todos e renova o apelo para, com o dinheiro usado em armas e outras despesas militares, se constituir um fundo global para acabar com a fome no mundo. E, em concordância com a tradição mais antiga, pede aos países mais ricos, que estabeleçam o perdão das dívidas dos países mais pobres, que, de facto, nunca poderão pagá-las, pelo menos enquanto as circunstâncias atuais se mantiverem. Daí, o seu  apelo premente, com estas palavras: “Reformulemos as dívidas injustas e insolventes e saciemos os famintos”.

Esta preocupação por aplanar os caminhos para atender devidamente os que correm o risco da exclusão social está igualmente presente no Decreto sobre a Indulgência Jubilar, por sinal publicado numa data de especial significado para nós portugueses, o dia 13 de maio último. Nele se diz que o benefício da Indulgência Jubilar se pode adquirir, uma vez cumpridos os requisitos gerais, também pela prática das obras de misericórdia. E lembra, a propósito, a visita aos doentes e aos que vivem em solidão; a visita aos presos e principalmente a partilha de bens  em favor dos mais necessitados.

São estes os muitos caminhos que nos são apontados para vivermos o Jubileu, aos quais vamos procurar dar a devida atenção durante todo o Ano Jubilar que hoje solenemente abrimos.

Que o Senhor nos ajude a viver  o ano Jubilar como verdadeiros peregrinos da esperança.

29.12.2024

+Manuel da Rocha Felício

Administrador Apostólico da Diocese da Guarda