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No 25 de abril; onde estava a Igreja?

Ao comemorarmos o acontecimento histórico do 25 de abril, é normal que nos perguntemos onde estava a Igreja nessa madrugada, assim como nos tempos que imediatamente a precederam e a seguiram.

É lugar comum dizer-se que a Igreja, antes do 25 de abril, era o braço direito do governo.

Todavia este lugar comum precisa, pelo menos, de ser matizado para darmos o devido lugar à verdade histórica.

De facto, a relação da Igreja com o Estado antes do abril de 1974 foi bastante diferenciado nos tempos, nos lugares e nas pessoas. Houve, dentro dela, iniciativas que prepararam a chegada da liberdade e da democracia ao nosso país, assimcomo houve compromisso de muitos católicos na implementação dos ideias de abril, com os necessários ajustamentos que as circunstâncias foram impondo.

A este propósito, é oportuno lembrar duas cartas pastorais do Episcopado Português relacionadas com o acontecimento, uma delas publicada menos de um ano antes e a outra, poucos meses depois.

A primeira, datada de 4 de maio de 1973, veio com o propósito de assinalar o 10º aniversário da encíclica Pacem in Terris do Papa João XXIII e nela se criticavam as enormes diferenças de riqueza existentes na nossa sociedade; chamava-se  a atenção para as classes mais desfavorecidas, com destaque para  os agricultores e insistia- se em que a participação de todos na vida nacional era objetivo ainda não conseguido, mas que tinha de ser implementado, segundo o espírito da Pacem in Terris e dos direitos fundamentais nela consagrados.

Na segunda, em  julho de 1974, poucos meses depois do 25 de abril, o mesmo Episcopado  pronunciava-se sobre o contributo dos cristãos para vida nacional, em momento de profundas transformações, como o que estava a ser vivido. Nela se chamava a atenção para o que a democracia deve ser – ao serviço do ser humano entendido como pessoa livre e responsável, com destino próprio e transcendente e essencialmente solidário com os outros. Aos cidadãos compete participar e escolher as forma da participação; ao Estado, garantir as condições para a sua eficácia, sempre no respeito pelo princípio elementar da subsidiariedade. Nesta linha, surge naturalmente o apelo dos Bispos à participação dos católicos na vida social e política do país, ao lado  de todos os homens de boa vontade, na luta pelo Portugal de amanhã.

No pós25 de abril, a Igreja, em seu serviço à sociedade, foi basicamente respeitada, de acordo com a Concordata de 1940. Claro que os novos condicionamentos exigiram também regulamentações novas ajustadas aos assuntos que era necessário tratar em parcerias. Os mundos da assistência social, da saúde e da educação, como também os serviços de assistência espiritual e religiosa, em instituições públicas, foram lugares onde vários ajustamentos se tiveram de ir realizando. Depois veio a nova Concordata assinada entre o Estado Português e a Santa Sé, em 2004, cuja regulamentação está longe de ter chegado ao fim. Mas nela se apontam caminhos importantes a percorrer que supõem sempre a devida conjugação da autonomia da Igreja e do Estado com o seu empenho em colaborar conjuntamente para o bem dos cidadãos. É este o percurso que queremos continuar a fazer, sempre atentos às novas situações que exigem também adaptação das regras da cooperação.

Apraz-nos, em hora celebrativa, reconhecer tudo quanto se conseguiu de positivo, ao longo destes 50 anos, no nosso país, desde a liberdade políticae o fim da guerra em África até à abertura de Portugal à Europa e a Mundo. Temos, agora, pela frente novos desafios, isso é verdade. E são eles,entre outros, o acolhimento dos imigrantes que nos procuram e dos quais nós precisamos, como,em outros tempos, a Europa precisou dos nossos; a dignificação do quadro legal e de iniciativas de apoio às famílias, assim como que se cuidem bem os mundos do trabalho, da educação e da saúde;enfim que se leve a sério o respeito pela vida,desde o princípio até ao seu fim natural.

E todos sabemos que, em Portugal como em muitas outras partes do mundo, incluindo o mundo dito desenvolvido da Europa e da América, a democracia está longe de se encontrar devidamente consolidada, o que só poderá acontecer quando nela a liberdade estiver bem conjugada com a responsabilidade dos cidadãos,na procura conjunta do bem comum.

Neste momento comemorativo do “25 de Abril” é bom lembrarmos o contributo que são chamados a dar para o bem de toda a sociedade os quatro princípios elementares da Doutrina Social da Igreja – a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade.

A terminar, lembramos a publicação que acaba de ser feita conjuntamente pela Ecclesia e pelo Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica, com o título 25 de Abril: permanências, ruturas e recomposições. Nela se recorda que “A hierarquia católica em Portugal, à semelhança de outras transições políticas que se deram no século XX, manteve-se atenta e expectante, procurando não hostilizar os novos poderes”. Mas também cita a nota pastoral do Episcopado Português de duas páginas publicada em 4 de maio desse ano, onde se diz “Sentimos com todo o Povo os anseios e esperanças da hora presente e com ele nos empenhamos, dentro da nossa competência, na edificação de uma ordem social assente na verdade, na justiça, na liberdade, no amor e na paz; e se recorda aos padres e religiosos que não devem ocupar cargos políticos e aos partidos que nenhum deles pode reivindicar para a sua opinião, de modo exclusivo, a autoridade da Igreja.

13 de abril de 2024

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda

 

foto: Pedro Vilaça, Fundão