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Dia Mundial da Paz – Homilia de D. Manuel Felício

1 de janeiro de 2024

Iniciamos o novo ano de 2024 sob a proteção de Nossa Senhora, que hoje invocamos com o título de Santa Maria Mãe de Deus.

Celebramos também o Dia Mundial da Paz; paz que se encontra, neste momento, especialmente ameaçada, com duas guerras em curso, que especialmente preocupam o mundo ocidental, mas a que temos de acrescentar outras que continuam a destruir pessoas e haveres, em várias partes do mundo, como acontece no centro da África.

Ao celebrar o Dia Mundial da Paz, encomendamos à proteção misericordiosa de Deus tantas crianças e outras pessoas inocentes que sofrem, neste momento, os horrores da guerra.

E queremos também lembrar a nós mesmos e ao mundo o sem sentido das guerras, sejam elas quais forem, pois, delas ninguém sai vencedor, mas todos vencidos. 

E esse contrassenso chega ao ponto de tirar a muitas pessoas o sustento e o bem estar que lhes é devido para investir em armas de destruição. É esta insensatez, ligada ao negócio das armas e largamente instalada nas mentalidades de muitos senhores do mundo que temos de denunciar e reprovar. A este propósito, fazemos nossas as palavras do Papa Francisco, ontem mesmo pronunciadas, durante a oração do Angelus, na Praça de S. Pedro, em Roma, assim: “Possam aqueles que têm alguma intervenção nos conflitos escutar a voz da consciência”.

Tal insensatez é ainda mais intolerável, quando às máquinas de guerra se associam tecnologias avançadas, algumas das quais começam a sair do controlo imediato das mentes humanas. É esse, de facto, um dos grandes riscos da chamada inteligência artificial, para os quais chama a nossa atenção a mensagem do Papa Francisco sobre este Dia mundial da Paz.

É certo que as máquinas e o desenvolvimento tecnológico a elas associado podem ser um bem para otimizar recursos humanos e materiais, mas constituem, em si mesmas, grande risco para as atuais e futuras gerações, se deixarem de ser controladas pela sensatez humana.

E é este mesmo risco que leva o Papa Francisco a pedir à comunidade das nações um tratado internacional vinculativo onde sejam definidas regras para o funcionamento da inteligência artificial. Há que tomar as devidas cautelas para que este instrumento, de facto, novo, seja sempre e só usado para promover o desenvolvimento humano integral e o máximo aproveitamento dos recursos naturais, com o devido respeito pela casa comum de todos os seres humanos, incluindo as futuras gerações.

Para que tal possa acontecer impõe-se uma educação o mais generalizada possível sobre este assunto e, assim, sobretudo as gerações mais novas cresçam no espírito crítico e na capacidade de discernir sobre o uso das muitas potencialidades da inteligência artificial. Aqui está principalmente a responsabilidade das escolas, incluindo as universidades e também as sociedades científicas.

Por isso, neste primeiro dia do ano, rezamos com o Papa Francisco para que a inteligência artificial, em vez de aumentar as desigualdades e as injustiças, possa contribuir para pôr fim às guerras e aliviar o sofrimento de tanta gente; e assim possamos  aproveitar as vantagens da chamada revolução digital para que o nosso legado às gerações futuras seja o de um mundo mais solidário, justo e pacífico.

Para o novo ano pedimos, neste seu primeiro dia, a bênção de Deus, que, como refere o livro dos Números, está garantida, se soubermos acolhê-la, como aconteceu com os filhos de Israel, ao ser-lhes oferecida através do sacerdote Aarão.

Sabemos agora que essa bênção tem um nome e é uma pessoa, a Pessoa de Jesus Cristo. Ele que nasceu sujeito à lei, diz a Carta aos Gálatas, como qualquer menino e que o Pai enviou ao meio de nós para nos fazer seus filhos adotivos, e, pela ação do Espírito Santo, podermos chamá-Lo nosso Pai. Esta é, de facto, a condição e a verdadeira raiz da nossa dignidade.

Como os pastores que partiram apressadamente ao encontro do Menino de Belém, logo que receberam a alegre notícia dos anjos, também nós queremos aproveitar este novo ano para reforçar e aprofundar a nossa relação com o mesmo Jesus e igualmente a nossa responsabilidade de O anunciar jubilosamente ao mundo em que vivemos.

Neste ano novo que estamos a começar, temos pela frente principalmente dois eventos da vida da Igreja que nos vão pedir a atitude de partir como os pastores. 

Um deles é a preparação e realização do V Congresso Eucarístico Nacional, que acontecerá em Braga. Para nós Diocese da Guarda tem a importância especial de nos recordar a herança recebida do Sr. D. João, venerável servo de Deus, quanto à adoração Eucarística e o Lausperene, uma bela e rica tradição que entrou na agenda das nossas paróquias e agora queremos revalorizar.

O outro é a segunda sessão do Sínodo sobre a sinodalidade que nos vai pedir o melhor empenho para fazermos a experiência, em termos simples e ligada ao nosso agir quotidiano, do que é a sinodaliadde. Trata-se de, nos vários ambientes da vida das comunidades cristãs, desde as paróquias e conjuntos de paróquias aos serviços diocesanos e movimentos de apostolado e a outras formas de acolher a Palavra de Deus, sabermos escutar-nos uns aos outros, em clima de partilha fraterna, de silêncio e oração, para, assim, ouvirmos o que o Espírito nos quer dizer. E, ao mesmo tempo, importa encontrarmos formas de escutar também o mundo em que nos encontramos, procurando discernir os sinais de Deus ou sinais dos tempos que nele estão presentes e, embora discretamente, nos interpelam. De facto, o caminho da sinodalidade é aquele que mais há-de contribuir para a qualidade de vida das comunidades cristãs.

Finalmente, também não podemos esquecer que 2024 é ano de eleições. 

E o que tem de estar em causa, no ato eleitoral, é sufragar projetos que possam devolver a esperança às nossas gentes, as quais, segundo indicadores credíveis recentemente publicados, estão muito desiludidas com a classe política. Por isso, este é o tempo favorável para os políticos e especialmente os representantes dos partidos apresentarem os seus projetos sobre a vida em sociedade, capazes de responder às legítimas aspirações dos cidadãos. 

Estes, por sua vez, não podem permanecer de braços cruzados, à espera que outros decidam por eles, mas empenhar-se no conhecimento e no diálogo sobre as várias propostas que hão-de ser sufragadas. 

Temos pela frente problemas incontornáveis que têm de ser encarados com coragem, como sejam os ligados ao mundo da saúde, ao da educação ou da proteção social, sem se esquecer o custo de vida que cresce em ritmo galopante e, se não for controlado com medidas capazes, vai colocar cada vez mais pessoas em situação de grande dificuldade. É preciso ter em consideração que o número de pobres em Portugal não tem parado de crescer. Por isso, precisamos de políticas que, pelo menos, façam inverter essa tendência.

Confiamos à proteção da Santíssima Virgem, que hoje invocamos com o título de Santa Maria Mãe de Deus, o novo ano de 2024, pedindo, por sua intercessão, para ele a especial bênção de Deus.

01.01.2024

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda